A religiosa chilena que dedica a vida ao acompanhamento de mulheres presas

«Mais um dia de vida e um dia a menos de prisão»

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29 dezembro 2022

Vou à prisão há 22 anos porque Deus me amou e se entregou por mim. Não cumpro uma sentença. Pelo contrário, não obstante a minha vulnerabilidade, procuro responder à vocação que o Senhor me concedeu para o ver e servir em milhares de mulheres privadas de liberdade, a maioria das quais por crimes que cometeram por causa da pobreza em que nasceram.

O meu nome é Nelly León. Sou uma religiosa da Congregação do Bom Pastor. Atualmente dirijo uma das alas da Prisão feminina em Santiago, Chile. Também dirijo a Fundação Mujer, levántate, que promove a reintegração na sociedade, no local de trabalho e nas famílias destas irmãs que, tendo recuperado a liberdade após anos atrás das grades, não querem voltar a cair no crime. Assim, todos os dias, como responsável pastoral da prisão feminina, entro e saio de um mundo cheio de dor, raiva, sentimento de culpa, frustração, mas sobretudo com o sofrimento daquelas mães que estão separadas dos seus filhos.

Quando o Coronavírus se espalhou pelo mundo em 2020, as prisões do Chile proibiram completamente todas as visitas, incluindo o acompanhamento religioso. Devido à minha insistência em não abandonar as mulheres, ofereceram-me a possibilidade de permanecer dentro da prisão sem possibilidade de sair enquanto as restrições não fossem canceladas. Aceitei, convencida de que era isto que Deus me pedia, porque o Evangelho diz: «Eu estava na prisão e vós viestes visitar-me» (cf. Mt 25, 36). O isolamento durou 18 meses. Hoje posso dizer que esse tempo na prisão foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida consagrada. Antes disso, quando deixava a prisão no final do dia, verificava-se uma interrupção porque deixava para trás tanta amargura, as lágrimas das mulheres e os encontros de consolação partilhados com elas ao longo do dia. Ter que ficar na prisão durante a pandemia permitiu-me assisti-las até mais tarde. Pude percorrer os corredores durante a noite num profundo silêncio que às vezes era quebrado por gritos de angústia que provinham das celas.

Esta experiência, que é um ponto sem retorno na minha vida, permitiu-me conhecer aquelas mulheres muito mais profundamente, as suas histórias, a sua dor, e as motivações do seu coração. Elas vivem durante anos num lugar onde não querem estar, em condições que não querem viver. Esta é uma ferida aberta que produz sofrimento e nostalgia, sentimentos que aumentam agora durante a época de Natal.

Enquanto as famílias se reúnem em todas as casas no Chile, estas mulheres seguirão o mesmo ritmo diário de confinamento e solidão na prisão. Na véspera de Natal, a sua maior ansiedade é não poderem dar presentes aos seus filhos, e esta ansiedade foi maior durante a Covid. Assim, em 2020, recolhemos materiais e cada uma delas preparou cartões de Natal coloridos para os filhos, que foram entregues nas suas casas através de uma rede de colaboradores. Também enviamos presentes em nome das mães para as crianças mais pequeninas. A Providência também permitiu que celebrássemos a missa dentro da prisão naquele ano, embora fosse mais simples e menos participada, pois é tradição que a 24 de dezembro a missa de Natal seja celebrada pelo arcebispo de Santiago.

Pela primeira vez desde o fim da pandemia, este ano poderemos celebrar de forma mais ampla. Recebemos a permissão para colocar jogos insufláveis nos pátios da prisão para as crianças, onde também poderão tirar fotografias. Haverá gelados e guloseimas para as crianças e as suas mães. Cada criança receberá um presente da sua mãe ou avó. Uma celebração litúrgica terá lugar em cada ala da prisão, que incluirá uma procissão com a imagem do Menino Jesus. Teremos momentos de oração e reflexão, escutaremos a Palavra de Deus, cantaremos canções de Natal. Através disto, poderemos acompanhar as mulheres que mais sofrem com a solidão, quer porque ninguém as vem visitar, quer porque as famílias se encontram noutros países por serem estrangeiras.

Durante este tempo de preparação para o Natal, que vivemos solenemente ao acender as velas da nossa coroa de Advento, verifica-se um clima caraterizado por sentimentos contrastante: a angústia de estar atrás das grades e a esperança que o Salvador nos traz. Sem dúvida, porém, existe uma maior vontade de viver em harmonia e de estar ao serviço umas das outras. E, assim, o profundo sentido de humanidade que existe neste lugar inóspito torna-se evidente. Uma humanidade ferida, mas pretende que seja reconhecida a sua dignidade. As mulheres lembram-se bem do que o Papa Francisco lhes disse pessoalmente quando as visitou em janeiro de 2018: «Fostes privadas da vossa liberdade, mas não da vossa dignidade». É por esta razão que muitas delas se mostram dispostas a ir em frente. O Natal de 2022 será uma nova oportunidade para fomentar esta dignidade que elas têm como filhas amadas por Deus. E eu, com elas, poderei rezar mais uma vez ao lado do Menino Jesus: «Obrigada, Senhor, por mais um dia de vida e um dia a menos de prisão!».

#sistersproject

Nelly León