«O martírio de Isabel Cristina» exorta a invocar de Deus «a graça de que as mulheres sejam respeitadas na sua dignidade». Que cessem «a exploração das mulheres e os crimes sexuais contra elas. Que não sejam vistas, tratadas e exploradas como objetos de prazer», e sobretudo que se ponha fim ao «feminicídio!»: eis o vigoroso apelo dirigido pelo cardeal Raymundo Damasceno Assis, arcebispo emérito de Aparecida, por ocasião da beatificação de “Cris” — como era familiarmente conhecida — Mrad Campos. Durante o rito, presidido em nome do Papa Francisco a 10 de dezembro, no Parque de Exposições de Barbacena, Minas Gerais (Brasil), o purpurado exortou a não ter medo de «romper a cadeia da violência e da opressão», abandonando «as ideologias que, contrárias ao Evangelho, coisificam as pessoas, sobretudo as mulheres!».
A fé, disse o cardeal na homilia, leva a viver «uma experiência de respeito, aceitação, tolerância e promoção da dignidade da vida para todos, sem exceções, desde a conceção até ao seu fim natural». Certamente, acrescentou, nem todos são chamados «ao martírio do sangue, mas todos nós somos chamados a viver diariamente o “martírio” sem derramar o sangue, oferecendo a vida a Deus e aceitando as dificuldades e os sacrifícios com amor».
O cardeal exortou a olhar para o exemplo de Isabel Cristina, para que a nova Beata ajude «a renovar a nossa adesão ao martírio, aceitando-o na nossa fidelidade diária ao Evangelho e à nossa conformidade com Cristo». Assim, convidou a ter a coragem de «aceitar as cruzes, os sofrimentos, a angústia e a dor da nossa vida de todos os dias».
Depois, dirigindo-se aos jovens, disse-lhes para não terem medo de dedicar a vida a valores que não esmorecem. «Conhecer e amar Jesus, explicou, é o que dá sentido à nossa vida». Basta olhar para a Beata: «Jovem estudante, tinha sonhos e amigos, gostava de música... Deus não nos tira nada!». Pelo contrário, Ele «torna-se o nosso Tudo! N’Ele, com Ele e através d’Ele todos os nossos pensamentos, palavras e obras se renovam». Nesta renovação, «não contam o poder, o prazer, a posse, a violência e a opressão. O que tem valor é a fé, que nos leva a viver na esperança e a dar testemunho do amor».
O arcebispo emérito de Aparecida recordou o que Isabel Cristina dizia: «Espero que continuemos a amar-nos cada dia mais. Assim, construiremos o nosso pequeno mundo, cheio de amor, paz e amizade!».
Retomando as palavras repetidas várias vezes pelo Papa Francisco, o purpurado brasileiro salientou que se trata do martírio «de uma vida escondida e vivida em fidelidade aos valores do Evangelho», o martírio que todos devem pedir. Com efeito, todos os dias «passamos por grandes tribulações, lavamos e branqueamos as nossas vestes no Sangue do Cordeiro, e somos convidados a dar testemunho da nossa fé nas mais variadas realidades e circunstâncias: em casa com a nossa família, no trabalho com as pessoas que passam parte do dia ao nosso lado, no trânsito de carro ou nos transportes públicos, na nossa participação na vida da Igreja, afinal, em todos os ambientes em que vivemos».
Em seguida, Raymundo Damasceno Assis pediu para pensar nos momentos em que devemos ser compreensivos e pacientes com as pessoas que encontramos, como aqueles em que «somos obrigados a suportar uma doença, unindo a dor dos nossos sofrimentos à de Cristo, oferecendo a nossa vida como ação de louvor a Deus». Por outro lado, «quantos pobres e doentes, observou, são verdadeiros mártires, porque dão testemunho do amor de Cristo mediante a oferta da própria vida!».
A jovem Cris não tinha medo do martírio. Durante o seu brutal assassinato, ocorrido no dia 1 de setembro de 1982, «não teve receio daquele que podia matar o seu corpo, mas não a sua alma». Este acontecimento cruel não «constituiu de modo algum a vitória da violência e do mal sobre a paz e a bondade, pois a palavra de Jesus veio em seu socorro: “Não tenhas medo!”».
Assim ela «não teve medo e tornou-se mártir». Não morreu em vão, pois «o sangue dos mártires é a semente dos cristãos» (Apologia 50, 13). Esta frase de Tertuliano recorda um dos grandes dons da Igreja: o martírio! A este respeito, o cardeal questionou-se se não é porventura insensato considerar o martírio uma dádiva de Deus. Neste sentido, Santo Óscar Romero, o bispo mártir de El Salvador, tem uma resposta: «O martírio é uma graça de Deus que não acredito merecer, mas se Deus aceitar o sacrifício da minha vida, que o meu sangue seja semente de liberdade e sinal de que a esperança será em breve uma realidade». Assim, a fé testemunhada torna-se «martírio diário, na vivência da verdade, da justiça, do perdão, da solidariedade, da alegria, do amor e da paz».
No nosso tempo, acrescentou o purpurado celebrante, há muitos que «não se deixam subjugar pelas forças da morte e, dia após dia, lutam para iluminar os ambientes outrora dominados pelas trevas, para levar consolação a quantos sofrem, dar vida a a quem morre sem esperança!».
Nos valores evangélicos vividos concretamente, segundo o carisma da Conferência de São Vicente de Paulo, a nova Beata «aprendeu a virtude da pureza e da castidade, o amor aos pobres, o cuidado para com os necessitados». Foram estes valores, «firmemente enraizados no seu coração, que lhe permitiram não ceder ao ódio nem à brutalidade, permanecendo fiel ao amor e à paz», concluiu o cardeal.