Permanecer vigilantes para preservar as portas do coração

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15 dezembro 2022

«Para que o trabalho feito para tomar a boa decisão não se perca» é necessária vigilância, frisou o Papa na audiência geral de quarta-feira, 14 de dezembro. Dando continuidade na Sala Paulo vi às catequeses sobre o discernimento, o Pontífice debruçou-se sobre o tema da confirmação da escolha feita. Pois — advertiu — existe o risco «de que o “desmancha-prazeres”, ou seja, o Maligno, possa estragar tudo, fazendo-nos regressar ao ponto de partida».

Estimados irmãos e irmãs
bom dia!

Já estamos na fase final deste percurso de catequeses sobre o discernimento. Começamos com o exemplo de Santo Inácio de Loyola; depois consideramos os elementos do discernimento — isto é, a oração, o conhecimento de si, o desejo e o “livro da vida” — e meditamos sobre a desolação e a consolação, que formam a sua “matéria”; e depois chegamos à confirmação da escolha feita.

Nesta altura considero necessário inserir a chamada a uma atitude essencial, a fim de que não se perca todo o trabalho levado a cabo para discernir o melhor e tomar a boa decisão, e esta seria a atitude da vigilância. Refletimos sobre o discernimento, a consolação e a desolação; escolhemos uma coisa... tudo está bem, mas agora, vigiar: a atitude da vigilância. Pois efetivamente, como ouvimos na passagem do Evangelho que foi lida, o risco existe. O risco existe, e é que o “desmancha-prazeres”, ou seja, o Maligno, possa arruinar tudo, fazendo-nos voltar ao ponto de partida, aliás, a uma condição ainda pior. É o que acontece, por isso é preciso estar atentos e vigiar. Eis por que é indispensável estar vigilante. Por conseguinte, hoje pareceu-me oportuno evidenciar esta atitude, de que todos nós precisamos para que o processo de discernimento tenha bom êxito e permaneça ali.

Com efeito, na sua pregação, Jesus insiste muito sobre o facto de que o bom discípulo é vigilante, não adormece, não se deixa tomar pela segurança excessiva quando tudo corre bem, mas permanece atento e pronto para cumprir o seu dever.

Por exemplo, no Evangelho de Lucas, Jesus diz: «Estejam cingidos os vossos rins, e acesas as vossas lâmpadas; sede semelhantes àqueles que esperam o seu senhor quando ele regressar de uma festa, para que quando ele vier e bater à porta, eles lha abram imediatamente. Bem-aventurados os servos aos quais o senhor encontrar vigilantes quando vier!» (12, 35-37).

Vigiar para salvaguardar o nosso coração e compreender o que acontece dentro. Trata-se da disposição de espírito dos cristãos que aguardam a vinda final do Senhor; mas pode ser entendida também como a atitude comum a ter na conduta de vida, de tal modo que as nossas boas escolhas, feitas às vezes depois de um discernimento exigente, possam continuar de maneira perseverante e coerente e dar fruto.

Se faltar a vigilância, como dissemos, será muito forte o risco de que tudo se perca. Não se trata de um perigo de ordem psicológica, mas sim espiritual, uma verdadeira cilada do espírito maligno. Com efeito, ele aguarda o momento exato em que nos sentimos demasiado seguros de nós próprios, este é o perigo: “Estou seguro de mim mesmo, venci, agora estou bem...”, este é o momento que o espírito maligno espera, quando tudo corre bem, quando as coisas vão “às mil maravilhas” e temos, como se diz, “o vento em popa”. Efetivamente, na breve parábola evangélica que ouvimos, afirma-se que o espírito impuro, quando regressa à casa de onde tinha saído, «encontra-a vazia, limpa e adornada» (Mt 12, 44). Tudo está no lugar, tudo está em ordem, mas onde se encontra o dono da casa? Não está presente. Não há ninguém que vigie sobre ela e a salvaguarde. Eis o problema! O dono da casa não está presente, saiu, distraiu-se; ou está em casa, mas adormeceu, e portanto é como se não estivesse presente. Não está vigilante, não está atento, pois sente-se demasiado seguro de si mesmo e perdeu a humildade de salvaguardar o próprio coração. Devemos preservar sempre a nossa casa, o nosso coração, e não nos devemos distrair e ir... pois o problema é este, como dizia a Parábola.

Então, o espírito maligno pode aproveitar-se e regressar àquela casa. Contudo, o Evangelho diz que não regressa sozinho, mas com «outros sete espíritos piores do que ele» (v. 45). Uma companhia de malfeitores, um quadrilha de bandidos. Mas — perguntemo-nos — como é possível que possam entrar sem ser perturbados? Como é que o senhor não se apercebe? Não fora porventura capaz de fazer o discernimento e de os expulsar? Não recebera até as felicitações dos seus amigos e vizinhos por aquela casa tão bonita e elegante, tão arrumada e limpa? Sim, mas talvez precisamente por isso apaixonou-se demasiado pela casa, ou seja, por ele mesmo, e deixou de esperar o Senhor, de aguardar a vinda do Esposo; talvez, por medo de estragar aquela ordem, já não recebesse ninguém, não convidasse os pobres, os desabrigados, aqueles que incomodam... Uma coisa é certa: tem a ver com o mau orgulho, com a presunção de estar certo, de ser bom, de estar bem. Muitas vezes ouvimos dizer: “Sim, antes eu era malvado, depois converti-me e agora a casa está em ordem, graças a Deus, fica tranquilo quanto a isto...”. Quando confiamos demasiado em nós próprios e não na graça de Deus, então o Maligno encontra a porta aberta. Em seguida, organiza a expedição e toma posse daquela casa. E Jesus conclui: «A condição daquele homem torna-se pior do que a primeira» (v. 45).

Mas o senhor não se apercebe? Não, porque estes são os demónios educados: entram sem que te dês conta, batem à porta, são gentis. “Não está bem, vai, vai, entra...” e depois acabam por mandar na tua alma. Cuidado com estes diabinhos, com estes demónios: o diabo é educado quando finge ser um grande senhor. Pois entra com a nossa para sair com a sua. É preciso proteger a casa deste engano de demónios educados. E a mundanidade espiritual segue sempre este caminho.

Caros irmãos e irmãs, parece impossível, mas é assim! Muitas vezes perdemos, somos derrotados nas batalhas, devido a esta falta de vigilância. Muitas vezes, talvez o Senhor tenha concedido tantas graças e no final não fomos capazes de perseverar nesta graça e perdemos tudo, porque nos falta a vigilância: não protegemos as portas. E depois fomos enganados por alguém que vem, educado, que entra e diz olá... o diabo comporta-se assim! Cada um pode até verificá-lo, reconsiderando a sua história pessoal. Não é suficiente fazer um bom discernimento e uma boa escolha. Não, não é suficiente: é preciso permanecer vigilante, preservar esta graça que Deus nos concedeu, mas vigiar, pois podes dizer-me: “Mas quando vejo alguma desordem, apercebo-me imediatamente que é o diabo, que é uma tentação...”, sim, mas desta vez vem disfarçado de anjo: o diabo sabe disfarçar-se de anjo, entra com palavras educadas, convence-te e no fim é pior do que no início... Devemos permanecer vigilantes, velar sobre o coração. Se hoje eu perguntasse a cada um de nós, e também a mim mesmo: “O que acontece no teu coração?”. Talvez não saibamos dizer tudo: diremos uma ou duas coisas, mas não tudo. Velar sobre o coração, pois a vigilância é sinal de sabedoria, é sobretudo sinal de humildade, pois temos medo de cair, e a humildade é a via mestra da vida cristã.