O Papa Francisco em Asti
O Papa Francisco presidiu à santa missa na catedral de Asti, na manhã de domingo, 20 de novembro, solenidade de Cristo Rei do universo, xxxvii Jornada mundial da juventude. A seguir, a homilia do Pontífice.
Vimos este jovem, o Stefano, pedir para receber o ministério de Acólito no seu percurso rumo ao sacerdócio. Temos de rezar por ele, para que continue para diante na sua vocação e seja fiel; mas devemos rezar também por esta Igreja de Asti, para que o Senhor envie vocações sacerdotais, porque, como vedes, a maioria são idosos como eu: precisamos de sacerdotes jovens, como alguns aqui que são muito bons. Rezemos ao Senhor para que abençoe esta terra.
E daqui, destas terras, emigrou o meu pai para a Argentina; e vim a estas terras, preciosas pelos bons produtos do solo e sobretudo pela genuína laboriosidade da gente, para reencontrar o sabor das raízes. Entretanto, hoje, podemos ver mais uma vez como o Evangelho nos leva às raízes da fé. Estas, encontramo-las no terreno árido do Calvário, onde a semente que é Jesus, ao morrer, fez germinar a esperança: plantada no coração da terra, abriu-nos o caminho para o Céu; com sua morte, deu-nos a vida eterna; por meio do madeiro da cruz, trouxe-nos os frutos da salvação. Por isso, fixemos o nosso olhar n’Ele, fixemos o olhar no Crucificado.
Na cruz, aparece uma única frase: «Este é o rei dos judeus» (Lc 23, 38). Eis o seu título: Rei. Mas, observando Jesus, inverte-se a ideia que temos de um rei. Tentando visualizá-lo, pensaremos num homem forte sentado num trono com preciosas insígnias, um cetro na mão e anéis brilhantes nos dedos, enquanto solenemente fala aos súbditos. Tal seria, em linhas gerais, a imagem dum rei que temos na cabeça. Mas fixando Jesus, vemos que é completamente diferente. Não está sentado num trono confortável, mas pendurado num patíbulo; o Deus que «derruba os poderosos de seus tronos» (Lc 1, 52), comporta-se como servo cravado na cruz pelos poderosos; adornado apenas com cravos e espinhos, despojado de tudo mas rico de amor. Do trono da cruz, já não ensina as multidões com a palavra, nem levanta a mão para ensinar; faz mais: não aponta o dedo contra ninguém, mas abre os braços a todos. Assim se manifesta o nosso Rei: de braços abertos — a brasa aduerte.
E só entrando no seu abraço é que compreendemos que Deus Se deixou levar até àquele ponto, até ao paradoxo da cruz, precisamente para abraçar tudo em nós, incluindo quanto havia de mais distante d’Ele: a nossa morte (Ele abraçou a nossa morte), o nosso sofrimento, as nossas pobrezas, as nossas fragilidades e as nossas misérias. Ele abraçou tudo isto. Fez-se servo para que cada um de nós se sentisse filho (com a sua servidão pagou a nossa filiação); deixou-se insultar e escarnecer, para que, em qualquer humilhação, já ninguém de nós estivesse sozinho; deixou-se despojar, para que ninguém se sentisse despojado da sua dignidade; subiu à cruz, para que, em cada crucificado da história, houvesse a presença de Deus. Eis o nosso Rei, Rei de cada um de nós, Rei do universo, porque atravessou os confins mais remotos do humano, entrou nos buracos negros do ódio, nos buracos negros do abandono para iluminar cada vida e abraçar toda a realidade. Irmãos, irmãs, tal é o Rei que hoje festejamos! Não é fácil de compreender, mas é o nosso Rei. Eis a pergunta que devemos pôr-nos: mas este Rei do universo é o Rei da minha existência? Eu creio n’Ele? Como posso celebrá-lo Senhor de tudo, se não se torna também o Senhor da minha vida? E tu, Stefano, que hoje inicias este caminho para o sacerdócio, não esqueças que Ele é o teu modelo: não te prendas às honras, não. Ele é o teu modelo; se não pensas ser sacerdote como este Rei, é melhor parares por aqui.
Mas fixemos de novo os olhos em Jesus Crucificado. Vê! Ele não observa a tua vida apenas durante um momento, não te dedica só um olhar fugaz, como fazemos nós muitas vezes com Ele, mas permanece ali a brasa aduerte a dizer-te no silêncio que nada de ti lhe é estranho, que te quer abraçar, levantar, salvar assim como és, com a tua história, as tuas misérias, os teus pecados. Mas, Senhor, isto é verdade? Com as minhas misérias... Tu amas-me assim? Neste momento, cada um pense na sua própria pobreza: «Mas, Tu amas-me com toda esta pobreza espiritual que sou, com estas limitações?». Ele sorri e faz-nos compreender que nos ama e deu a vida por nós. Pensemos um pouco nos nossos limites, e também nas coisas boas: Ele ama-nos como somos, como somos agora. Ele dá-te a possibilidade de reinares na vida, se te abandonares ao seu amor cheio de mansidão, que se propõe mas não se impõe (o amor de Deus nunca se impõe), ao seu amor que sempre te perdoa. Nós muitas vezes cansamo-nos de perdoar às pessoas e, sobre elas, como que pomos o sinal da cruz, fazemos o seu enterro social. Ele nunca se cansa de perdoar... nunca, nunca: sempre te põe de pé, sempre te devolve a tua dignidade real. Pensa: a nossa salvação, donde vem? Vem do facto de nos deixarmos amar por Ele, porque só assim somos libertos da escravidão do nosso egoísmo, do medo de estar sozinho e pensar que não vamos conseguir. Com frequência, irmãos, irmãs, coloquemo-nos diante do Crucificado, deixemo-nos amar, para que aqueles brasa aduerte nos abram, também a nós, o Paraíso, como ao «bom ladrão». Sintamos como que dirigida a nós aquela frase, a única que ouvimos hoje Jesus dizer na cruz: «Estarás comigo no Paraíso» (Lc 23, 43). Isto é o que Deus quer para nós, e no-lo quer dizer a todos nós, sempre que nos demoramos sob o seu olhar. E então compreendemos que não temos um deus desconhecido, lá em cima nos céus, poderoso e distante. Não! Mas um Deus próximo. A proximidade é o estilo de Deus: proximidade, com ternura e misericórdia. Tal é o estilo de Deus, e não tem outro: próximo, vizinho e terno; terno e compassivo, cujos braços abertos consolam e acariciam. Eis o nosso Rei!
Irmãos, irmãs, depois de o termos contemplado, que mais podemos fazer? O Evangelho de hoje coloca à nossa frente dois caminhos: diante de Jesus, temos quem se comporta como espetador e quem se envolve. Os espetadores são muitos; é a maioria. Olham; ver morrer alguém na cruz é um espetáculo. De facto — diz o texto — «o povo permanecia, ali, a observar» (23, 35). Não era má gente, muitos eram crentes, mas à vista do Crucificado, permanecem espetadores: não movem um passo na direção de Jesus, mas olham-no de longe, curiosos e indiferentes, sem verdadeiramente se interessar nem perguntar que podem fazer. Terão comentado (“mas olha este...”), terão formulado juízos e opiniões («mas é inocente... e termina assim?»), alguém tê-lo-á até lamentado, mas todos ficaram a olhar sem nada fazer, de braços cruzados. E até há espetadores perto da cruz: os chefes do povo, que querem assistir ao espetáculo cruento do fim inglorioso de Cristo; os soldados, que esperam que termine rapidamente a execução a fim de voltar para casa; um dos malfeitores, que descarrega o seu ódio sobre Jesus. Escarnecem, insultam, dizem da sua justiça.
Todos estes espetadores compartilham um refrão, que o texto repete três vezes: «Se és rei, salva-te a ti mesmo» (cf. 23, 35.37.39). Insultam-no assim, desafiam-no! Salva-te a ti mesmo! Exatamente o contrário daquilo que está a fazer Jesus, que pensa não em si, mas em salvá-los a eles que o insultam. E aquele dito «salva-te a ti mesmo» propaga-se como que por contágio: desde os chefes passando pelos soldados e chegando à gente, a onda do mal atinge quase todos. Pensemos como é contagioso o mal! Contagia-nos como quando apanhamos uma doença infeciosa, que nos contagia imediatamente. Aquela gente fala de Jesus, mas não se sintoniza com Jesus nem um momento sequer. Põe-se à distância e fala. É o contágio letal da indiferença. A indiferença é uma doença ruim: “Isto não me diz respeito, não tem a ver comigo”. Indiferença para com Jesus e indiferença também para com os doentes, os pobres, os miseráveis da terra. Gosto de perguntar às pessoas e faço-o também aqui a cada um de vós. Sei que cada um de vós dá esmola aos pobres, e eu pergunto: “Quando tu dás esmola aos pobres, olhas-los nos olhos? És capaz de olhar nos olhos aquele pobre, homem ou mulher, que te pede esmola? Quando dás esmola aos pobres, atiras a moeda ou tocas-lhes a mão? És capaz de tocar uma miséria humana?”. Depois cada um dê a resposta, hoje. Aquela gente vivia na indiferença. Fala de Jesus, mas não se sintoniza com Ele. E este é o contágio letal da indiferença, que cria distâncias relativamente às misérias. A onda do mal espalha-se sempre assim: começa-se por se colocar à distância, observar sem nada fazer e não se importar, depois pensamos só naquilo que nos interessa e habituamo-nos a virar a cara para o outro lado. Isto é um risco que corre também a nossa fé, que definha se permanecer uma teoria sem se fazer vida prática, se não houver envolvimento, se não nos gastarmos pessoalmente, se não nos comprometermos. Então tornamo-nos cristãos de fachada (cristãos tipo “água-de-colónia”, como ouvia dizer na minha casa), que dizem acreditar em Deus e querer a paz, mas não rezam nem cuidam do próximo. Não interessa Deus nem a paz, a estes cristãos apenas de língua, superficiais.
Esta era a onda má, que se encontrava no Calvário. Mas há também a onda benfazeja do bem. Entre muitos espetadores há um que se envolve, isto é, o «bom ladrão». Os outros zombam do Senhor, ele fala-lhe e chama-o pelo nome: “Jesus”; muitos descarregam sobre Ele o seu ódio, ele confessa a Cristo os seus erros; muitos dizem «salva-te a ti mesmo», ele reza: «Jesus, lembra-te de mim» (23, 42). Pede apenas isto ao Senhor. É uma linda oração! Se cada um de nós a rezasse todos os dias, estaria na boa estrada: a estrada da santidade: “Jesus, lembra-te de mim!”. Assim, um malfeitor torna-se o primeiro santo: aproxima-se de Jesus por um instante, e o Senhor estreita-o a si para sempre. Ora, o Evangelho fala-nos do bom ladrão para nos convidar a vencer o mal, deixando de ser espetadores. Por favor! A indiferença é pior do que fazer o mal. E donde havemos de começar? Da confidência, de chamar a Deus pelo nome, precisamente como fez o bom ladrão, que, no fim da vida, reencontra aquela confidência corajosa das crianças que confiam, pedem, insistem. E, na confidência, admite os seus erros, chora não por si mesmo, mas diante do Senhor. E nós, temos esta confiança, trazemos a Jesus aquilo que somos dentro ou maquilhamo-nos diante de Deus, talvez com um toque de sacralidade e de incenso? Por favor, não viver a espiritualidade da maquilhagem: é fastidiosa. Diante de Deus, apenas água e sabão! Sem maquilhagem, mas a alma apresenta-se assim como ela é. E daqui vem a salvação. Quem pratica a confidência, como este bom ladrão, aprende a intercessão, aprende a levar a Deus aquilo que vê, os sofrimentos do mundo, as pessoas que encontra; aprende a dizer-lhe, como o bom ladrão: «Lembra-te, Senhor!». Não estamos no mundo apenas para nos salvar a nós mesmos. Não; mas para levar os irmãos e as irmãs ao abraço do Rei. O facto de interceder, de lembrar ao Senhor, abre as portas do Paraíso. Mas nós, quando rezamos, intercedemos? “Lembra-te, Senhor, lembra-te de mim, da minha família, lembra-te deste problema... lembra-te... lembra-te...”. Devemos atrair a atenção do Senhor.
Irmãos, irmãs, hoje o nosso Rei olha-nos da cruz a brasa aduerte. Cabe a nós escolher se sermos espetadores ou envolvidos. Sou espetador ou quero envolver-me? Vemos as crises de hoje, o declínio da fé, a falta de participação... E que fazemos? Limitamo-nos a fazer teorias, limitamo-nos a criticar, ou arregaçamos as mangas, comprometemo-nos na vida, passamos do «se» das desculpas ao «sim» da oração e do serviço? Todos pensamos saber o que está errado na sociedade. Todos! Falamos todos os dias do que está errado no mundo e também na Igreja. Tantas coisas erradas na Igreja! Mas, depois, fazemos alguma coisa? Metemos as mãos na massa, como o nosso Deus pregado no madeiro, ou ficamos a olhar com as mãos nos bolsos? Hoje, enquanto Jesus, despido na cruz, tira todo o véu sobre Deus e destrói toda a falsa imagem da sua realeza, olhemos para Ele a fim de encontrar a coragem de olhar para nós mesmos, percorrer os caminhos da confidência e da intercessão e fazer-nos servos para reinarmos com Ele. “Lembra-te, Senhor, lembra-te”: façamos esta oração com maior frequência! Obrigado!