Carta ao cardeal Omella pelo quinto centenário da conversão de Santo Inácio de Loyola

As crises mostram
que o homem não é o dono da História

 As crises mostram que o homem não é o dono da História  POR-047
24 novembro 2022

«Através das crises, Deus diz-nos que não somos os donos da História, com letra maiúscula, nem das nossas histórias», escreveu Francisco numa mensagem enviada ao cardeal arcebispo de Barcelona por ocasião do quinto centenário da conversão de Santo Inácio de Loyola, celebrado a 14 de novembro na cidade catalã.

Ao Eminentíssimo Cardeal
Juan José Omella Omella
Arcebispo de Barcelona
Presidente da Conferência
Episcopal Espanhola

Estimado Irmão!

A 14 de novembro, celebrar-se-á em Barcelona um evento singular, o v Centenário da chegada de um pobre soldado a um lugar escondido na geografia da Espanha, enquanto ia a caminho para a Terra Santa. O nosso protagonista, tendo servido o rei e as suas convicções a ponto de derramar o próprio sangue, estava ferido no corpo e no espírito, despojara-se de tudo e alimentou o propósito de seguir Cristo na pobreza e na humildade. Naquele momento, pouco lhe importava ficar em albergues para os pobres ou ter de se refugiar numa gruta para rezar, e menos ainda que isso significasse ser “considerado insensato e louco” (e.e. 167). E no entanto — paradoxos do destino — cinco séculos depois, as autoridades civis e religiosas daquela região, juntamente com o prepósito-geral do instituto religioso por ele fundado, a Companhia de Jesus, reúnem-se de forma institucional para celebrar aquele evento.

Também eu desejo unir-me a este ato, para o qual desejei que me representasses, pedindo-te que transmitas as minhas saudações a todas as autoridades presentes, tanto civis como eclesiásticas e, através delas, ao fiel Povo de Deus, que recorda Santo Inácio de Loyola com devoção e afeto, e aos homens de boa vontade que o respeitam como homem íntegro e coerente nas suas convicções. E também aos membros da Companhia de Jesus que, como eu, o veneram como fundador.

É significativo, neste momento, pensar que Deus usou uma guerra e uma peste para o levar até lá. A guerra, que o tirou de Pamplona e foi o gatilho da sua conversão, e a peste, que o impediu de chegar a Barcelona e obrigou a ficar na gruta de Manresa. Esta é uma grande lição para nós, porque não nos faltam guerras e pestes para nos converter. Portanto, podemos considerá-las uma oportunidade para inverter o rumo que temos seguido até agora e investir no que é realmente importante, seja qual for o âmbito no qual nos movemos. Porque, através das crises, Deus diz-nos que não somos os donos da História, com letra maiúscula, nem das nossas histórias, e por muito livres que sejamos para responder ou não às chamadas da sua graça, é sempre o seu desígnio de amor que guia o mundo.

Naquela circunstância, Inácio mostrou-se dócil a esta chamada, mas o mais importante é que não guardou essa graça para si, mas considerou-a desde o início como um dom para os outros, como um caminho, um método que poderia ajudar outras pessoas a encontrar Deus, abrir os seus corações e deixar-se interpelar por Ele. Desde então, os seus exercícios espirituais, como outros caminhos de perfeição, assim como os doze graus de humildade de São Bento, las moradas [o castelo interior] de Santa Teresa ou mais simplesmente o que as bem-aventuranças ou os dons do Espírito Santo nos propõem, apresentam-se-nos como a escada de Jacob que conduz da terra para o céu, e que Jesus promete àqueles que o procuram sinceramente.

Que o Senhor te abençoe, querido irmão, que abençoe o povo que peregrina por aquelas terras, e que a Santíssima Virgem vos proteja. E, por favor não vos esqueçais de rezar por mim,

Fraternalmente,

Francisco

Roma, São João de Latrão 12 de setembro de 2022