Discurso do Papa à comunidade do Instituto de teologia da vida consagrada Claretianum

Ir às fronteiras
para ser audazes na missão

 Ir às fronteiras  para ser audazes na missão  POR-046
17 novembro 2022

«Ir às fronteiras», «abrir caminhos», «ser audazes na missão»: foram as tarefas fundamentais confiadas pelo Papa Francisco à comunidade do Instituto de teologia da vida consagrada “Claretianum”, por ocasião do cinquentenário de fundação, recebida em audiência na manhã de 7 de novembro, na Sala Clementina.

Estimados irmãos
Caro Cardeal Aquilino
Bocos Merino
Prezados Bispos e sacerdotes
bom dia e bem-vindos!

Agradeço ao Padre Reitor as suas amáveis palavras, obrigado!

Festejais o cinquentenário da fundação do Instituto de Teologia da Vida Religiosa Claretianum. Neste meio século, prestastes muitos e valiosos serviços segundo o espírito e a missão de Santo António Maria Claret, que tanto fez para apoiar e promover a vida consagrada nas suas várias formas. As vossas publicações, as vossas obras ajudaram-me muito na vida como formador de jovens seminaristas.

Levastes em frente na Igreja o desejo de estar próximos das comunidades de vida consagrada e de as ajudar. É conhecido em todo o mundo o contributo dado pelos Missionários Claretianos às famílias religiosas, através de acompanhamento espiritual, de esclarecimento doutrinal e, sobretudo, de aconselhamento jurídico. Prova disso são as vossas publicações e revistas, algumas das quais com mais de cem anos. No que agora se chama o Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, os Cardeais Arcadio María Larraona e Arturo Tabera, assim como o padre Jesús Torres — lembro-me muito dele, era competente, sempre escondido... — deixaram uma marca, enquanto outros missionários foram e são valiosos colaboradores neste e noutros Dicastérios.

Após o Concílio Vaticano ii, tiveram um resultado muito positivo a fundação do Instituto Claretianum e o de Madrid, e seguindo os seus passos, os Centros Superiores de Manila, Bangalore, Bogotá e Abuja. Nestas décadas todos prestaram, e continuam a prestar, um serviço frutuoso à compreensão e ao desenvolvimento da teologia da vida consagrada. Nos seus programas articulam-se as origens e as dinâmicas carismáticas, cristológicas, históricas e canónicas. A sua atenção às contribuições das ciências humanas contribuiu para oferecer um rosto mais humano à vida consagrada. Não exagero, mas vós, com o vosso trabalho, humanizastes muito a vida consagrada. Demos graças a Deus pelas múltiplas expressões da atividade dos vossos Institutos, que ajudaram tantas pessoas e comunidades: os dias de estudo, as semanas e os congressos, o acompanhamento prestado aos capítulos e aos governos de todos os tipos de institutos, sociedades de vida apostólica e novas formas de vida consagrada. Obrigado pela vida e serviço dos seis Institutos, mas também pelas iniciativas que promovestes e continuais a promover em tantos outros lugares: México, Polónia, Reino Unido, Indonésia... A vossa presença é muito visível nas Igrejas locais e nas conferências dos Superiores Maiores de todo o mundo. E lembro-me também da minha primeira experiência como bispo no Sínodo de 1994: quanto ajudastes naquele Sínodo sobre a vida consagrada! A vossa influência foi positiva, sempre aberta, sempre removendo temores que não tinham fundamento.

Agradeço-vos de forma especial o cuidado que tivestes em divulgar o Magistério da Igreja, tanto dos Papas como dos Dicastérios mais estreitamente relacionados com a vida consagrada.

Neste tempo no qual a Igreja deseja viver mais intensamente a sua vocação sinodal, apraz-me constatar que o vosso serviço à vida consagrada foi marcado pelo desejo de implementar aquilo que Santo António Maria Claret tanto valorizava. De facto, não só mantivestes a comunhão com a Sé Apostólica, com os Pastores das Igrejas particulares e com as Federações de Superiores Maiores, como também vos esforçastes por partilhar o vosso serviço de animação e renovação com outras vocações e ministérios eclesiais: religiosos com outros carismas, sacerdotes seculares e leigos.

Encorajo-vos a continuar a servir a vida consagrada num espírito claretiano, ou seja, sendo missionários. A vida consagrada não pode faltar na Igreja e no mundo. O padre Claret também repetia as palavras de Santa Teresa que São João Paulo ii recorda na Exortação Vita consecrata: «Que seria do mundo se não existissem os religiosos?» (n. 105). A vossa ajuda aos consagrados e às consagradas, antes de ser intelectual, é testemunho, é confissão de que Jesus é o Senhor. O primeiro serviço dos vossos Institutos Teológicos deve ser oferecer-se como casas de acolhimento, de louvor e de ação de graças; como lugares onde os carismas são partilhados e cresce o desejo de viver o espírito das Bem-aventuranças e o discurso escatológico. Neles, deve manifestar-se a comunhão e encorajar a opção pelos pobres e a solidariedade, a fraternidade sem fronteiras e a missão em constante saída. Com esta disposição, o dom da vida consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo serão mais apreciados.

Hoje a vida consagrada não se pode deixar desencorajar pela falta de vocações ou pelo envelhecimento. Isto seria uma tentação, um desânimo: “Mas o que devemos fazer?”. Este é o desafio. Aqueles que se deixam cair no pessimismo, põem de lado a fé. É o Senhor da história que nos sustenta e nos convida à fidelidade e à fecundidade. Ele cuida do seu “resto”, olha com misericórdia e benevolência para a sua obra, e continua a enviar o Espírito Santo. Quanto mais nos aproximamos da vida religiosa através da Palavra de Deus e da história e criatividade dos Fundadores, tanto mais somos capazes de viver o futuro com esperança. A vida religiosa só pode ser compreendida pelo que o Espírito realiza em cada uma das pessoas chamadas. Há quem se concentre demasiado no exterior (estruturas, atividades...) e perca de vista a superabundância de graça que existe nas pessoas e nas comunidades. Portanto, por favor, afastai o espírito de derrota, o espírito de pessimismo: isto não é cristão. O Senhor não deixará de estar próximo do povo, fá-lo-á de uma forma ou de outra, mas é Ele que é importante.

Embora sabendo que já enfrentais muitos desafios do nosso tempo, gostaria de vos convidar a realçar o valor da fidelidade no seguimento de Jesus, de acordo com o espírito dos Fundadores, e a cuidar da vida comunitária. Numa época na qual o individualismo está tão difundido, estai atentos à vida comunitária! Exorto-vos a viver a interculturalidade como caminho de fraternidade e de missão, e a promover o encontro entre as diferentes gerações na vida consagrada, na Igreja e na sociedade. Gostaria de enfatizar isto: o encontro entre as diferentes gerações. Os jovens precisam de conviver com os idosos, precisam de falar, e os idosos precisam de falar com os jovens. Olhar em frente, de acordo com a profecia de Joel (cf. 3, 1-2), tão bonita! Com este diálogo, com o espírito, os idosos sonharão e os jovens profetizarão. Poderão ir em frente, mas com o sonho dos anciãos. Por favor, não deixeis morrer os idosos sem sonhar: faz parte de uma missão. O encontro fá-lo-ão os jovens. Que os vossos jovens frequentem os idosos e que os idosos frequentem os jovens. Um tempo, depois do Concílio, houve uma mentalidade de reestruturação das coisas: algumas congregações afastaram os idosos colocando-os num lar para a terceira idade. Por favor, isto é criminoso! É curioso: certas religiosas — penso num caso concreto — religiosas idosas, que trabalhavam bem, após dois meses na casa para idosos, foram para o outro mundo. Por nostalgia, por tristeza! Os idosos devem morrer sonhando, e aqueles que fazem com que os idosos sonhem são os jovens, que devem tomar o lugar deles. Não vos esqueçais disto: deixai-os falar....

Há cinco anos, com a Constituição Apostólica Veritatis gaudium, especifiquei a contribuição dos estudos eclesiásticos e dos centros teológicos para a nova fase da missão da Igreja na qual nos encontramos. Agradeço-vos muito o empenho com que aceitastes este meu apelo, e exorto-vos a procurar sempre novas formas de servir o Senhor e o povo santo e fiel de Deus. Como já vos disse noutras ocasiões, não tenhais medo, cultivai sempre o estilo de Deus. E qual é o estilo de Deus? É simples: a proximidade, a compaixão e a ternura. Ele mesmo o diz, no Deuteronómio: “Pensa, qual povo tem os seus deuses tão próximos como tu tens a mim?”. A proximidade, que é compassiva e terna. Proximidade, compaixão e ternura: este é o estilo de Deus. Continuai a ajudar tantos consagrados e consagradas a serem «uma espécie de Evangelho espalhado ao longo dos séculos» ( ciclsal , Instrução: Recomeçar a partir de Cristo, 2). Não vos canseis de ir às fronteiras, também às fronteiras do pensamento; de abrir caminhos, de acompanhar, enraizados no Senhor para ser audazes na missão.

Já São João Paulo ii advertia sobre o perigo para a vida consagrada de uma diminuição da consideração pelo estudo. Negligenciar a teologia, a reflexão, o estudo, as ciências empobrece o apostolado e encoraja a superficialidade e a frivolidade na missão (cf. Vita consecrata, 98). Agradeço-vos porque continuais a ajudar tantos a permanecer atentos; porque continuais a cuidar da qualidade do estudo e da pesquisa. Os problemas do nosso tempo exigem novas análises e novas sínteses (cf. ibid.). Os vossos institutos, vós professores, vós estudantes, tendes uma grande tarefa diante de vós.

O Evangelho ensina que existe uma pobreza que humilha e mata, e outra pobreza, a de Jesus, que liberta e faz feliz. Como pessoas consagradas, recebestes o imenso dom de partilhar a pobreza de Jesus. Não vos esqueçais, nem na vossa vida nem no vosso trabalho na universidade, daqueles que vivem as outras pobrezas. Que possais fazer com que a vida triunfe sobre a morte e a dignidade sobre a injustiça (cf. Mensagem para o vi Dia Mundial dos Pobres [2022]). Para encontrar verdadeiramente Cristo, é preciso tocar, tocar o seu corpo no corpo ferido dos pobres, não apenas olhar para eles, tocá-los; em confirmação da comunhão sacramental recebida na Eucaristia (cf. Mensagem para o Primeiro Dia Mundial dos Pobres, 2017). Quantos fundadores, fundadoras e pessoas consagradas viveram e vivem desta forma!

Parafraseando a oração que concluía a homilia pelo 60º aniversário da abertura do Concílio Ecuménico Vaticano ii, convido-vos a rezar comigo: «Nós vos damos graças, Senhor, pelo dom do Concílio e pela bênção que estes institutos de teologia da vida consagrada foram e são para a Igreja. Vós que nos amais, livrai-nos da presunção da autossuficiência e do espírito da crítica mundana. Vós, que nos apascentais com ternura, fazei-nos sair dos recintos da autorreferencialidade, do artifício diabólico das polarizações, dos “ismos”. E nós, vossa Igreja, com Pedro e como Pedro vos dizemos: “Senhor, Vós sabeis tudo; bem sabeis que vos amamos” (cf. Jo 21, 17)» (cf. Homilia, 11 de outubro de 2022).

Queridos irmãos, queridas irmãs, por intercessão da Virgem Maria, que o Espírito Santo vos ajude sempre no serviço que prestais no Claretianum. De coração, abençoo-vos. E por favor não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!