O Papa pediu à União internacional de empresários cristãos para «gerar amizade social»

Uma economia que inclua os mais débeis e promova a paz

 Uma economia que inclua  os mais débeis e promova a paz  POR-045
10 novembro 2022

Dar vida a uma economia que inclua os mais débeis, sem deixar ninguém para trás, e que promova a paz: eis o compromisso que o Papa Francisco pediu aos participantes no congresso mundial da União internacional de empresários cristãos (Uniapac), recebidos em audiência na manhã de 21 de outubro, na Sala Paulo vi.

Prezados líderes e participantes no 27º Congresso mundial da Uniapac!

Em primeiro lugar, peço desculpa pelo atraso. Obrigado pela vossa paciência de me esperar! Hoje os encontros foram mais longos do que se previa e peço desculpa por isso.

Saúdo-vos e dou-vos as boas-vindas a este importante encontro para refletir e fortalecer o vosso compromisso na vossa nobre vocação de empresários (cf. Enc. Laudato si’, 129). Nunca devemos esquecer que todas as nossas capacidades, inclusive o sucesso nos negócios, são dons de Deus e «deveriam ser claramente orientadas para o desenvolvimento dos outros e para a eliminação da pobreza, especialmente através da criação de diversificadas oportunidades de emprego» (Enc. Fratelli tutti, 123). A mudança requer sempre coragem. Mas a verdadeira coragem exige também que se saiba reconhecer a graça divina na nossa vida. Assim escreve o salmista: «Espera no Senhor, sê forte, / fortalece o teu coração e espera no Senhor!» (Sl 27, 14).

Rezo a fim de que, durante estes dias juntos, e sobretudo quando regressardes às vossas casas e lugares de trabalho, permaneçais sempre conscientes da graça e da sabedoria de Deus na vossa vida, e para que lhe permitais que guie e dirija os vossos relacionamentos no mundo dos negócios e com quantos trabalham para vós. «Somos chamados a ser criativos na prática do bem [...] usando os bens deste mundo — não apenas os materiais, mas todos os dons que recebemos do Senhor — não para nos enriquecermos, mas para gerar amor fraterno e amizade social» (Angelus, 18 de setembro de 2022). Gerar amizade social!

O tema do vosso Congresso representa um grande desafio para vós e para muitos outros protagonistas no mundo empresarial: criar uma nova economia para o bem comum. Não há dúvida de que o nosso mundo necessita urgentemente de «uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda».1 Continuando a reflexão sobre uma nova economia, mas sobretudo começando a pô-la em prática, trata-se de considerar que a atividade económica «deve ter como sujeitos todos os homens e todos os povos. Todos têm o direito de participar na vida económica e o dever de contribuir, de acordo com as suas capacidades, para o progresso do próprio país e de toda a família humana [...]: é dever de solidariedade e de justiça, mas é também o melhor modo de fazer progredir toda a humanidade».2

Portanto, qualquer “nova economia para o bem comum” deve ser inclusiva. Com demasiada frequência o slogan “não deixar ninguém para trás” é pronunciado sem qualquer intenção de oferecer o sacrifício e o esforço para transformar verdadeiramente estas palavras em realidade. Na sua Encíclica Populorum progressio, São Paulo vi escrevia: «O desenvolvimento não se reduz ao mero crescimento económico. Para ser desenvolvimento autêntico, deve ser integral, o que significa que deve visar a promoção de todo o homem e do homem todo» (n. 14). Na vossa profissão, vós, dirigentes de empresa e empresários, sois chamados a fazer a função de fermento para assegurar que o desenvolvimento alcance todas as pessoas, mas especialmente as mais marginalizadas, mais necessitadas, de modo que a economia possa contribuir sempre para o crescimento humano integral. A este propósito, não esqueçamos a importante contribuição oferecida pelo setor informal durante a pandemia de Covid-19, ainda em curso. Durante o lockdown para a maior parte da sociedade, os trabalhadores informais asseguraram o fornecimento e a entrega dos bens necessários para a vida diária e o cuidado dos nossos entes queridos mais frágeis, mantendo as atividades económicas básicas, não obstante a interrupção de numerosas atividades formais. Com efeito, «somos chamados a dar prioridade à nossa resposta aos trabalhadores que se encontram à margem do mercado de trabalho, [...] trabalhadores pouco qualificados, diaristas, trabalhadores do âmbito informal, trabalhadores migrantes e refugiados, quantos se ocupam daquele que se costuma denominar o “trabalho tridimensional”: perigoso, sujo e degradante, e assim por diante».3

Ponhamos de lado também a ideia de que a inclusão dos pobres e dos marginalizados pode ser satisfeita pelos nossos esforços para oferecer assistência financeira e material. Como está escrito na Laudato si’, «ajudar os pobres com dinheiro deve ser sempre um remédio temporário para fazer enfrentar as emergências. O verdadeiro objetivo deveria consistir em permitir-lhes levar uma vida digna mediante o trabalho» (n. 128). Com efeito, a porta para a dignidade do homem é o trabalho. Não basta levar pão para casa, é necessário ganhar o pão que levo para casa.

O trabalho deve ser compreendido e respeitado como um processo que vai muito além do intercâmbio comercial entre empregador e empregado. Em primeiro lugar e sobretudo, «parte do sentido da vida nesta terra, caminho de amadurecimento, de desenvolvimento humano e de realização pessoal» (ibid.). O trabalho «é uma expressão do nosso ser criados à imagem e semelhança de Deus, o trabalhador (cf. Gn 2, 3). [...] Somos chamados a trabalhar desde a nossa criação»,4 à imitação de Deus, que é o primeiro trabalhador.

Este trabalho deve ser bem integrado numa economia do cuidado. «O cuidado pode ser entendido como cuidar das pessoas e da natureza, oferecendo produtos e serviços para o crescimento do bem comum. Uma economia que cuida do trabalho, criando oportunidades de emprego que não exploram o trabalhador mediante condições de trabalho degradantes e horários cansativos».5 Aqui não nos referimos somente ao trabalho relacionado com a assistência. «O cuidado vai além; deve ser uma dimensão de todo o trabalho. O trabalho que não cuida, que destrói a criação, que põe em perigo a sobrevivência das gerações futuras, não respeita a dignidade dos trabalhadores e não pode ser considerado decente. Pelo contrário, o trabalho que cuida contribui para a restauração da plena dignidade humana, e contribuirá para assegurar um futuro sustentável às gerações vindouras. E, nesta dimensão do cuidado, os trabalhadores vêm em primeiro lugar».6

Para concluir, gostaria de partilhar convosco a “boa notícia” que recentemente, na cidade de Assis, onde São Francisco e os primeiros frades abraçaram a pobreza propondo uma nova economia radical aos líderes económicos da sua época, mil jovens economistas e empresários meditaram sobre a criação de uma nova economia, e escreveram e assinaram um Pacto para reformar o sistema económico global a fim de melhorar a vida de todas as pessoas. Gostaria de partilhar convosco alguns dos pontos principais, por dois motivos: primeiro, porque muitas vezes os jovens são excluídos; segundo, porque a criatividade e o pensamento “novo” vêm frequentemente dos jovens; e nós, pessoas de idade mais avançada, devemos ter a coragem de parar e de ouvi-los. Como os jovens devem ouvir os idosos, todos nós devemos ouvir os jovens. Para uma nova economia do bem comum, estes jovens propuseram uma “economia do Evangelho” que, entre outras coisas, abrange:

uma economia de paz, não de guerra — pensemos em quanto se gasta para fabricar as armas;

uma economia que cuida da criação e não a depreda — pensemos no desmatamento;

uma economia ao serviço da pessoa, da família e da vida, respeitosa de cada mulher, homem, criança, idoso e especialmente dos mais frágeis e vulneráveis;

uma economia na qual o cuidado substitui o desperdício e a indiferença;

uma economia que não deixa ninguém para trás, para construir uma sociedade na qual as pedras descartadas pela mentalidade dominante se transformam em pedras angulares;

uma economia que reconhece e tutela o trabalho digno e seguro para todos;

uma economia na qual as finanças sejam amigas e aliadas da economia real e do trabalho, e não contra elas7 — pois as finanças têm o perigo de tornar a economia “líquida”, ou até “gasosa”; e procedendo com esta liquidez e gasosidade acaba como a corrente de Santo António!

Hoje há centenas, milhares, milhões e talvez biliões de jovens que lutam para ter acesso aos sistemas económicos formais, ou pelo menos para ter acesso ao seu primeiro emprego remunerado, onde pôr em prática os conhecimentos académicos, as competências adquiridas, a energia e o entusiasmo. Gostaria de vos encorajar, dirigentes de empresa e empresários maduros e bem-sucedidos, a considerar uma nova aliança com os jovens que criaram e se comprometeram a favor deste Pacto. É verdade que os jovens trazem sempre problemas, mas têm o instinto de mostrar o verdadeiro caminho. Para caminhar com eles, para os ensinar e para aprender com eles; e, juntos, dar forma a “uma nova economia para o bem comum”.

Obrigado pelo que fazeis, obrigado por estardes aqui! Abençoo este caminho que ireis percorrer, que já percorreis, e abençoo cada um de vós e as vossas famílias. E também vós, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!

1 Mensagem aos participantes no Congresso “Economy of Francesco”, 1 de maio de 2019.

2 Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 333.

3 Mensagem de vídeo por ocasião do 109º Encontro da Conferência da Organização Internacional do Trabalho ( oit ), 17 de junho de 2021.

4 Mensagem aos participantes na 108ª sessão da International Labour Conference, 10-21 de junho de 2019.

5 Mensagem de vídeo por ocasião do 7º Dia mundial de oração e reflexão contra o tráfico de pessoas, 8 de fevereiro de 2021.

6 Mensagem aos participantes na 109ª sessão da International Labour Conference, 17 de junho de 2021.

7 Pacto para a economia dos participantes no Congresso “Economy of Francesco”, Assis, 24 de setembro de 2022.