Homilia da missa pela paz e a justiça no Bahrain National Stadium

Interromper a corrente do mal e a espiral da violência

 Interromper a corrente  do mal e a espiral da violência  POR-045
10 novembro 2022

O terceiro dia da viagem pontifícia começou na manhã de 5 de novembro, com a celebração eucarística no Bahrain National Stadium. Diante de trinta mil pessoas de cento e onze nacionalidades, o Pontífice presidiu à missa pela paz e a justiça, proferindo a homilia que publicamos a seguir.

O profeta Isaías diz que Deus fará surgir um Messias que «dilatará o seu domínio com uma paz sem limites» (Is 9, 6). Parece uma contradição! Com efeito, no palco deste mundo, muitas vezes vemos que quanto mais se procura o poder, tanto mais ameaçada está a paz. Ao contrário, o profeta anuncia uma novidade extraordinária: o Messias que vem é verdadeiramente poderoso, mas não como um líder que guerreia e domina sobre os outros, mas como «Príncipe da paz» (9, 5), como Aquele que reconcilia os homens com Deus e entre si. A grandeza do seu poder não se serve da força da violência, mas da debilidade do amor. Este é o poder de Cristo: o amor. E confere também a nós o mesmo poder, o poder de amar, de amar em seu nome, de amar como Ele amou. Como? De modo incondicional: não só quando as coisas correm bem e temos vontade de amar, mas sempre; não apenas aos nossos amigos e vizinhos, mas a todos, mesmo inimigos. Sempre e a todos.

Reflitamos um pouco sobre isto: amar sempre e amar a todos.

Comecemos pela primeira coisa: hoje as palavras de Jesus (cf. Mt 5, 38-48) convidam-nos a amar sempre, isto é, a permanecer sempre no seu amor, a cultivá-lo e praticá-lo qualquer que seja a situação onde vivemos. Mas atenção! O olhar de Jesus é realista; não diz que será fácil nem propõe um amor sentimental ou romântico, como se não houvesse, nas nossas relações humanas, momentos de conflito e não houvesse motivos de hostilidade entre os povos. Jesus não é utópico, mas realista: fala explicitamente de «maus» e de «inimigos» (cf. 5, 39.43). Sabe que acontece uma luta diária entre amor e ódio, no âmbito dos nossos relacionamentos; e, dentro de nós mesmos, verifica-se dia a dia um combate entre a luz e as trevas, entre tantos propósitos e desejos de bem e aquela fragilidade pecadora que muitas vezes nos domina e arrasta para as obras do mal. Sabe também que é o que experimentamos quando, apesar de tantos esforços generosos, nem sempre recebemos o bem que esperávamos, antes, às vezes incompreensivelmente sofremos um dano. Mais, Ele vê e sofre ao contemplar, nos nossos dias e em muitas partes do mundo, exercícios do poder que se nutrem de opressão e violência, procuram aumentar o espaço próprio restringindo o dos outros, impondo o próprio domínio, limitando as liberdades fundamentais, oprimindo os mais frágeis. Concluindo, Jesus bem sabe que há conflitos, opressões, inimizades.

À vista de tudo isto, eis a pergunta importante que se deve pôr: Que havemos de fazer quando nos encontramos em situações do género? A proposta de Jesus é surpreendente, é intrépida, é audaz. Pede aos seus a coragem de arriscar por algo que, na aparência, é perdedor; pede-lhes para permanecerem sempre, fielmente, no amor, apesar de tudo, mesmo perante o mal e o inimigo. Ora a pura e simples reação humana cinge-se ao «olho por olho e dente por dente»; mas isto equivale a fazer-se justiça com as mesmas armas do mal recebido. Jesus ousa propor-nos algo de novo, diferente, impensável, algo de Seu: «Eu, porém, digo-vos: Não oponhais resistência ao mau. Mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra» (5, 39). Aqui está o que nos pede o Senhor: que não sonhemos idealisticamente com um mundo animado pela fraternidade, mas que nos comprometamos — principiando nós mesmos — a viver concreta e corajosamente a fraternidade universal, perseverando no bem mesmo quando recebemos o mal, quebrando a espiral da vingança, desarmando a violência, desmilitarizando o coração. Um eco disto mesmo, temo-lo no apóstolo Paulo quando escreve «não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem» (Rm 12, 21).

Assim, o convite de Jesus não tem a ver primariamente com as grandes questões da humanidade, mas com as situações concretas da nossa vida: os nossos laços familiares, as relações na comunidade cristã, os vínculos que cultivamos no trabalho e na sociedade onde nos encontramos. Haverá atritos, momentos de tensão, haverá conflitos, diversidade de perspetivas, mas quem segue o Príncipe da paz deve procurar sempre a paz. E esta não se pode restabelecer se, a uma palavra ofensiva, se responde com outra pior, se a uma bofetada se responde com outra. Isto não! É preciso “desativar”, quebrar a cadeia do mal, romper a espiral da violência, deixar de guardar ressentimento, pôr fim a lamúrias e lamentos acerca da própria sorte. Há que permanecer no amor, sempre: é o caminho de Jesus para dar glória ao Deus do céu e construir a paz na terra. Amar sempre.

Passemos agora ao segundo aspeto: amar a todos. Podemos empenhar-nos no amor, mas não basta se o circunscrevermos à esfera restrita das pessoas de quem recebemos igualmente amor, de quem nos é amigo, dos nossos semelhantes, familiares. Também neste caso, o convite de Jesus é surpreendente, porque amplia os confins da lei e do bom senso: já é difícil, embora razoável, amar o próximo, quem é nosso vizinho. Em geral, é aquilo que uma comunidade ou um povo procura fazer, para conservar a paz no próprio seio: se se pertence à mesma família ou à mesma nação, se se têm as mesmas ideias ou os mesmos gostos, se se professa o mesmo credo, é normal procurar ajudar-se e querer-se bem. Mas que sucede se, quem estava distante, vem para perto de nós, se quem é estrangeiro, diferente ou de outro credo se torna nosso vizinho de casa? Precisamente esta nação é uma imagem viva da convivência na diversidade, do nosso mundo marcado sempre mais pela migração permanente dos povos e pelo pluralismo de ideias, usos e tradições. Então é importante acolher esta provocação de Jesus: «Se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os publicanos?» (Mt 5, 46). O verdadeiro desafio, para ser filhos do Pai e construir um mundo de irmãos, é aprender a amar a todos, mesmo o inimigo: «Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem» (5, 43-44). Na realidade, isto significa escolher não ter inimigos: ver no outro, não um obstáculo a superar, mas um irmão e uma irmã a amar. Amar o inimigo é trazer à terra um reflexo do Céu, é fazer descer sobre o mundo o olhar e o coração do Pai, que não faz distinções nem discrimina, mas «faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores» (5, 45).

Irmãos, irmãs, o poder de Jesus é o amor, e Jesus dá-nos o poder de amar desta maneira, de uma forma que nos parece sobre-humana. Na verdade, tal capacidade não pode ser fruto apenas dos nossos esforços; é, antes de mais nada, uma graça; uma graça que deve ser pedida com insistência: «Jesus, Vós que me amais, ensinai-me a amar como Vós. Jesus, Vós que me perdoais, ensinai-me a perdoar como Vós. Enviai sobre mim o vosso Espírito, o Espírito do amor». Peçamo-lo! Frequentemente confiamos à atenção do Senhor muitos pedidos, mas o pedido essencial para o cristão é este: saber amar como Cristo. Amar é o dom maior, e recebemo-lo quando damos espaço ao Senhor na oração, quando acolhemos a Presença d’Ele na sua Palavra que nos transforma e na revolucionária humildade do seu Pão partido. Assim, lentamente, vão caindo os muros que nos endurecem o coração e encontramos a alegria de praticar obras de misericórdia para com todos. Então compreendemos que uma vida feliz passa através das bem-aventuranças e consiste em sermos construtores de paz (cf. Mt 5, 9).

Queridos amigos, hoje quero agradecer o vosso humilde e jubiloso testemunho de fraternidade para ser, nesta terra, sementes do amor e da paz. É o desafio que o Evangelho lança diariamente às nossas comunidades cristãs, a cada um de nós. E a vós, a todos vós que viestes, a esta Celebração, dos quatro países do Vicariato Apostólico da Arábia do Norte — Bahrein, Kuwait, Qatar e Arábia Saudita — e de outros territórios do Golfo, bem como de outros países, hoje trago-vos o carinho e a solidariedade da Igreja universal, que tem os olhos postos em vós e vos abraça, que vos ama e encoraja. Que a Virgem Santa, Nossa Senhora da Arábia, vos acompanhe ao longo do caminho e vos guarde sempre no amor para com todos.