Crentes que dizem “não” à blasfémia da guerra

epa10285519 A handout picture provided by the Vatican Media shows Pope Francis with His Majesty King ...
10 novembro 2022

Embora aqui no Awali, na sede do rei do Bahrein, estejamos longe do conflito sangrento que eclodiu no coração da Europa cristã, o Papa Francisco voltou a pedir o fim da guerra na Ucrânia. A ilha no Golfo está longe da Europa oriental, mas perto do Iémen, outro dos “pedaços” daquela única terceira guerra mundial da qual o sucessor de Pedro fala cada vez com mais frequência, e com crescente preocupação.

Em primeiro lugar, há uma constatação que se impõe: após duas tremendas guerras mundiais, após a guerra fria «que durante décadas mantiveram o mundo sem respiro, no meio a tantos conflitos desastrosos em todas as partes do globo, no meio a tons de acusação, ameaças e condenação, ainda nos encontramos à beira de um equilíbrio frágil e não queremos afundar». À beira do abismo... Uma imagem plástica da absoluta precariedade em que toda a humanidade se encontra hoje face ao risco de um conflito nuclear com consequências incalculáveis.

Francisco sublinha um contraste, aliás um verdadeiro paradoxo: por um lado, há a maioria da população mundial afligida pela fome, injustiça, crises ecológicas e pandemias. Por outro, há um punhado de “poucos poderosos”, que brincam com o fogo, concentrando-se numa luta pelos próprios interesses, e exumam antigas linguagens “redesenhando zonas de influência e blocos opostos”. Décadas de diálogo e abertura, décadas de passos para a construção de relações internacionais já não se regem apenas pela lei dos mais fortes e por velhas alianças militares que agora parecem derreter e desaparecer como neve ao sol.

O Papa descreve o que está a acontecer como «um cenário dramaticamente infantil». Em vez de pensar no futuro da humanidade, há aqueles que «brincam com o fogo, com mísseis e bombas, com armas que causam o pranto e a morte». O choro e a morte são as tristes consequências, quando, em vez de diálogo e compreensão recíproca, se acentuam as oposições e se persiste em impor «os próprios modelos e visões despóticas, imperialistas, nacionalistas e populistas». A colonização económica e ideológica ou a nostalgia da grandeza imperialista minam a paz, a segurança de todos nós e o futuro do mundo. O convite que o Papa reitera do Bahrein é para que não fiquemos indiferentes. É o convite para ouvir «o grito do povo e a voz dos pobres», deixando de «distinguir de forma maniqueísta quem é bom e quem é mau» e fazendo, ao contrário, o esforço de «compreender-nos mutuamente e colaborar para o bem de todos».

Num mundo que se tornou uma “aldeia global” mas que não assimilou o “espírito da aldeia”, da qual uma caraterística é a fraternidade, as religiões têm a tarefa de indicar um caminho de paz. O crente, bradou o bispo de Roma diante dos irmãos cristãos de outras confissões, e líderes de fé muçulmana e de outras religiões, «é aquele que diz “não” à “blasfémia da guerra e ao uso da violência” e também se opõe “à corrida ao rearmamento, aos negócios da guerra, ao mercado da morte”.

Andrea Tornielli