Embora aqui no Awali, na sede do rei do Bahrein, estejamos longe do conflito sangrento que eclodiu no coração da Europa cristã, o Papa Francisco voltou a pedir o fim da guerra na Ucrânia. A ilha no Golfo está longe da Europa oriental, mas perto do Iémen, outro dos “pedaços” daquela única terceira guerra mundial da qual o sucessor de Pedro fala cada vez com mais frequência, e com crescente preocupação.
Em primeiro lugar, há uma constatação que se impõe: após duas tremendas guerras mundiais, após a guerra fria «que durante décadas mantiveram o mundo sem respiro, no meio a tantos conflitos desastrosos em todas as partes do globo, no meio a tons de acusação, ameaças e condenação, ainda nos encontramos à beira de um equilíbrio frágil e não queremos afundar». À beira do abismo... Uma imagem plástica da absoluta precariedade em que toda a humanidade se encontra hoje face ao risco de um conflito nuclear com consequências incalculáveis.
Francisco sublinha um contraste, aliás um verdadeiro paradoxo: por um lado, há a maioria da população mundial afligida pela fome, injustiça, crises ecológicas e pandemias. Por outro, há um punhado de “poucos poderosos”, que brincam com o fogo, concentrando-se numa luta pelos próprios interesses, e exumam antigas linguagens “redesenhando zonas de influência e blocos opostos”. Décadas de diálogo e abertura, décadas de passos para a construção de relações internacionais já não se regem apenas pela lei dos mais fortes e por velhas alianças militares que agora parecem derreter e desaparecer como neve ao sol.
O Papa descreve o que está a acontecer como «um cenário dramaticamente infantil». Em vez de pensar no futuro da humanidade, há aqueles que «brincam com o fogo, com mísseis e bombas, com armas que causam o pranto e a morte». O choro e a morte são as tristes consequências, quando, em vez de diálogo e compreensão recíproca, se acentuam as oposições e se persiste em impor «os próprios modelos e visões despóticas, imperialistas, nacionalistas e populistas». A colonização económica e ideológica ou a nostalgia da grandeza imperialista minam a paz, a segurança de todos nós e o futuro do mundo. O convite que o Papa reitera do Bahrein é para que não fiquemos indiferentes. É o convite para ouvir «o grito do povo e a voz dos pobres», deixando de «distinguir de forma maniqueísta quem é bom e quem é mau» e fazendo, ao contrário, o esforço de «compreender-nos mutuamente e colaborar para o bem de todos».
Num mundo que se tornou uma “aldeia global” mas que não assimilou o “espírito da aldeia”, da qual uma caraterística é a fraternidade, as religiões têm a tarefa de indicar um caminho de paz. O crente, bradou o bispo de Roma diante dos irmãos cristãos de outras confissões, e líderes de fé muçulmana e de outras religiões, «é aquele que diz “não” à “blasfémia da guerra e ao uso da violência” e também se opõe “à corrida ao rearmamento, aos negócios da guerra, ao mercado da morte”.
Andrea Tornielli