Encontro do Papa com os presbíteros e seminaristas que estudam em Roma

A proximidade ao povo
é a grande força
da vida sacerdotal

 A proximidade ao povo  é a grande força da vida sacerdotal  POR-044
03 novembro 2022

A 24 de outubro, na Sala Paulo vi , o Papa Francisco encontrou-se com sacerdotes e seminaristas que estudam em Roma e, respondendo às perguntas formuladas pelos participantes, abordou numerosos temas, entre os quais o estilo compassivo dos presbíteros, chamados a estar próximos do povo e a não ser arrivistas, a direção espiritual, o uso das novas tecnologias, o discernimento, o diálogo entre ciência e fé, o papel da Igreja nas guerras. A seguir, uma síntese da longa conversa.

O bom sacerdote e o estilo de Deus


À pergunta sobre a concretude da misericórdia, o Papa respondeu que é necessário aprender a linguagem dos gestos que expressam proximidade e ternura. E isto também se aplica nas homilias: «deixai que a expressão seja total». «Se não fores humano com gestos, a mente também endurece e no sermão dirás coisas abstratas que ninguém entende, e alguém será tentado a sair para fumar um cigarro». Francisco falou de três linguagens que revelam «a maturidade de uma pessoa: a linguagem da cabeça, a linguagem do coração e a linguagem das mãos» e encorajou a aprender a se expressar «nestas três linguagens: pensar o que sinto e faço; sentir o que penso e faço; fazer o que sinto e penso». E também é preciso assumir o estilo de Deus, que é a proximidade. Deus «tornou-se próximo na encarnação de Cristo. Ele está perto de nós». «Um bom sacerdote é um próximo compassivo e terno», esclareceu Francisco, reiterando que o estilo de Deus «é sempre proximidade, compaixão e ternura. Estai próximos com paixão e ternura».

Manter o contacto com o povo de Deus


Aos que lhe perguntaram como viver o sacerdócio sem perder aquele cheiro de ovelhas que deve ser próprio do ministério sacerdotal, Francisco respondeu que, mesmo que se esteja empenhado nos estudos ou em trabalhos na Cúria «é importante manter o contacto com o povo, com o povo fiel de Deus, porque há a unção do povo de Deus: são as ovelhas». Perdendo o cheiro das ovelhas, ao se distanciar delas, pode-se tornar «um teórico, um bom teólogo, um bom filósofo, um bom curial que sabe fazer todas as coisas», mas perde-se «a capacidade de sentir o cheiro das ovelhas». Pelo contrário, «a sua alma perdeu a capacidade de se deixar despertar pelo cheiro das ovelhas», observou o Papa, que recomendou manter experiências pastorais «numa paróquia, num lar de crianças e jovens, ou idosos: seja o que for», para que o contacto com o povo de Deus não se perca. E Francisco reiterou também o que ele define o princípio das quatro proximidades dos sacerdotes: proximidade com Deus — oração — proximidade com o bispo, proximidade com outros sacerdotes e proximidade com o povo de Deus: «Se não houver proximidade ao povo de Deus, não serás um bom sacerdote».

Sacerdócio não é comodismo nem carreirismo


O Papa falou também de presbíteros que vivem o sacerdócio como se fosse um trabalho, com horários estabelecidos, sacerdotes funcionários, que buscam tranquilidade — não perturbar o padre, o padre está ocupado — e uma vida confortável; ou seja, comodismo. «O sacerdócio é um serviço sagrado a Deus», explicou Francisco, «o serviço do qual a Eucaristia é o aspeto mais elevado, é um serviço à comunidade». Em seguida, abordou o tema dos «sacerdotes arrivistas», aqueles que visam fazer carreira, convidando-os a evitar isto: «O arrivista é, em última análise, um traidor, não é um servidor. Ele busca o que lhe interessa e não faz nada pelos outros». Em seguida, contou uma história sobre a sua avó, imigrante italiana na Argentina — como tantos outros italianos que se mudaram para as Américas a fim de construir casa e família — que gostava de dar ensinamentos simples, como a “catequese” normal. «A nossa avó costumava nos ensinar: “Deveis progredir na vida”, isto é, conseguir depressa tijolos, a terra, a casa, progredir, ou seja, ter uma posição, uma família, ela ensinava-nos isto. Mas cuidado para não confundir o progredir com o arrivismo, porque o arrivista é alguém que sobe, sobe, sobe e quando está no alto mostra isto... Mostra-te, o arrivista é assim, mostra-te onde chegou. Os arrivistas são ridículos». Por outro lado, o importante para um sacerdote é a comunhão, a participação e a missão, servir os outros, «o perigo de buscar o próprio prazer e a própria tranquilidade, é o perigo de arrivismo, e infelizmente na vida há muitos carreiristas».

Acompanhamento espiritual


No longo e aberto colóquio realizado na Sala Paulo vi , Francisco também enfatizou a importância da direção espiritual — confidenciando, porém, que ele preferia o termo “acompanhamento espiritual” — que não é obrigatório, mas ajuda no caminho da vida e é bom confiá-lo a uma pessoa que não seja o confessor. O Papa frisou é importante que se trate de dois papéis distintos. «Vais ao confessor para que ele te perdoe os pecados e para te preparar para os pecados. Vais ao diretor espiritual para lhe contar o que acontece no teu coração, as emoções espirituais, as alegrias, as raivas e o que acontece dentro de ti». O Pontífice explicou que se relacionando «apenas com o confessor e não com o diretor espiritual», não se cresce, se nos relacionarmos «apenas com um diretor espiritual, um companheiro» e não confessarmos os nossos pecados «também não dá certo, são dois papéis diferentes». Em seguida, esclareceu que a direção espiritual não é um carisma clerical, um carisma sacerdotal, mas um carisma batismal, e que «os sacerdotes que fazem a direção espiritual têm o carisma não porque são sacerdotes», mas «porque são batizados».  «A pessoa que não é acompanhada na vida — continuou Francisco — gera “mofos” na alma, que mais tarde a molestam». Doenças, solidão triste, tantas coisas negativas. Ao contrário, é importante ser acompanhado, reconhecer que há necessidade de ser acompanhado, «esclarecer as dúvidas», reconhecer que há necessidade de alguém que ajude a compreender as próprias emoções espirituais, «o que o Senhor quer, onde está a tentação». «Encontrei alguns estudantes de teologia que não sabiam distinguir uma graça de uma tentação», relatou o Pontífice, lembrando que o acompanhamento espiritual pode ser feito por um presbítero, um bispo, mas também por uma religiosa ou até por um leigo ou uma leiga desde que sejam pessoas sensatas.

Diálogo entre ciência e fé: não há respostas para todas as perguntas


Partindo de uma pergunta sobre o diálogo entre ciência e fé, o Papa convidou antes de tudo a estar abertos às questões dos estudiosos e às ansiedades das pessoas ou dos estudantes universitários, a escutar e a manter sempre uma atitude positiva, aberta e humilde: «Ser humilde, ter fé não é ter a resposta para tudo». Esse método de defesa da fé já não funciona, é um método anacrónico. Ter fé, ter a graça de acreditar em Jesus Cristo é estar a caminho». E é isso que o outro deve entender: que estamos a caminho, que não há «todas as respostas para todas as perguntas». Voltando ao passado, Francisco recordou que houve uma época que estava na moda «uma teologia de defesa e havia livros com perguntas para se defender. Quando eu era menino, esse era o método de se defender», disse, «eram respostas, algumas boas, outras limitadas, mas não são boas para o diálogo. Como se dar uma resposta decretasse uma vitória. Não, não é assim», enfatizou o Pontífice, que também recomendou manter sempre aberto o diálogo com a ciência, mesmo não obtendo respostas, e direcionar a pessoa a quem não soubeste responder para alguém que possa oferecer mais esclarecimentos. Diálogo é dizer: «Isso eu não sei explicar, mas deves procurar este cientista, esta pessoa que talvez te ajude». Por outro lado, devemos «fugir da contraposição religião e ciência», insistiu o Papa, «porque este é um espírito negativo, não é o verdadeiro espírito do progresso humano. O progresso humano fará a ciência avançar e também preservará a fé».

A vida, caminhar entre muitas dificuldades, cair e levantar-se


Respondendo a outra pergunta, o Pontífice descreveu a vida como «um desequilíbrio contínuo», pois é caminhar entre muitas dificuldades, caindo e erguendo-se, e encorajou a não ter medo e a fazer um discernimento neste desequilíbrio diário, porque «no desequilíbrio há as moções de Deus que convidam a algo, ao desejo de fazer o bem». «Saber viver no desequilíbrio leva a um equilíbrio diferente, um equilíbrio dinâmico governado por Deus», salientou Francisco, que também refletiu sobre esses conceitos falando do discernimento correto. «O discernimento é sempre desequilibrado», disse, esclarecendo que «o discernimento correto é procurar como este desequilíbrio encontra o caminho de Deus — não encontra “equilíbrio”». Talvez, o desequilíbrio seja «resolvido num plano superior, não neste. E esta é uma graça da oração, uma graça da experiência espiritual. É a busca de fazer a vontade de Deus, que leva a resolver o desequilíbrio, mas noutro nível». Na prática, o Papa acrescentou, «o desequilíbrio entra em oração, entra no caminho do Espírito Santo que leva a uma nova situação harmoniosa». Em seguida, o Pontífice reiterou a importância da formação dos seminaristas, especialmente espiritual, e recomendou a vida comunitária, «aprendendo a viver em comunidade e a não cair em críticas uns contra os outros, nos partidos dentro do presbitério».

Os perigos da Internet


Durante o encontro com os sacerdotes e os seminaristas que estudam na capital, o Papa também falou sobre sua relação com a tecnologia e seu desconforto com os modernos instrumentos digitais. Ele contou que logo que foi ordenado bispo na Argentina recebeu de presente um telemóvel, e que usou para uma única chamada telefónica para a sua irmã e imediatamente o devolveu. «Não é o meu mundo, mas vós deveis usá-lo — disse aos presentes — com prudência». Francisco enfatizou os perigos da internet, como a pornografia digital, que infelizmente é uma tentação para muitos, incluindo os religiosos: «É algo que enfraquece a alma. O diabo entra por ali: enfraquece o coração sacerdotal».

A Igreja diante da guerra


No final, respondendo a um sacerdote ucraniano, o Papa disse que a Igreja, como mãe, sofre diante dos conflitos, «pois as guerras são a destruição dos filhos: Deve sofrer, chorar, rezar. Deve ajudar as pessoas que foram atingidas, que perderam as suas casas ou ficaram feridas pela guerra, mortes... A Igreja é mãe, e o papel antes de tudo é a proximidade com as pessoas que sofrem». Então Francisco acrescentou que a Igreja «é também uma mãe criativa da paz: procura fazer a paz em certos momentos... Neste caso, não é muito fácil».  Mas a Igreja tem um coração aberto. E falando do papel dos cristãos, acrescentou: «É verdade que existe a própria pátria e isto é verdade, devemos defendê-la — observou o Papa — mas deve ir além, muito além disto: um amor mais universal». Portanto, «a Igreja Mãe deve estar perto de todos, de todas as vítimas». Uma atitude cristã é «rezar pelo pecado dos agressores, por aquele que vem para arruinar a minha pátria, para matar a minha família». Dirigindo-se depois diretamente ao jovem sacerdote que lhe havia feito a pergunta, o Pontífice continuou: «Sofreis muito, o vosso povo, eu sei, estou próximo de vós. Mas rezai pelos agressores, pois eles são vítimas como vós. Não se pode ver as feridas nas suas almas, mas rezai, rezai para que o Senhor os converta e para que chegue a paz».