O Papa recordou que a pobreza não se combate com assistencialismo mas com trabalho digno

Lutar contra a especulação que alimenta
ventos de guerra

 Lutar contra a especulação  que alimenta ventos de guerra  POR-041
13 outubro 2022

O convite a «lutar contra os males da especulação atual que alimenta ventos de guerra» foi dirigido pelo Papa aos participantes no Congresso da fundação Centesimus annus — pro Pontifice, recebidos em audiência na manhã de 8 de outubro, na sala Clementina.

Estimados irmãos e irmãs
bom dia e bem-vindos!

Agradeço-lhe as palavras de introdução. E agradeço a todos vós o trabalho que levais a cabo. Considero muito importante a vossa contribuição a propósito da doutrina social da Igreja, em primeiro lugar a nível de receção, pois contribuís para a dar a conhecer e para a fazer compreender; mas diria também no plano do aprofundamento, porque a ledes “a partir de dentro” do complexo mundo económico e social, e, portanto, podeis confrontar continuamente esta doutrina com a realidade, uma realidade sempre em movimento, que muda constantemente.

O tema do vosso Congresso destes dias foi: “Crescimento inclusivo para erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável para a paz”. Parece-me que a expressão-chave é a inicial: “crescimento inclusivo”. Faz pensar na Populorum progressio, de São Paulo vi , onde afirma: «O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser desenvolvimento autêntico, deve ser integral, o que significa que visa a promoção de todo o homem e do homem todo» (n. 14). Portanto, o desenvolvimento ou é inclusivo ou não é desenvolvimento. Eis, pois, em que consiste a nossa tarefa, particularmente a vossa como fiéis leigos: fazer “levedar” a realidade da economia em sentido ético, o crescimento no sentido do desenvolvimento. E procurais fazê-lo a partir da visão do Evangelho, pois tudo nasce do modo como se considera a realidade.

Num seu romance, um narrador americano contemporâneo fala do tempo que precede a queda da bolsa de valores, escrevendo: «Nos vários Estados, a depressão já se fazia sentir, e os agricultores e camponeses um pouco em toda a parte estavam alarmados. Encontrávamos muitas pessoas desesperadas nas ruas, e o mestre Yehudi ensinou-me a nunca olhar para ninguém de cima para baixo» (Paul Auster, Mr. Vertigo, Turim 2015, 126).

Tudo nasce do modo como se olha, e de onde se olha. Só se pode olhar para o outro de cima para baixo numa situação: para o ajudar a erguer-se. Nada mais. Este é o único momento lícito para olhar de cima para baixo. O olhar de Jesus sabia ver nos pobres que punham dois tostões na caixa de ofertas no Templo, um gesto de dom total (cf. Mc 12, 41-44). O olhar de Jesus partia da misericórdia e da compaixão pelos pobres e excluídos. De onde parte o meu olhar? Uma pergunta que nos ajudará sempre.

O crescimento inclusivo encontra o seu ponto de partida num olhar não fechado em si próprio, livre da busca da maximização do lucro. A pobreza não se combate com o assistencialismo, não, assim só se a “anestesia”, mas não a combatemos. Como eu já dizia na Laudato si’, «ajudar os pobres com dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar as emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser o de lhes permitir levar uma vida digna mediante o trabalho» (n. 128). A porta é o trabalho: a porta da dignidade de um homem é o trabalho!

Sem o compromisso de todos para fazer crescer políticas de trabalho a favor dos mais frágeis, fomenta-se uma cultura mundial do descarte. Procurei explicar esta convicção também no primeiro capítulo da Encíclica Fratelli tutti onde, entre outras coisas, se recorda que «aumentou a riqueza, mas sem equidade, e assim acontece que nascem novas formas de pobreza» (n. 21). Aumenta a riqueza e nascem novas pobrezas.

Eis por que o futuro exige um novo olhar, e cada um à sua maneira é chamado a ser promotor deste modo diferente de olhar para o mundo, a partir das pessoas e situações que experimentam da vida diária. O mestre, no romance que citei, ensina o seu aluno a «nunca olhar para ninguém de cima para baixo»; acho que esta pode ser uma boa indicação para todos. Somos todos irmãos e irmãs, e se eu for o proprietário de uma empresa, isto não me autoriza a desprezar os meus empregados com altivez. Se eu for o diretor executivo de um banco, não posso esquecer que cada pessoa deve ser tratada com respeito e atenção.

A Fundação Centesimus Annus pode declinar as importantes reflexões destes dias, através da conversão do olhar de cada um. O olhar humilde de quem vê em cada homem e mulher que encontra um irmão e uma irmã a respeitar na sua dignidade, antes do que, eventualmente, um cliente com o qual fazer negócios. É um irmão, uma irmã, uma pessoa; pode ser um cliente. Somente com este olhar poderemos lutar contra os males da especulação atual que alimenta ventos de guerra. Nunca olhar para o outro de cima para baixo, eis o estilo de cada pacificador. Só é lícito fazê-lo para o ajudar a erguer-se.

Caros amigos, obrigado por terdes vindo, e sobretudo pelo esforço que cada um de vós faz, onde vive e trabalha, a fim de promover um crescimento inclusivo e, de modo geral, o conhecimento da doutrina social da Igreja. Abençoo de coração todos vós e as vossas famílias. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!