«Alegria. Pensar positivo. Resiliência. Generosidade. São estas as qualidades de Nápoles que mais admiro. Juntamente com a capacidade de ver realmente os pobres, de os fitar nos olhos, e de não ficar indiferente. Penso que há muitas coisas a aprender com os napolitanos», afirmou o Papa Francisco numa entrevista publicada por “Il Mattino” — na edição de domingo 18 de setembro — por ocasião dos 130 anos do jornal napolitano.
Entre os temas tratados — em resposta às perguntas do editor Francesco de Coro e de Angelo Scelzo, ex-vice-diretor de “L’Osservatore Romano” e da Sala de imprensa da Santa Sé — a guerra na Ucrânia, as dificuldades do Sul do mundo, a política como forma elevada de caridade, o flagelo do crime organizado, o trabalho e o risco de resignação, até à devastação do meio ambiente, com particular referência à “Terra dei fuochi” e às recentes inundações na região das Marcas.
«Estive em Nápoles. De alguma forma faz-me lembrar Buenos Aires. Porque me fala do Sul. E eu sou realmente do Sul», disse o Pontífice, recordando em particular a experiência que o Mediterrâneo sugere hoje: «Vi com os meus olhos os olhos dos migrantes. Vi o medo e a esperança, as lágrimas e os sorrisos cheios de expetativas, demasiadas vezes traídas». E «o futuro de todos só será sereno se for reconciliado com os mais frágeis. Pois quando os pobres são rejeitados, rejeita-se Deus que está neles, e rejeita-se a paz. Por isso — continuou — advirto sempre contra aqueles que tecem o mundo do medo, da desconfiança, de muros e guerras, em vez de confiança, entrega, pontes e paz. É fácil assustar a opinião pública instilando o medo do outro. É mais difícil falar de encontro com o outro, denunciar a exploração dos pobres, guerras muitas vezes largamente financiadas, acordos económicos feitos na pele das pessoas, e manobras ocultas para traficar armas e fazer proliferar o comércio das mesmas. Mas é isto que somos chamados a dizer como cristãos: raciocinar com um esquema de paz e não de guerra, de amor e não de ódio; inclusive nos momentos que nos parecem mais sombrios».
«Esquemas de paz» que hoje são medidos pela guerra na Ucrânia, insistiu o Papa. «São necessárias medidas concretas para pôr fim à loucura da guerra na Ucrânia e às muitas outras guerras em curso no mundo», afirmou. «Precisamos — acrescentou — de criatividade na construção da paz, não de visões ideológicas bloqueadas. Precisamos de soluções globais, precisamos de lançar as bases para um diálogo cada vez mais alargado, para nos voltar a reunir em conferências internacionais pela paz, onde a questão do desarmamento seja central. Temos de olhar para as gerações vindouras. Os fundos que continuam a ser destinados ao armamento deveriam ser convertidos para o desenvolvimento, a saúde e a alimentação, a educação e a conversão ecológica».
Referindo-se então à «incapacidade de pensar no bem comum», Francisco convidou, olhando precisamente para Nápoles, a confiar na «extraordinária capacidade criativa» do povo. E com este espírito «é tempo de restabelecer o rumo. Nápoles é, de certa forma, um paradigma da questão meridional na Itália. Mas a questão do Sul é universal. Refere-se à desigualdade. A questão meridional é universal, diz respeito ao futuro do mundo inteiro».
O Papa afirmou claramente que «o crime organizado é uma chaga. Diz respeito a todos. Ao Norte e ao Sul do mundo». E, acrescentou, denunciando a questão das chamadas “baby-gangs” envolvidas nas violências, «para mim a verdadeira face de Nápoles é outra. É a das pessoas boas, acolhedoras, generosas, hospitaleiras, criativas no bem». Salientando além disso que «o drama da “Terra dei fuochi” está ligado aos muitos dramas de que a terra sofre».
Por fim, respondendo a uma pergunta sobre as próximas eleições na Itália, o Papa recordou que «para a Igreja, a política é a forma mais elevada de caridade. A Igreja não está distante da política. Está distante de uma política verborrágica entendida apenas como propaganda, ou jogo de poder. Ao contrário, está perto dos problemas do povo. E pensa que a tarefa da política é trabalhar em conjunto para encontrar soluções para estes problemas. Para a Igreja, a política é sobretudo arte do encontro, é um serviço ao bem comum, à dignidade de cada pessoa, à vida de cada pessoa. A Igreja disse e repete — concluiu — quais são as coisas que contam. Acabei de as dizer também eu. Isto não é silêncio».