Ninguém soube servir a Igreja como São Bernardo de Claraval

Um exemplo para os nossos dias

 Um exemplo para os nossos dias  POR-034
23 agosto 2022

Vivemos em um tempo cheio de contradições. Ao mesmo tempo em que existe uma busca desenfreada pelo poder em muitos setores da sociedade, o mundo se defronta com um grave problema que é a escassez de verdadeiros líderes. O líder se caracteriza pelo exemplo capaz de atrair adesões, pelo espírito de serviço que sobrepõe o bem da comunidade aos interesses individuais e pela abertura ao diálogo que leva ao consenso. Soube servir a Igreja como ninguém em meio a heresias e divisões.

Podemos identificar tais características em São Bernardo de Claraval, e ainda ressaltar outras qualidades que reconhecemos nesse ilustre personagem da Idade Média que marcou minha vida de jovem monge. Por isso, revisitar sua memória é uma experiência enriquecedora para nós, pois ele tem muito a nos ensinar. São inúmeras as biografias escritas sobre ele, mas aqui limito-me a destacar alguns pontos essenciais da sua personalidade e missão que podem responder às carências do mundo de hoje. Uma delas é o entusiasmo pelo ideal — basta recordar o número de candidatos que ele levou consigo quando entrou no Mosteiro, ou ainda seu discurso aos jovens universitários em Paris.

São Bernardo foi um homem do seu tempo, que soube integrar os vários aspectos e ambientes de sua vida, desde o convívio familiar à vivência monástica, envolvendo também a preocupação com muitas e graves questões da Santa Sé e da Igreja na época, seja no combate a heresias como na contestação ao excessivo envolvimento com o mundo secular. Em todas as situações fazia prevalecer o que havia de bom em cada uma delas, conservando a originalidade de seu pensamento e da sua intimidade com Deus, que o tornaram capaz de promover mudanças, quando necessárias. Graças à sua análise perspicaz da realidade, tornou-se também conselheiro de príncipes e bispos contemporâneos dele. Eis outro sinal muito importante: sendo homem do seu tempo serviu à igreja com renovado ardor em todos os âmbitos. É como nós o definimos na Ordem: “sentir com a Igreja”; Isso marcou minha vida para sempre.

A vida familiar de Bernardo foi rica de contrastes. Seus parentes prezavam os ideais da cavalaria medieval, predominantes na época, mas ele também recebeu da proximidade com a mãe o gosto pelo estudo e pela meditação. Surge aí a sua vocação para o monacato. Após o falecimento da querida mãe, ele volta seu afeto para a Virgem Maria, sobre a qual escreveu belíssimos poemas. A devoção a Maria foi outra marca. Diante de tantas situações gosto de recordar quando das tempestades da vida: “olha para a estrela, invoca Maria”!

A maneira própria de São Bernardo purificar a Igreja na sua época tem muito a ver com a personalidade atraente que possuía, e seu incrível poder de persuasão. Depois de assumir a vocação monástica, ele acaba se integrando ao novo mosteiro, fundado por Roberto de Molesmes, Alberico e Estêvão Harding que tem o nome de Citêaux (Cister), onde foi acolhido juntamente com vários parentes e amigos, que posteriormente o acompanharam na fundação do Mosteiro de Claraval. Tornou-se o maior responsável pela difusão da Ordem de Cister. Escolheu um mosteiro pobre e soube como ninguém viver e contagiar com os grandes ideais monásticos. Basta ver a sua atuação em Claraval. Grande homens com grandes ideias contagiam muitos. O sermão sobre o Cântico dos Cânticos demonstra toda a sua paixão pela vida em Cristo na escondimento monástico.

A grande busca de São Bernardo foi amar e servir o Senhor. Assim, o silêncio e a contemplação, que o levavam a uma íntima comunhão de amor com Ele, eram perfeitamente integrados com a atividade apostólica, e até mesmo a fecundavam. Falando sobre o grande santo, o Papa Bento afirma: “O seu exemplo e os seus ensinamentos revelam-se úteis como nunca neste nosso tempo.[...] São Bernardo, que soube harmonizar a aspiração do monge com a solidão, a tranquilidade do claustro e a urgência de missões importantes e complexas ao serviço da Igreja, nos ajude a concretizá-las na nossa existência.” (Angelus de 20.8.2006). Eis o segredo: a vida mística, a vida de oração foi a mola propulsora de sua atividade. Soube unir a atividade intensa e a oração junto com a penitência. Como vejo um grande exemplo para nós hoje.

*Cardeal arcebispo metropolitano
de São Sebastião do Rio de Janeiro, O. Cist.

Orani João Tempesta*