Vulnerabilidade como missionária

 Vulnerabilidade como missionária  POR-029
19 julho 2022

Avulnerabilidade é uma qualidade fundamental de qualquer missão cristã autêntica, porque somos chamadas a seguir Cristo que, «sendo de condição divina não reivindicou o direito de ser equiparado a Deus. Mas despojou-se a si mesmo, tomando a condição de servo...» (Fl 2, 6-8). A Kenosis de Cristo faz da vulnerabilidade um modo de ser missionário e um importante meio para a missão...

O apelo do Papa Francisco ao Processo sinodal é, em última análise, um apelo renovado à missão, mas não da posição de poder e autoridade até então mantida…. Isso não pode ser alcançado sem aceitar e abraçar a nossa vulnerabilidade. Para nós como missionários, a vulnerabilidade é uma vantagem para a missão, e não um fardo; porque nos permite entrar mais profundamente na realidade humana através da nossa própria participação no que é fraco, oprimido e pobre. Quando abraçamos a nossa própria vulnerabilidade, aproximamo-nos das pessoas que precisam de luz e libertação.

A África é, às vezes, chamada o “jardim da Igreja no século xx ”, devido ao fascinante crescimento da Igreja no continente africano nos séculos xix e xx... De cerca de 4 milhões de cristãos professos em 1900, o cristianismo africano cresceu para mais de 300 milhões de adeptos no ano 2000.

Uma das implicações disso é que não há mais exclusivamente países que enviam para missões ou exclusivamente países que recebem missões... Esta mudança afeta a dinâmica do poder... A geografia da missão mudou! Graças a Deus, a missão cristã está agora separada do seu vínculo histórico com a colonização e a ocidentalização...

Muitas vezes me perguntaram por que os africanos se incomodariam em sair do seu continente como missionários com a miríade de problemas que temos. Respondo que a chamada à missão não é uma rivalidade de autossuficiência, à qual só podem responder aqueles que são fortes e não têm problemas. Essa tendência excludente é problemática porque associa missão com poder, influência política, riqueza material, colonização e dominação. Como missionária africana vejo-me chamada a mudar essa narrativa, trazer novidade, simplicidade e energia despojada de poderes económicos e políticos...

Embora a vulnerabilidade seja vital para a missão, não é fácil. Os missionários que conheci na infância não eram considerados homens e mulheres vulneráveis. A minha vocação missionária foi inspirada pelas missionárias irlandesas que na minha terra natal, pioneiras nas iniciativas de educação, saúde, pastoral e fronteiras sociais, eram amadas e muito respeitadas. No entanto, a minha noção de ser aquela missionária heroica admirada por todos, de repente caiu!

Quando saí da África em 1994, percebi que não fui recebida como missionária; ao contrário, eu era considerada uma trabalhadora migrante que tinha vindo em busca de uma vida melhor. O meu desejo de doação total foi abalado quando muitas vezes fui atingida pelo facto de que se considera que uma pessoa africana tem pouco a oferecer. Percebi que para muitos fora da África, o continente só estava associado à pobreza, guerra, violência, desordem, vida primitiva, doenças, guerras étnicas, agitação política e corrupção. Embora essas realidades não possam ser negadas, a África também é uma terra de promessas, pela sua vida vibrante, resiliência, juventude, amor à comunidade, hospitalidade, generosidade e religiosidade.

Como missionária da África, aprendi a abraçar essa vulnerabilidade que os preconceitos me impõem, enquanto humildemente assumo a dignidade de mudar a narrativa. Somos todas vítimas da síndrome da história única, construída com base nos preconceitos dos outros sobre nós. Todos carregamos o fardo da nossa identidade e isto torna-se mais evidente quando saímos do nosso próprio meio, somos afetados pelo julgamento dos outros. A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie articulou lindamente: “Não é que a história única não seja verdadeira, mas não é a única história”...

Como missionários, somos chamados a construir a comunhão nesta diversidade abraçando a sua beleza e fragilidade. Ao concluir esta reflexão, desafio-me a mim mesma e a cada um de nós a abraçar a nossa vulnerabilidade. A minha vulnerabilidade como mulher dentro de uma sociedade e Igreja patriarcais, uma africana num mundo de disputas de poder global, uma religiosa num mundo de crescente indiferença e intolerância religiosa, uma missionária num mundo xenófobo e um apelo à periferia num mundo onde apenas o centro importa. Para mim isto significa abraçar a vulnerabilidade a partir de cima e a partir de baixo

(Este texto é uma sinopse de uma palestra dada pela irmã Anne Falola durante a plenária da uisg de 2022. A irmã Anne é uma religiosa missionária de Nossa Senhora dos Apóstolos ( ola ). Ela possui diplomas em Aconselhamento e Espiritualidade cristã. As suas áreas de atuação missionária incluem: ensino, trabalho pastoral e social, diálogo inter-religioso e animação missionária na Nigéria, na Argentina e no Reino Unido. Atualmente é conselheira-geral da sua gongregação e reside em Roma).

Anne Falola, ola