Francisco aos missionários combonianos do Coração de Jesus

O estilo da evangelização é o estilo das bem-aventuranças

 O estilo da evangelização é o estilo das bem-aventuranças  POR-027
05 julho 2022

«Jubiloso, manso, corajoso, paciente, cheio de misericórdia, faminto e sedento de justiça, pacífico»: o das bem-aventuranças foi o “estilo” para evangelizar que o Papa Francisco indicou aos participantes no capítulo geral dos missionários combonianos do Coração de Jesus, recebidos em audiência na manhã de 18 de junho, na Sala do Consistório.

Prezados irmãos
bom dia e bem-vindos!

Estou feliz por me encontrar convosco. Agradeço ao Superior-Geral as palavras que me dirigiu em nome de todos vós, que participais no 19º Capítulo Geral dos Missionários Combonianos do Coração de Jesus. Convidastes-me para ir à vossa casa celebrar a festa do Sagrado Coração na próxima sexta-feira. Agradeço-vos, estarei presente com a oração; mas já hoje vivemos este nosso encontro na perspetiva e no espírito do mistério do Coração de Cristo, ao qual está ligado o carisma de São Daniel Comboni.

Orientam-nos nesta direção também o tema e o lema do vosso Capítulo: “Eu sou a videira, vós, os ramos. Enraizados em Cristo com Comboni”. Efetivamente, a missão — a sua fonte, o seu dinamismo e os seus frutos — depende totalmente da união com Cristo e da força do Espírito Santo. Jesus disse-o claramente àqueles que tinha escolhido como “apóstolos”, ou seja, “enviados”: «Sem mim nada podeis fazer» (Jo 15, 5). Não disse: “pouco podeis fazer”, não, disse: “Nada podeis fazer”. Em que sentido? Podemos fazer muitas coisas: iniciativas, programas, campanhas... muitas coisas; mas se não estivermos n’Ele, e se o seu Espírito não passar através de nós, tudo o que fizermos nada é aos seus olhos, ou seja, nada vale para o Reino de Deus.

Ao contrário, se formos como ramos bem unidos à videira, a seiva do Espírito passa de Cristo para nós e tudo o que fizermos dá fruto, porque não é obra nossa, mas é o amor de Cristo que age através de nós. Este é o segredo da vida cristã, e em particular da missão, em toda a parte, tanto na Europa como na África e nos outros continentes. O missionário é o discípulo que está tão unido ao seu Mestre e Senhor, que as suas mãos, a sua mente e o seu coração são “canais” do amor de Cristo. O missionário é isto, não é alguém que faz proselitismo. Pois o “fruto” que Ele quer dos seus amigos não é senão o amor, o seu amor, que vem do Pai e que Ele nos doa com o Espírito Santo. É o Espírito de Cristo que nos leva em frente.

Eis por que alguns grandes missionários, como Daniel Comboni, mas também, por exemplo, Madre Cabrini, viveram a sua missão sentindo-se animados e “impelidos” pelo Coração de Cristo, ou seja, pelo amor de Cristo. E este “estímulo” permitiu-lhes sair e ir além: não só além dos limites e fronteiras geográficas, mas acima de tudo, além dos seus próprios limites pessoais. Este é um lema que deve “fazer barulho” no vosso coração: ir além, ir além, ir além, olhar sempre para o horizonte, porque há sempre um horizonte, para ir além. É o impulso do Espírito Santo que nos faz sair de nós mesmos, dos nossos fechamentos, da nossa autorreferencialidade, e que nos faz ir ao encontro dos outros, rumo às periferias, onde a sede do Evangelho é maior. É curioso que a pior tentação que nós, religiosos, temos na vida seja a autorreferencialidade; e isto impede-nos de ir além. “Mas para ir mais longe, devo pensar nisso, ver...”. Vai, vai, vai! Vai rumo ao horizonte, e que o Senhor te acompanhe. Mas quando começamos com esta psicologia, esta espiritualidade “do espelho”, deixamos de ir além e voltamos sempre ao nosso coração, que está doente. Todos nós temos um coração doente e é a graça de Deus que nos salva, mas sem a graça de Deus, kaputt, todos! Isto é importante: ir além com o Espírito!

O traço essencial do Coração de Cristo é a misericórdia, a compaixão, a ternura. Não podemos esquecer isto: já no Antigo Testamento, o estilo de Deus é este. Proximidade, compaixão e ternura. Não há organização, não; proximidade, compaixão e ternura. Então, penso que sois chamados a dar este testemunho do “estilo de Deus” — proximidade, compaixão e ternura — na vossa missão, onde estiverdes e onde o Espírito vos guiar. A misericórdia, a ternura, é uma linguagem universal, que não conhece fronteiras. Mas vós transmitis esta mensagem não tanto como missionários individuais, mas como comunidade, e isto requer que se cuide não só do estilo pessoal, mas também do estilo comunitário. Jesus disse aos seus amigos: “Pelo modo como vos amais, saberão que sois meus discípulos” (cf. Jo 13, 35), e os Atos dos Apóstolos confirmam-no, quando narram que a primeira comunidade de Jerusalém gozava da estima de todo o povo porque as pessoas viam como eles viviam (cf. 2, 47; 4, 33): no amor. E muitas vezes, digo-o com amargura — falo em geral, não de vós, porque não vos conheço — muitas vezes descobrimos que algumas comunidades religiosas são um verdadeiro inferno, um inferno de ciúmes, de lutas pelo poder... E onde está o amor? É curioso, estas comunidades religiosas têm regras, têm um sistema de vida... mas falta o amor. Há tanta inveja, ciúmes, luta pelo poder, e perdem o melhor, o testemunho do amor, que é o que atrai as pessoas: o amor entre nós, que não disparamos uns contra os outros, mas vamos sempre em frente.

Por isso, para que o estilo de vida da comunidade dê bom testemunho, são também importantes os quatro aspetos sobre os quais decidistes trabalhar no vosso Capítulo: a regra de vida, o caminho formativo, a ministerialidade e a comunhão de bens. O discernimento diz respeito à modalidade, ao modo como delinear e viver estes elementos, para que possam corresponder o mais possível às exigências da missão, ou seja, do testemunho. Isto é muito importante: faz parte da «inadiável renovação eclesial» em chave missionária a que toda a Igreja é chamada (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 27-33). Trata-se de uma conversão que começa pela consciência de cada um, envolve todas as comunidades e assim consegue renovar todo o instituto.

Faço questão de salientar que até aqui, até no compromisso sobre estes quatro aspetos — interligados entre eles — tudo deve ser feito na docilidade ao Espírito, para que as necessárias planificações, os projetos, as iniciativas, tudo corresponda às exigências da evangelização, e refiro-me também ao estilo da evangelização: que seja jubiloso, manso, corajoso, paciente, cheio de misericórdia, faminto e sedento de justiça, pacífico, em síntese: o estilo das bem-aventuranças. Isto conta. Também a regra de vida, a formação, os ministérios e a gestão dos bens devem delinear-se segundo este critério fundamental. «A comunidade evangelizadora experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor [...]. A comunidade evangelizadora dispõe-se a “acompanhar”. Acompanha a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam. Conhece as longas esperas e a resiliência apostólica. A evangelização patenteia muita paciência [...]. Cuida do trigo e não perde a paz por causa do joio. [...] O discípulo sabe oferecer a vida inteira e jogá-la ao ponto do martírio como testemunho de Jesus Cristo, mas o seu sonho não é estar cheio de inimigos, mas antes que a Palavra seja acolhida e manifeste a sua força libertadora e renovadora. Por fim, a comunidade evangelizadora jubilosa sabe sempre “festejar”. Celebra e festeja cada pequena vitória, cada passo em frente na evangelização» (Evangelii gaudium, 24).

Amados irmãos, quis recordar esta passagem da Evangelii gaudium, consciente de que a tendes bem presente, sobretudo pelo prazer de partilhar convosco a paixão pela evangelização. O Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos ampare. Boa continuação dos trabalhos capitulares. Abençoo-vos de coração, bem como todos os vossos irmãos. E peço-vos, por favor, que rezeis por mim. Obrigado!