Homilia durante a celebração eucarística para a comunidade congolesa na basílica de São Pedro

A paz começa quando se extinguem o ódio, a avidez e o rancor

 A paz começa quando  se extinguem o ódio, a avidez e o rancor  POR-027
05 julho 2022

Cânticos, alegria e as cores das vestes tradicionais caraterizaram a celebração eucarística da comunidade congolesa em Roma com o Papa Francisco. Ocorreu na manhã de domingo, 3 de julho, na basílica do Vaticano. Concelebraram com o Pontífice os arcebispos Paul Richard Gallagher, secretário para as Relações com os Estados, e Emery Kabongo Kanundowi, e Benoni Ambarus, bispo auxiliar de Roma com a responsabilidade da caridade e do cuidado pastoral dos migrantes, bem como numerosos sacerdotes congoleses.

B

obóto [Paz] R/ Bondéko [Fraternidade]

Bondéko [Fraternidade] R/ Esengo [Alegria]

Esengo, alegria: a Palavra de Deus que ouvimos enche-nos de alegria. Porquê, irmãos e irmãs? Porque, como diz Jesus no Evangelho, «o Reino de Deus está próximo» (Lc 10, 11). Está próximo: ainda não alcançado, parcialmente escondido, mas próximo de nós. E esta proximidade de Deus em Jesus, esta proximidade de Deus que é Jesus, constitui a fonte da nossa alegria: somos amados e nunca abandonados. Mas a alegria que brota da proximidade de Deus, enquanto dá paz, não deixa em paz. Dá paz e não nos deixa em paz, uma alegria especial. Provoca em nós uma mudança: enche de admiração, surpreende, transforma a vida. E o encontro com o Senhor é um começo constante, um contínuo dar um passo em frente. O Senhor transforma sempre a nossa vida. É o que acontece com os discípulos no Evangelho: para anunciar a proximidade de Deus, partem para longe, vão em missão. Porque quem recebe Jesus sente que deve imitá-lo, fazer como Ele fez, que deixou o céu para nos servir na terra, e sai de si mesmo. Portanto, se nos perguntarmos qual é a nossa tarefa no mundo, o que devemos fazer como Igreja na história, a resposta do Evangelho é clara: a missão. Ir em missão, levar o Anúncio, dar a saber que Jesus veio do Pai.

Como cristãos, não podemos contentar-nos levando a vida na mediocridade. Trata-se de uma doença; muitos cristãos, também todos nós, corremos o risco de levar a vida na mediocridade, fazendo as contas com as nossas oportunidades e conveniências, vivendo o dia a dia. Não, somos missionários de Jesus. Somos todos missionários de Jesus. Mas podes dizer: “Não sei como se faz, não sou capaz!”. O Evangelho surpreende-nos de novo, mostrando-nos o Senhor que envia os discípulos sem esperar que eles estejam prontos e bem treinados: não estavam com Ele há muito tempo, mas envia-os. Não tinham estudado teologia, mas envia-os. E também o modo de os enviar é cheio de surpresas. Assim, temos três surpresas, três coisas que nos surpreendem, três surpresas missionárias que Jesus reserva aos discípulos, reserva a cada um de nós, se o ouvirmos.

Primeira surpresa: o equipamento. Para enfrentar uma missão em lugares desconhecidos, é preciso levar várias coisas, certamente as essenciais. Contudo, Jesus não diz o que levar, mas o que não levar: «Não leveis bolsa, nem alforje, nem sandálias» (v. 4). Praticamente nada: sem bagagem, sem segurança, sem qualquer ajuda. Muitas vezes pensamos que as nossas iniciativas eclesiásticas não funcionam corretamente, porque nos faltam estruturas, porque nos falta dinheiro, meios: isto não é verdade. A negação vem do próprio Jesus. Irmãos, irmãs, não confiemos nas riquezas, não tenhamos medo da nossa pobreza material e humana. Quanto mais formos livres e simples, pequeninos e humildes, tanto mais o Espírito Santo guiará a missão e fará de nós protagonistas das suas maravilhas. Deixai espaço ao Espírito Santo!

Para Cristo, o equipamento fundamental é outro: o irmão. Isto é curioso. «Enviou-os dois a dois» (v. 1), lê-se o Evangelho. Não sozinhos, não por conta própria, sempre com o irmão ao lado. Nunca sem o irmão, porque não há missão sem comunhão. Não existe anúncio que funcione sem cuidar dos outros. Então, podemos perguntar-nos: eu, cristão, penso mais no que me falta para viver bem, ou penso em aproximar-me dos irmãos, em cuidar deles?

Vejamos a segunda surpresa da missão: a mensagem. É lógico pensar que, a fim de se preparar para o anúncio, os discípulos devem saber o que dizer, estudar o conteúdo em profundidade, preparar discursos convincentes e bem articulados. Isto é verdade. Também eu o faço. No entanto, Jesus só lhes deixa duas pequenas frases. A primeira até parece supérflua, dado que se trata de uma saudação: «Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: “Que a paz esteja nesta casa”» (v. 5). Ou seja, o Senhor prescreve que se apresentem, em qualquer lugar, como embaixadores de paz. O cristão leva sempre a paz. O cristão esforça-se para que a paz chegue àquele lugar. Eis o sinal distintivo: o cristão é portador de paz, porque Cristo é a paz. É assim que se reconhece se somos seus. Se, por outro lado, espalharmos mexericos e suspeitas, criarmos divisões, impedirmos a comunhão, colocarmos a nossa pertença à frente de tudo, não agiremos em nome de Jesus. Quem fomenta o rancor, incita ao ódio, ignora o próximo, não trabalha para Jesus, não leva a paz. Caros irmãos e irmãs, hoje rezemos pela paz e a reconciliação na vossa pátria, na República Democrática do Congo, tão ferida e explorada. Unamo-nos às Missas celebradas no país, segundo esta intenção, e oremos para que os cristãos sejam testemunhas de paz, capazes de superar todos os sentimentos de animosidade, todos os sentimentos de vingança, superar a tentação de que a reconciliação não é possível, qualquer apego malsão ao próprio grupo, que leva a desprezar os outros.

Irmão, irmã, a paz começa por nós; começa por mim e por ti, por cada um de nós, pelo coração de cada um de nós. Se viveres a sua paz, Jesus vem e a tua família, a tua sociedade, mudará. Mudarão se primeiro o teu coração não estiver em guerra, não estiver armado de ressentimento e raiva, não estiver dividido, não for ambíguo, não for falso. Pôr paz e ordem no coração, desativar a ganância, extinguir o ódio e o rancor, evitar a corrupção, evitar a trapaça e a astúcia: é aqui que começa a paz. Gostaríamos de encontrar sempre pessoas mansas, bondosas e pacíficas, a começar pelos nossos familiares e vizinhos. Mas Jesus diz: «Leva tu a paz à tua casa, começa por honrar a tua esposa e amá-la com o coração, respeitando e cuidando dos filhos, dos idosos e dos vizinhos. Irmão e irmã, por favor, vive em paz, acende a paz e a paz habitará na tua casa, na tua Igreja, no teu país».

Após a saudação de paz, o resto da mensagem confiada aos discípulos reduz-se às poucas palavras com que começamos e que Jesus repete duas vezes: «O reino de Deus está próximo! [...] O reino de Deus está próximo» (vv. 9.11). Anunciar a proximidade de Deus, que é o seu estilo; o estilo de Deus é claro: proximidade, compaixão e ternura. Este é o estilo de Deus. Anunciar a proximidade de Deus, isto é essencial. A esperança e a conversão vêm daqui: do acreditar que Deus está próximo e vela por nós: Ele é o Pai de todos nós e quer que todos nós sejamos irmãos e irmãs. Se vivermos sob este olhar, o mundo já não será um campo de batalha, mas um jardim de paz; a história não será uma corrida para chegar primeiro, mas uma peregrinação comum. Tudo isto — lembremo-nos bem — não requer grandes discursos, mas poucas palavras e muitos testemunhos. Então podemos perguntar-nos: quem quer que me encontre, vê em mim uma testemunha da paz e da proximidade de Deus, ou uma pessoa agitada, zangada, impaciente e beligerante? Mostro Jesus ou escondo-o nestas atitudes guerreiras?

Após o equipamento e a mensagem, a terceira surpresa da missão diz respeito ao nosso estilo. Jesus pede aos seus para irem pelo mundo «como cordeiros no meio de lobos» (v. 3). O bom senso do mundo diz o oposto: impõe-te, sobressai! Cristo, por outro lado, quer que sejamos cordeiros, não lobos. Isto não significa ser ingénuo — não, por favor! — mas para abominar qualquer instinto de supremacia e de domínio, de ganância e de posse. Quem vive como cordeiro não agride, não é voraz: permanece no rebanho, com os outros, e encontra segurança no seu Pastor, não na força nem na arrogância, não na ganância do dinheiro e dos bens, que causam muitos males também na República Democrática do Congo. O discípulo de Jesus rejeita a violência, não faz mal a ninguém — é pacífico — e ama todos. E se isso lhe parece uma derrota, olha para o seu Pastor, Jesus, o Cordeiro de Deus, que assim venceu o mundo, na cruz. Assim venceu o mundo. E eu — voltemos a perguntar — vivo como cordeiro, como Jesus, ou como lobo, como ensina o espírito do mundo, aquele espírito que promove a guerra? Aquele espírito que faz guerras, que destrói.

O Senhor nos ajude a ser missionários hoje, caminhando com o nosso irmão e irmã; tendo nos lábios a paz e a proximidade de Deus; levando no coração a mansidão e a bondade de Jesus, o Cordeiro que tira o pecado do mundo.

Moto azalí na matói ma koyóka [Quem tiver ouvidos para ouvir]

R/Ayóka [Ouça!].

Moto azalí na motéma mwa kondíma [Quem tiver um coração para consentir].

R/Andima [Consinta!].