O anúncio do Pontífice no discurso aos participantes no capítulo geral dos Missionários da África

O apóstolo não é um gerente

 O apóstolo não é um gerente  POR-025
21 junho 2022

Não um gerente, mas uma testemunha de oração e fraternidade: foi o perfil ideal do apóstolo traçado pelo Papa no discurso aos participantes no capítulo geral dos Missionários da África (Padres brancos), recebidos em audiência a 13 de junho, na Sala Clementina. Renovando a própria amargura — já expressa no Angelus no dia anterior — pelo adiamento da sua viagem à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul, o Pontífice anunciou que tenciona celebrar no dia 3 de julho, a missa em São Pedro com a comunidade congolesa em Roma, no dia em que o devia fazer em Kinshasa.

Estimados irmãos e irmãs
bom dia e bem-vindos!

Agradeço ao Superior-Geral as palavras com que introduziu o nosso encontro.

Infelizmente, com grande amargura, tive de adiar a minha viagem ao Congo e ao Sudão do Sul. De facto, com a minha idade não é tão fácil ir em missão! Mas as vossas orações e o vosso exemplo dão-me coragem, e estou confiante que poderei visitar estes povos, que trago no coração. No próximo domingo, procurarei celebrar a Missa com a comunidade congolesa romana. Não no próximo, mas no dia 3 de julho, dia que eu deveria celebrar em Kinshasa. Traremos Kinshasa a São Pedro, e ali celebraremos com todos os congoleses romanos, que são muitos!

Lembro-me da celebração do vosso 150º aniversário, que vivemos há três anos juntamente com as vossas irmãs Missionárias. Por favor, levai também a elas a minha saudação!

Para este Capítulo Geral, escolhestes trabalhar na missão como testemunho profético. Faremos uma breve reflexão sobre este assunto. Mas antes quero dizer-vos que fiquei muito satisfeito por saber que vivestes estes dias “com gratidão” e “com esperança”. Isto é bom. Olhar para o passado com gratidão é sinal de boa saúde espiritual; é a atitude “deuteronómica” que Deus ensinou ao seu povo (cf. Dt 8). Cultivar a grata memória do caminho que o Senhor nos fez realizar. É esta gratidão que alimenta a chama da esperança. Quem não souber como dar graças a Deus pelos dons que Ele semeou pelo caminho — embora cansativo e por vezes doloroso — não tem sequer um ânimo esperançoso, aberto às surpresas de Deus e confiante na Sua providência. Em particular, esta atitude espiritual é decisiva para que amadureçam os germes da vocação que o Senhor suscita com o seu Espírito e a sua Palavra. Uma comunidade na qual se sabe dizer “obrigado” a Deus e aos irmãos, e na qual se ajuda reciprocamente a ter esperança no Senhor Ressuscitado é uma comunidade que atrai e apoia aqueles que são chamados. Portanto, em frente assim: com gratidão e esperança.

Reflitamos agora sobre o tema da missão como testemunho profético. É aqui que a fidelidade às vossas raízes está em jogo, ao carisma que o Espírito confiou ao Cardeal Lavigerie. O mundo está a mudar, a África também muda, mas esse dom mantém a sua carga de significado e força. E conserva-a em vós na medida em que volta sempre a Cristo e ao Evangelho. Se o sal perde o sabor, para que serve? (cf. Mt 5, 13). O Padre-Geral recordou a exortação que o Fundador costumava repetir: “Sede apóstolos, nada mais que apóstolos!”. E o apóstolo de Jesus Cristo não é alguém que faz proselitismo. A proclamação do Evangelho não tem nada a ver com proselitismo. Se em qualquer momento algum de vós se encontrar a fazer proselitismo, por favor pare, converta-se, e depois continue. O anúncio é outra coisa. O apóstolo não é um gerente, não é um douto conferencista, não é um “mago” da informática, o apóstolo é testemunha. Isto é sempre válido e em todo o lugar na Igreja, mas é válido especialmente para aqueles que, como vós, são frequentemente chamados a viver a missão em contextos de primeira evangelização ou de religião islâmica prevalecente.

Testemunho significa essencialmente duas coisas: oração e fraternidade. Coração aberto a Deus e coração aberto aos irmãos e irmãs. Antes de mais, estar na presença de Deus, deixando-nos olhar por Ele, todos os dias, na adoração. Ali haurir a seiva, naquele “permanecer n’Ele”, em Cristo, que é a condição para ser apóstolos (cf. Jo 15, 1-9). É o paradoxo da missão: podeis ir apenas se permanecerdes. Se não fordes capazes de permanecer no Senhor, não podereis ir.

Recentemente, o testemunho de Charles de Foucauld foi proposto à veneração da Igreja universal: é certamente outro carisma, mas também tem muito a dizer-vos, como a todos os cristãos do nosso tempo. Ele, «a partir da sua intensa experiência de Deus, realizou um caminho de transformação até se sentir irmão de todos» (Enc. Fratelli tutti, 286). Oração e fraternidade: a Igreja deve regressar a este núcleo essencial, a esta simplicidade radiante, naturalmente não de uma maneira uniforme, mas na variedade dos seus carismas, dos seus ministérios, das suas instituições; mas tudo deve permitir que este núcleo original, que remonta ao Pentecostes e à primeira comunidade, descrita nos Atos dos Apóstolos (cf. 2, 42-47; 4, 32-35), resplandeça.

Estamos frequentemente inclinados a pensar na profecia como uma realidade individual — e esta é uma dimensão que permanece sempre verdadeira, seguindo o modelo dos profetas de Israel — mas a profecia é também e eu diria sobretudo comunitária: é a comunidade que dá testemunho profético. Penso nas vossas fraternidades, compostas por pessoas provenientes de tantos países, de culturas diferentes. Não é fácil, é um desafio que só se pode aceitar contando com a ajuda do Espírito Santo. E depois esta vossa pequena comunidade, que vive de oração e fraternidade, é chamada por sua vez a dialogar com o ambiente em que vive, com o povo, com a cultura local. Para estes contextos, onde frequentemente, além da pobreza, se experimenta insegurança e precariedade, sois enviados para viver a doce alegria de evangelizar. Esta palavra é usada por São Paulo vi na Evangelii nuntiandi. Evangelizar é a missão da Igreja, evangelizar é a alegria da Igreja. A propósito: lede a Evangelii nuntiandi, que ainda hoje está em vigor, e dar-vos-á muitos, muitos pontos de reflexão e de missão. Juntamente convosco, dou graças ao Senhor por este grande dom da evangelização.

Nossa Senhora, nossa Senhora da África, vos acompanhe e vos proteja. Rezo por vós, concedo-vos a minha bênção; levai-a também aos irmãos e aos fiéis das vossas comunidades. E por favor não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!