Entrevista à presidente da União mundial das organizações femininas católicas após a audiência com o Papa

“Trouxemos-lhe a voz das invisíveis”

 “Trouxemos-lhe a voz das invisíveis”  POR-024
14 junho 2022

María Lía Zervino, presidente da União mundial das organizações femininas católicas, descreveu o encontro do Conselho executivo do organismo com Francisco, apresentando o relatório do Observatório mundial das mulheres: “O Santo Padre disse que se encontrará com todos os nossos membros em maio de 2023, antes da Assembleia geral de Assis”.

Foi uma audiência cheia de afeto, de presentes e de piadas (como à tesoureira: “Ah, é ela que tem o poder!”), mas também de indicações claras para o futuro e o presente das mulheres na Igreja e de agradecimento pelo trabalho feito a favor das “invisíveis” dos cinco continentes. O Papa Francisco recebeu o Conselho executivo da União mundial das Organizações femininas católicas ( Umofc ), que no ano passado instituiu um Observatório mundial e elaborou um relatório sobre “O impacto da Covid-19 sobre as mulheres da América Latina e do Caribe”.

Os resultados do relatório foram entregues nas mãos do Papa. A 14 de junho serão apresentados num encontro em Roma com o cardeal Marc Ouellet, presidente da cal (Comissão para a América Latina). Francisco encorajou a dar continuidade a este trabalho, agora iniciado para o continente africano, e prometeu que em maio de 2023, na véspera da Assembleia geral da Umofc em Assis, receberá todos os membros da organização. “Roma será invadida por mulheres do mundo inteiro”, disse a argentina María Lía Zervino, presidente-geral da União, ao Vatican News.

María Lía, como foi a audiência com o Papa?

Maravilhosa! Mulheres de todos os continentes com o Santo Padre. Agradecemos-lhe porque fez muito pelas mulheres durante o seu pontificado, particularmente com a reforma da Cúria na Praedicate Evangelium, e assim agora as mulheres poderão também ser chefes de Dicastério. O discurso teológico sobre o princípio ministerial e o princípio mariano foi muito bom. Disse: é verdade, para o papel das mulheres deve ser utilizado o princípio petrino, que é hierárquico, mas o princípio mariano é mais importante, pois a Igreja é mulher. É mãe. É “a” Igreja, não “o” Igreja.

Está satisfeita com esta resposta? Muitas organizações femininas católicas exigem, ao contrário, um reconhecimento ministerial...

Estamos cientes disto, mas a Umofc , como associação pública de fiéis, tem o coração e a mente em comunhão com o magistério. Desde o início sabíamos que dificilmente haveria uma abertura sobre o sacerdócio feminino, por isso sempre raciocinamos sobre o modo de colaborar com a Santa Sé, com os episcopados, com as dioceses e com os movimentos. Estamos muito contentes com tudo o que o Papa fez e ao mesmo tempo confiantes em relação ao diaconado feminino, dado que instituiu duas comissões. Mas este não é o nosso objetivo. Queremos colocar ao serviço da Igreja o plus das mulheres, que não é mais que o dos homens, mas diferente. Tudo se torna mais “rico” quando homens e mulheres tomam decisões fundamentais em conjunto.

Que tipo de serviço presta a União mundial?

Ser corresponsável por uma evangelização com rosto feminino. Ter a capacidade de misericórdia, proximidade, compreensão, pois é aquilo de que a Igreja precisa hoje. O Papa agradeceu-nos muito e com grande afeto. Foi como estar em casa com o próprio pai.

Que indicações vos deu?

Em primeiro lugar, escolher uma mulher para trabalhar ao lado do assistente eclesiástico para a nossa organização. Depois garantiu-nos que no próximo ano, antes da Assembleia geral em Assis, em maio de 2023, se encontrará face to face com todos os membros da Umofc . Todas as mulheres católicas das nossas organizações em todo o mundo são convidadas a vir a Roma.

A audiência de hoje foi também uma ocasião para apresentar ao Papa alguns estudos realizados nestes meses...

Sim, apresentamos os primeiros resultados do relatório elaborado pelo Observatório mundial das mulheres, instituído no ano passado, sobre o impacto da Covid na América Latina e no Caribe. Um trabalho para dar voz às “invisíveis”.

Quem são?

Mulheres de países em guerra, sem maridos ou filhos adultos, que devem cuidar da família. Mulheres que não podem ir à escola porque a sua cultura impõe que só os homens podem estudar. Mulheres que sofrem a violência de género. Muitos exemplos... Estas mulheres, as mais vulneráveis, são, contudo, as que têm mais força, resiliência, que pensam no cenário pós-Covid. Recolhemos o que dizem, conferindo-lhe um formato académico para mostrar estes resultados ao mundo, especialmente a quem toma decisões.

Em que sentido, um formato académico?

Resumir todos os testemunhos e os relatórios de peritas de 25 países da América Latina, líderes que trabalham localmente com mulheres vulneráveis todos os dias. Portanto, a experiência direta transmitida em síntese académica, capaz de falar com uma linguagem simples a bispos, governos, sociedade civil, para criar sinergia.

Ainda sobre o impacto da Covid, o confinamento fomentou um aumento da violência doméstica. Fenómeno comum em todos os continentes. Sobre este assunto, o que sobressaiu dos vossos estudos?

O isolamento não permitiu que as mulheres partilhassem o que sofreram ou tivessem uma oportunidade de apoio. Mas esse não foi o único problema... Pensemos no trabalho: na maioria das vezes sem um emprego sistemático, as mulheres não tinham dinheiro para chegar ao fim do mês. Muitas disseram-nos: “Tínhamos mais medo da fome do que da Covid!”. O mesmo com a educação: com o ensino à distância muitas mulheres regrediram, tanto elas como os seus filhos. Além disso, os problemas físicos: nesses meses, só se pensava na Covid, enquanto as mulheres grávidas, por exemplo, não podiam receber outros tratamentos. Psicologicamente, foi um dano terrível, mas as próprias mulheres começaram a criar redes e organizações para ir em frente. Por isso falo de resiliência. Elas têm realmente muito a dizer na fase pós-Covid.

O que disse o Papa sobre os resultados deste relatório?

Ainda não leu a documentação, porque acaba de a receber. No entanto, agradeceu-nos, convicto de que se trata de um trabalho científico muito sério, além disso realizado em colaboração com o celam . Também lhe apresentamos um estudo sobre os abusos, sobre o modo de os evitar na escola e em casa, porque é ali que começa o problema... É um livrete escrito com especialistas, enquanto o prólogo é de Linda Ghisoni, subsecretária do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Publicamo-lo em inglês, espanhol e francês, e traduzimo-lo em coreano e em língua urdu para o Paquistão. A Ásia está muito feliz, uma vez que o problema pesa tanto sobre os ombros das mulheres asiáticas. Depois, cada representante regional ofereceu um presente ao Papa.

Isto é?

Por exemplo, a vice-presidente da Espanha falou uma de mulher europeia, Pilar Bellosillo, presidente da Umofc na época do Concílio Vaticano ii , que Paulo vi nomeou no primeiro grupo de auditoras, para a qual foi iniciada a causa de canonização. É um exemplo para todas as mulheres, não só da Europa, também porque era uma leiga que fez um trabalho extraordinário em prol da justiça e do ecumenismo. A representante da África apresentou ao Papa a estatística de todas as orações que as mulheres fazem em resposta ao seu pedido: “Rezai por mim!”. Portanto, missas, adorações, rosários, tudo... Da América Latina, foi muito engraçado: visto que, há algumas semanas, o Santo Padre brincava que precisava de tequila para o joelho, oferecemos-lhe... uma garrafa de tequila.

Salvatore Cernuzio