À assembleia plenária do Dicastério para o diálogo inter-religioso o Papa Francisco indicou o estilo nas relações com os crentes de outras tradições

Convivialidade
das diferenças

 Convivialidade das diferenças  POR-024
14 junho 2022

«Promover com outros crentes, de forma fraterna e convivial, o caminho da busca de Deus; considerando as pessoas de outras religiões não de modo abstrato, mas concreto, com uma história, desejos, feridas, sonhos». Foi esta a missão que o Papa confiou aos participantes na sessão plenária do Dicastério para o diálogo inter-religioso, recebidos em audiência na manhã de 6 de junho, no Sala Clementina.

Senhores Cardeais
Estimados irmãos
no Episcopado
Prezados irmãos e irmãs!

Saúdo-vos cordialmente e agradeço ao Cardeal Miguel Ángel Ayuso Guixot as palavras que me dirigiu em vosso nome. Tenho o prazer de me encontrar convosco por ocasião da Sessão Plenária do Dicastério para o Diálogo Inter-Religioso, no dia seguinte à Solenidade de Pentecostes.

Sublinho isto porque São Paulo vi anunciou o nascimento do “Secretariado para os Não-Cristãos” na sua homilia de Pentecostes em 1964, durante o Concílio Vaticano ii . Fê-lo antes da promulgação da Declaração Nostra aetate sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs, e antes da Encíclica Ecclesiam suam, considerada a magna charta do diálogo nas suas várias formas. Quanto caminho o Espírito fez percorrer em quase sessenta anos! A intuição do Papa Paulo vi baseou-se na consciência do desenvolvimento exponencial das relações entre pessoas e comunidades de diferentes culturas, línguas e religiões — um aspeto daquilo a que agora chamamos globalização — e colocou o Secretariado «na Igreja como sinal visível e institucional de diálogo» com pessoas de outras religiões (Discurso aos Membros e Consultores do Secretariado, 25 de setembro de 1968). Isto, 25 de setembro de 1968.

A Constituição Apostólica Praedicate Evangelium sobre a Cúria Romana acaba de entrar em vigor, e esta área do seu serviço à Igreja e ao mundo nada perdeu da sua relevância. Pelo contrário, a globalização e a aceleração das comunicações internacionais fazem do diálogo em geral, e do diálogo inter-religioso em particular, uma questão crucial. Considero muito oportuno que, para esta Assembleia Plenária, tenhais escolhido o tema Diálogo Inter-religioso e Convivialidade, numa altura em que toda a Igreja quer crescer em sinodalidade, crescer como «Igreja de escuta recíproca na qual cada um tem algo a aprender» (Praed. Ev., 4). Juntamente com toda a Cúria, podereis assim fazer vosso «o paradigma da espiritualidade do Concílio expressa na antiga história do Bom Samaritano», segundo a qual «o rosto de Cristo se encontra no rosto de cada ser humano, especialmente do homem e da mulher que sofre» (ibid., 11).

O nosso mundo cada vez mais interligado não é igualmente fraterno e convivial, pelo contrário! Neste contexto, o vosso Dicastério, «consciente de que o diálogo inter-religioso se realiza através da ação, intercâmbio teológico e experiência espiritual, ... promove entre todos os homens uma verdadeira busca de Deus» (ibid., 149). Esta é a vossa missão: promover com outros crentes, de forma fraterna e convivial, o caminho da busca de Deus; considerando as pessoas de outras religiões não de forma abstrata, mas concreta, com uma história, desejos, feridas, sonhos. Só assim poderemos construir juntos um mundo habitável para todos, em paz. Face à sucessão de crises e conflitos, «alguns tentam fugir da realidade, refugiando-se em mundos privados, enquanto outros a enfrentam com violência destrutiva, mas entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo» (Enc. Fratelli tutti, 199).

Cada homem e cada mulher é como uma peça num imenso mosaico, que já é belo em si mesmo, mas só compõe uma imagem juntamente com os outros azulejos, na convivialidade das diferenças. Ser convivial com alguém significa também imaginar e construir um futuro feliz com o outro. A convivialidade, de facto, ecoa o desejo de comunhão que habita no coração de cada ser humano, graças ao qual todos podem falar uns com os outros, podem ser trocados projetos e pode-se delinear um futuro em conjunto. A convivialidade une socialmente, mas sem colonizar o outro e preservando a sua identidade. Neste sentido, tem relevância política como uma alternativa à fragmentação social e ao conflito.

Encorajo todos vós a cultivar o espírito e o estilo de convivialidade nas vossas relações com pessoas de outras tradições religiosas: hoje precisamos tanto disto na Igreja e no mundo! Recordemos que o Senhor Jesus confraternizou com todos, frequentou pessoas consideradas pecadoras e impuras, partilhou a mesa dos publicanos sem preconceitos. E sempre durante uma refeição de convivialidade mostrou-se como o servo fiel e amigo até ao fim, e depois como o Ressuscitado, o Vivente que nos dá a graça da convivialidade universal. Esta é a palavra com que gostaria de vos deixar: convivialidade.

Caros irmãos e irmãs, agradeço-vos pelo vosso trabalho, especialmente pelo mais escondido, menos visível, e por vezes talvez até um pouco aborrecido. Que Nossa Senhora vos acompanhe e vos guarde em plena docilidade ao Espírito Santo. Abençoo de coração cada um de vós e as vossas famílias. E peço-vos que rezeis por mim, por favor. Obrigado!