À sessão plenária do Pontifício Comité para as ciências históricas

A memória abre à reconciliação dos irmãos

 A memória abre  à reconciliação dos irmãos  POR-023
07 junho 2022

A «memória histórica» é necessária para oferecer «uma abertura para a reconciliação dos irmãos, a cura das feridas, a reintegração dos inimigos de ontem no concerto das nações», salientou o Pontífice ao receber em audiência a 28 de maio, na Sala do Consistório, os participantes na plenária do Pontifício Comité para as ciências históricas.

Prezados Membros
do Pontifício Comité
para as Ciências Históricas!

Tenho o prazer de vos dar as boas-vindas por ocasião da vossa sessão plenária. Agradeço ao Presidente, padre Ardura, as suas amáveis palavras e saúdo cada um de vós, grato pelo vosso generoso serviço à Santa Sé. É uma contribuição valiosa também pelo modo como a realizais: dialogando e colaborando com historiadores e instituições académicas, que desejam estudar não só a história da Igreja, mas mais amplamente a história da humanidade na sua relação com o cristianismo ao longo de dois milénios.

Há cem anos, no dia 6 de fevereiro de 1922, Pio xi , Papa bibliotecário e diplomata, deu à Igreja e à sociedade civil uma orientação decisiva através de um sinal que foi certamente surpreendente naquela época. Imediatamente após a eleição, o Papa Ratti quis inaugurar o seu pontificado saindo à varanda externa da Basílica do Vaticano, e não à interna, como os seus três predecessores tinham feito. Dizem que foram necessários quase 40 minutos para abrir aquela janela, que o tempo tinha enferrujado porque nunca se utilizava. Com aquele gesto, Pio xi convidava-nos a olhar para o mundo e a colocar-nos ao serviço da sociedade do nosso tempo.

A adesão à realidade firmemente documentada permanece indispensável para o historiador, sem fugas idealistas para um passado que se supõe consolatório. O historiador do cristianismo deve estar atento a captar a riqueza das diferentes realidades em que, através dos séculos, o Evangelho se encarnou e continua a encarnar-se, oferecendo obras-primas que revelam a ação fecunda do Espírito Santo na história. A história da Igreja é lugar de encontro e confronto, em que se desenvolve o diálogo entre Deus e a humanidade; e para ela está predisposto quem sabe unir o pensamento à realidade. Vem-me à mente o grande historiador Cesare Baronio: na parte superior da lareira deixou esta inscrição: Baronius coquus perpetuus. Estudioso de admirável doutrina, bem como homem de grande virtude, continuava a considerar-se o cozinheiro da comunidade, cargo que na sua juventude lhe foi confiado por São Filipe Neri. Não raro, personagens ilustres, que o procuravam para receber conselhos, encontravam-no com o seu avental de trabalho, ocupado a lavar tigelas (cf. a. capecelatro , Vita di San Filippo Neri, Nápoles 1879, vol. i, p. 416). Assim, a teoria e a prática — unidas — conduzem à verdade.

O vosso Comité, desejado pelo Venerável Pio xii para estar ao serviço do Papa, da Santa Sé e das Igrejas locais, tem certamente o dever de promover o estudo da história, indispensável ao laboratório da paz, como forma de diálogo e de busca de soluções concretas e pacíficas para resolver os dissídios e para conhecer mais profundamente as pessoas e as sociedades. Espero que os historiadores contribuam com as suas pesquisas, com as suas análises das dinâmicas que marcam as vicissitudes humanas, para a iniciação corajosa de processos de confronto na história concreta dos povos e dos Estados.

A situação atual na Europa oriental não permite, neste momento, que vos encontreis com alguns dos vossos interlocutores habituais no contexto das conferências que, durante décadas, vos veem colaborar quer com a Academia russa das Ciências de Moscovo, quer com os historiadores do Patriarcado ortodoxo moscovita. Mas estou persuadido de que sabereis aproveitar as oportunidades certas para retomar e intensificar este trabalho comum, que será uma preciosa contribuição para favorecer a paz.

Se a história é frequentemente permeada por eventos bélicos e conflitos, o estudo da história faz-me pensar na engenharia das pontes, que torna possíveis relações frutuosas entre pessoas, entre crentes e não-crentes, entre cristãos de diferentes confissões. A vossa experiência é rica de ensinamentos. Precisamos dela, porque é portadora da memória histórica necessária para compreender o que está em jogo na construção da história da Igreja e da humanidade: oferecer uma abertura para a reconciliação dos irmãos, a cura das feridas, a reintegração dos inimigos de ontem no concerto das nações, como souberam fazer, depois da segunda guerra mundial, os Pais fundadores da Europa unida.

Atualmente, o vosso Comité é composto por membros provenientes de 14 países de três continentes. Alegro-me que esta diversidade exprima uma dinâmica multicultural, internacional e multidisciplinar. A vossa participação, em agosto próximo, no xxiii Congresso do Comité Internacional das Ciências Históricas em Poznań, com uma mesa redonda sobre o tema “A Santa Sé e as Revoluções dos Séculos xix e xx ”, será mais uma oportunidade para cumprir a missão que vos foi confiada, como serviço à procura da verdade através da metodologia própria das ciências históricas.

O vosso programa de conferências e publicações, os vossos estudos históricos e historiográficos e, para a maioria de vós, o ensino universitário, constituem o campo de atividade em que realizais o vosso trabalho. Encorajo-vos a prossegui-lo, inclusive no âmbito e com a metodologia que vos competem, sempre abertos ao horizonte da história da salvação. Este horizonte é como a atmosfera na qual as vicissitudes humanas, por assim dizer, “respiram”, recebem luz, revelando um significado mais amplo: o que vem de Cristo, «que é o Senhor da sua Igreja e o Senhor da história do homem, em virtude do mistério da Redenção» ( joão paulo ii , Enc. Redemptor hominis, 4 de março de 1979, n. 22).

Concedo de coração a minha Bênção a vós e aos vossos entes queridos. E peço-vos, por favor, que rezeis por mim. Obrigado!