«O horizonte da paz que hoje justamente reivindicamos e pelo qual rezamos intensamente e, portanto, do desenvolvimento verdadeiro e integral», não pode ser construído sem «sentido crítico, liberdade, confronto saudável e diálogo», recordou o Papa aos reitores das universidades do Lácio, recebidos no dia 16 de maio, na biblioteca particular do Palácio apostólico. Após a saudação do reitor da Universidade da Tuscia, Stefano Ubertini, o Papa proferiu o seguinte discurso.
Ilustres Senhoras e Senhores!
Dou as minhas boas-vindas a vós, Reitores das treze universidades públicas, estatais e não estatais, de Roma e do Lácio, reunidos na Coordenação Regional das Universidades do Lácio com os representantes da Região. Saúdo o presidente, professor Stefano Ubertini, Reitor da Universidade da Tuscia, e agradeço-lhe as amáveis palavras de apresentação.
Às universidades, neste particular momento histórico, é confiada uma tarefa de grande responsabilidade. Os anos da pandemia, a propagação na Europa da “terceira guerra mundial” que começou em pedaços e agora parece que não será em pedaços, a questão ambiental global, o crescimento das desigualdades, desafiam-nos de modo inédito e acelerado. Um desafio que tem uma forte implicação cultural, intelectual e moral. Este cenário está diante das gerações mais jovens, arriscando de gerar um clima de desânimo, desconcerto, perda de confiança, pior ainda: de habituação. Devemos dizer a verdade a nós mesmos: estamos em crise. E a crise não é algo negativo, não é má: a crise é boa, porque a crise nos faz crescer, nos leva a fazer opções para crescer. O perigo é quando a crise se transforma em conflito: o conflito é fechado e destrói. Mas devemos aprender a viver em crise, como fazemos agora, e a levar os jovens que estão nas nossas universidades para a frente, ensinando-os a viver em crise e a superar a crise. Esta é uma das coisas mais belas que podemos fazer: como viver a crise e superar a crise, para que não se transforme em conflito.
Mas os jovens não se conformam, e chamam-nos às nossas responsabilidades. Portanto, este é precisamente o momento para um grande investimento educacional. É por isso que se desenvolve o Global Compact on Education, ou seja, um projeto de trabalho conjunto em escala global, concernindo muitas partes interessadas, desde as principais religiões até às instituições internacionais, passando por cada uma das instituições educacionais. Assinando neste espírito o documento sobre a fraternidade humana em Abu Dhabi a 4 de fevereiro de 2019, concordámos que «nos preocupamos com uma educação integral que se resume em conhecer-se a si mesmo, ao irmão, à criação e ao Transcendente».
Concretamente, é este o horizonte da paz: uma educação universitária humana e universal, sobre a realidade. Por vezes, algumas universidades — penso nalgumas que conheci — continuam a herança universitária do Iluminismo, que é encher a cabeça com ideias, fazer “macrocéfalos”, e isto não ajuda. É preciso educar com a linguagem da cabeça, do coração e das mãos, e é assim que se cresce na sociedade. Este, em termos concretos, é o horizonte da paz que justamente reivindicamos hoje, e pela qual rezamos intensamente e, portanto, do desenvolvimento verdadeiro e integral, que não pode ser construído senão com sentido crítico, liberdade, confronto saudável e diálogo. E estas quatro coisas não podem ser feitas sem liberdade. Aqui estamos na base da própria ideia de universidade e do papel que esta instituição não pode deixar de desempenhar, além das barreiras e das fronteiras.
Com efeito, há muito a fazer, para assegurar o desenvolvimento tecnológico e científico, certamente, mas também para garantir a sustentabilidade humana. As grandes mudanças exigem que repensemos os nossos modelos económicos, culturais e sociais, a fim de recuperar o valor central da pessoa humana.1 E «o próprio termo “universidade” designa uma comunidade, mas também uma ideia da convergência do conhecimento, numa busca que forneça verdade e significado ao diálogo entre todos os homens e mulheres do mundo».2
Portanto, o serviço que a universidade pode prestar é verdadeiramente importante; que podeis oferecer vós e as universidades que representais, cada uma com as próprias caraterísticas, para reconsiderar e adaptar os nossos modelos de desenvolvimento, fazendo com que se unam as melhores energias intelectuais e morais. Os estudantes não se contentam com a mediocridade — exploram-na, mas não se contentam; não se contentam com uma mera repetição de dados, nem com uma formação profissional sem um horizonte. Isto é demonstrado, por exemplo, pela grande mobilização de muitos jovens doutorandos e pesquisadores em economia, coordenados por professores das vossas universidades, precisamente com o objetivo de construir respostas novas e eficazes, superando velhas incrustações ligadas a uma cultura estéril de competição de poder.
Nunca vos falte o esforço de ouvir, as estudantes e os estudantes, as colegas e os colegas — esta atmosfera de diálogo, nunca falte — escutai a realidade social e institucional, a vizinha e a global, pois a universidade não tem fronteiras: o conhecimento, a pesquisa, o diálogo, o confronto não podem deixar de superar qualquer barreira e ser abrangentes.3 Por favor, não vos falte também a coragem da imaginação e do investimento, por um desenvolvimento humano da investigação, para formar jovens capazes de trazer algo novo ao mundo do trabalho e da sociedade; para os formar também no respeito: respeito por si, respeito pelo próximo, respeito pela criação e respeito pelo Criador.
E ao promover a excelência dos estudos e da investigação, exorto-vos a estar atentos para que todos aqueles que a merecem e carecem de meios possam exercer plenamente o seu direito ao estudo e à formação. E também para continuar o louvável compromisso de acolher estudantes, investigadores e professores vítimas de perseguição, guerra e discriminação em vários países. Que possais estimular de muitas formas o “service learning” à comunidade, para que, medindo-se com as pobrezas e as periferias existenciais e sociais, possam dar mais sentido e valor à sua formação universitária, nunca desligados da vida, nunca desligados das pessoas, nunca desligados da sociedade.
Voltamos assim à intencionalidade própria da instituição universitária, no compromisso convergente de ensino, investigação, diálogo e confronto com a sociedade. Espero que as vossas comunidades sejam vivas, transparentes, ativas, acolhedoras, responsáveis, num clima frutuoso de cooperação, intercâmbio e diálogo, valorizando todas e cada uma. Que possais ler e enfrentar esta mudança de época com reflexão e discernimento, sem preconceitos ideológicos, sem receios nem fugas, ou pior, conformismos. E sobre isto, exorto-vos a ter cuidado com as ideologias. As ideologias destroem porque nos fazem ver apenas de uma maneira e fecham o panorama universal. As ideologias destroem a humanidade da pessoa, tiram-lhe o coração, privam-na da sua capacidade poética, da sua criatividade. Hoje há tantas: devemos tomar cuidado para não cair nestas atitudes ideológicas que destroem, fazem muito mal. Até na Igreja temos, às vezes, tantas ideologias que não fazem bem.
Faltam poucos anos para o Jubileu de 2025. Recordemos que precisamente três anos após a celebração do primeiro Jubileu em 1300, foi instituído o Studium Urbis, como que para mostrar na prática e reafirmar a relação nativa entre a Igreja e a instituição universitária, uma das mais antigas e paradigmáticas expressões da civilização europeia, que depois se desenvolveu em todo o mundo. Somos chamados a desenvolver e prosseguir esta relação antiga e bem consolidada, na distinção e na cooperação, na construção responsável e sustentável dos percursos de desenvolvimento.
O lema do próximo Jubileu de 2025, Peregrinos da esperança, pode então expressar este compromisso convergente, a tensão para objetivos partilhados de vida, de bem e de fraternidade. São os meus votos e os meus agradecimentos ao Comité Regional de Coordenação das Universidades do Lácio. Acompanho-vos com a minha bênção e oração. E também vós não vos esqueçais de rezar por mim. E se algum de vós não rezar porque não pode, não sabe ou não tem vontade, pelo menos envie-me boas ondas: eu preciso delas! Obrigado.
1 Discurso na Universidade Roma Tre, 17 de fevereiro de 2017.
2 Discurso a docentes e estudantes da Livre Universidade Maria Santíssima Assunta, 14 de novembro de 2019.
3 Cf. Const. Ap. Veritatis gaudium, Proémio.