O Pontífice à plenária do Pontifício Conselho para a promoção da unidade dos cristãos

Não ao escândalo da divisão face à barbárie da guerra

 Não ao escândalo da divisão  face à barbárie da guerra  POR-020
17 maio 2022

Face à «barbárie da guerra», o «anseio de unidade» entre os cristãos de hoje deve ser «alimentado de novo». O apelo do Papa Francisco a não se resignar ao «escândalo da divisão», que «torna fértil o terreno para os conflitos», ressoou durante a audiência aos participantes na assembleia plenária do Pontifício Conselho para a promoção da unidade dos cristãos, recebidos a 6 de maio na Sala do Consistório. Depois de ter ouvido as palavras de saudação que lhe foram dirigidas pelo presidente do Dicastério, cardeal Kurt Koch, o Pontífice proferiu este discurso.

Senhores Cardeais
Prezados irmãos Bispos
e Sacerdotes
Estimados irmãos e irmãs!

Saúdo-vos de coração e agradeço ao Cardeal Koch as palavras que me dirigiu em vosso nome, membros, consultores e colaboradores do Pontifício Conselho para a promoção da unidade dos cristãos.

Hoje concluiu-se a Plenária do vosso Conselho, que finalmente foi possível realizar em presença depois de ter sido adiada várias vezes por causa da pandemia. A pandemia, com o seu trágico impacto na vida social de todo o mundo, também condicionou fortemente as atividades ecuménicas, impedindo a implementação de contactos habituais e de novos projetos nos últimos dois anos. Ao mesmo tempo, contudo, a crise sanitária foi também uma oportunidade para reforçar e renovar as relações entre os cristãos.

Um primeiro resultado ecuménico significativo da pandemia foi uma consciência renovada de pertencer à única família cristã, uma consciência enraizada na experiência de partilhar a mesma fragilidade e de poder confiar apenas na ajuda de Deus. Paradoxalmente, a pandemia, que nos obrigou a manter-nos à distância uns dos outros, fez-nos compreender quão próximos estamos realmente uns dos outros e quão responsáveis somos uns pelos outros. É essencial que continuemos a cultivar esta consciência, e que dela surjam iniciativas que tornem explícito e aumentem este sentimento de fraternidade. E aqui gostaria de salientar: hoje não é possível, não é viável para o cristão caminhar sozinho com a própria confissão. Ou caminhamos juntos, todas as confissões fraternas, ou não progredimos. Hoje a consciência do ecumenismo é tal que não se pode pensar em seguir o caminho da fé sem a companhia de irmãos e irmãs de outras Igrejas ou comunidades eclesiais. E isto é ótimo. Sozinho, nunca. Não podemos. Com efeito, é fácil esquecer esta verdade profunda. Quando isto acontece às comunidades cristãs, expomo-nos seriamente ao risco da presunção de autossuficiência e autorreferencialidade, que são sérios obstáculos ao ecumenismo. E podemos vê-lo. Nalguns países há certas retomadas egocêntricas — por assim dizer — de algumas comunidades cristãs que regridem, sem conseguir avançar. Hoje, ou caminhamos todos juntos ou não podemos progredir. Esta consciência é uma verdade e uma graça de Deus.

Ainda antes que a emergência sanitária terminasse, o mundo inteiro teve que enfrentar um novo desafio trágico, a guerra atualmente em curso na Ucrânia. Desde o fim da segunda guerra mundial não faltam guerras regionais — são muitas! Pensemos no Ruanda, por exemplo, há 30 anos, para citar apenas um, mas pensemos em Myanmar, pensemos... Mas dado que estão longe, não as vemos, enquanto que esta está perto e nos faz reagir — falei muitas vezes de uma terceira guerra mundial em pedaços, espalhada por toda a parte. No entanto, esta guerra, tão cruel e sem sentido como qualquer guerra, tem uma dimensão maior e ameaça o mundo inteiro, e não pode deixar de interpelar a consciência de cada cristão e de cada Igreja. Devemos perguntar-nos: o que fizeram as Igrejas e o que podem fazer a fim de contribuir para «o desenvolvimento de uma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social» (Enc. Fratelli tutti, 154)? Esta é uma questão sobre a qual devemos pensar em conjunto.

No século passado, a consciência de que o escândalo da divisão dos cristãos tivesse um peso histórico na geração do mal que envenenou o mundo com lutos e injustiças levou as comunidades crentes, sob a orientação do Espírito Santo, a desejar a unidade pela qual o Senhor rezou e deu a vida. Hoje, perante a barbárie da guerra, este anseio de unidade deve ser alimentado de novo. Ignorar as divisões entre cristãos, por hábito ou resignação, significa tolerar aquela poluição dos corações que torna fértil o terreno para os conflitos. O anúncio do evangelho da paz, esse evangelho que desarma os corações até antes dos exércitos, só será mais credível se for proclamado pelos cristãos finalmente reconciliados em Jesus, Príncipe da Paz; cristãos animados pela sua mensagem de amor universal e fraternidade, que ultrapassa os limites da própria comunidade e nação. Voltemos ao que eu disse: hoje, ou caminhamos juntos ou ficamos parados. Não podemos caminhar sozinhos. Mas não por ser moderno, não: porque foi o Espírito Santo que despertou este sentido de ecumenismo e fraternidade.

Deste ponto de vista, a vossa reflexão sobre o modo como celebrar de forma ecuménica o 1700º aniversário do primeiro Concílio de Niceia, que terá lugar em 2025, representa uma contribuição valiosa. Apesar dos acontecimentos conturbados da sua preparação e especialmente do longo período subsequente de receção, o primeiro Concílio ecuménico foi um acontecimento de reconciliação para a Igreja, que de forma sinodal reafirmou a sua unidade ao redor da profissão da própria fé. O estilo e as decisões do Concílio de Niceia devem iluminar o caminho ecuménico de hoje e conduzir a novos passos concretos rumo ao objetivo do pleno restabelecimento da unidade dos cristãos. Uma vez que o 1700º aniversário do primeiro Concílio de Niceia coincide com o Ano jubilar, espero que a celebração do próximo Jubileu tenha uma relevante dimensão ecuménica.

Dado que o primeiro Concílio ecuménico foi um ato sinodal e se manifestou também a nível da sinodalidade universal da Igreja como forma de vida e organização da comunidade cristã, gostaria de realçar o convite que, com a Secretaria Geral do Sínodo, o vosso Conselho dirigiu às Conferências episcopais, pedindo-lhes que procurem formas de ouvir, durante o atual processo sinodal da Igreja católica, também as vozes dos irmãos e irmãs de outras Confissões sobre questões que desafiam a fé e a diaconia no mundo de hoje. Se realmente quisermos ouvir a voz do Espírito, não podemos deixar de ouvir o que Ele disse e continua a dizer a todos aqueles que voltaram a nascer «da água e do Espírito» (Jo 3, 5).

Ir em frente, caminhar juntos. É verdade que o trabalho teológico é muito importante e devemos refletir, mas não podemos esperar para percorrer o caminho da unidade até que os teólogos se ponham de acordo. Certa vez, um grande teólogo ortodoxo disse-me que sabe quando os teólogos estarão de acordo. Quando? No dia seguinte ao juízo final, assim me disse ele. E entretanto? Caminhar como irmãos, na oração conjunta, nas obras de caridade, na busca da verdade. Como irmãos. E esta fraternidade diz respeito a todos nós.

Caros amigos, encorajo-vos a continuar o vosso serviço exigente e importante, enquanto vos acompanho com a minha constante proximidade e gratidão. Peço ao Senhor que vos abençoe e, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!