Mestres de paz, protagonistas de uma revolução desarmada

 Mestres de paz, protagonistas  de uma revolução desarmada  POR-020
17 maio 2022

«Uma revolução espiritual e desarmada na qual vos convido a tornar-vos protagonistas», pediu o Papa Francisco às avós e aos avôs na sua mensagem, em vista do segundo Dia mundial a eles dedicado, que será celebrado a 24 de julho sobre o tema «Na velhice ainda darão frutos» (Sl 92, 15). Na mensagem, divulgada no dia 10 de maio, o Sumo Pontífice frisou que «o mundo vive uma época de dura provação, marcada em primeiro lugar pela inesperada e furiosa tempestade da pandemia, depois por uma guerra que fere a paz e o desenvolvimento à escala global»; por conseguinte, os idosos são chamados a ser para as novas gerações «mestres de um modo de vida pacífico e atento aos mais frágeis».

Caríssima, caríssimo!

O versículo 15 do Salmo 92 — «dão fruto mesmo na velhice» — é uma boa notícia, um verdadeiro “evangelho” que podemos, por ocasião do ii Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, anunciar ao mundo. O mesmo vai contracorrente relativamente àquilo que o mundo pensa desta idade da vida e também ao comportamento resignado de alguns de nós, idosos, que caminhamos com pouca esperança e sem nada mais esperar do futuro.

Muitas pessoas têm medo da velhice. Consideram-na uma espécie de doença, com a qual é melhor evitar qualquer tipo de contacto: os idosos não nos dizem respeito — pensam elas — e é conveniente que estejam o mais longe possível, talvez juntos uns com os outros, em estruturas que cuidem deles e nos livrem da obrigação de nos ocuparmos das suas penas. É a “cultura do descarte”: aquela mentalidade que, enquanto nos faz sentir diversos dos mais frágeis e alheios à sua fragilidade, permite-nos imaginar caminhos separados entre “nós” e “eles”. Mas, na realidade, uma vida longa — ensina a Sagrada Escritura — é uma bênção, e os idosos não são proscritos de quem se deve estar à larga, mas sinais vivos da benevolência de Deus que efunde a vida em abundância. Bendita a casa que guarda um ancião! Bendita a família que honra os seus avós!

Com efeito, a velhice constitui uma estação que não é fácil de entender, mesmo para nós que já a vivemos. Embora chegue depois de um longo caminho, ninguém nos preparou para a enfrentar; parece quase apanhar-nos de surpresa. As sociedades mais desenvolvidas gastam muito para esta idade da vida, mas não ajudam a interpretá-la: proporcionam planos de assistência, mas não projetos de existência.1 Por isso é difícil olhar para o futuro e individuar um horizonte para onde tender. Por um lado, somos tentados a exorcizar a velhice, escondendo as rugas e fingindo ser sempre jovens, por outro parece que nada mais se possa fazer senão viver desiludidos, resignados a não ter mais “frutos para dar”.

O fim da atividade laboral e os filhos já autónomos fazem esmorecer os motivos pelos quais gastamos muitas das nossas energias. A consciência de que as forças declinam ou o aparecimento de uma doença podem pôr em crise as nossas certezas. O mundo — com os seus ritmos acelerados, que sentimos dificuldade em acompanhar — parece não nos deixar alternativa, levando-nos a interiorizar a ideia do descarte. Assim se eleva para o céu esta súplica do Salmo: «Não me rejeites no tempo da velhice; não me abandones, quando já não tiver forças» (71, 9).

Mas o mesmo Salmo, que repassa a presença do Senhor nas diversas estações da existência, convida-nos a continuar a esperar: chegada a velhice e os cabelos brancos, o Senhor continuará a dar-nos a vida e não deixará que sejamos oprimidos pelo mal. Confiando n’Ele, encontraremos a força para multiplicar o louvor (cf. Sl 71, 14-20) e descobriremos que envelhecer não é apenas a deterioração natural do corpo ou a passagem inevitável do tempo, mas também o dom de uma vida longa. Envelhecer não é uma condenação, mas uma bênção!

Por isso, devemos vigiar sobre nós mesmos e aprender a viver uma velhice ativa, inclusive do ponto de vista espiritual, cultivando a nossa vida interior através da leitura assídua da Palavra de Deus, da oração diária, do recurso habitual aos Sacramentos e da participação na Liturgia. E, a par da relação com Deus, cultivemos as relações com os outros: antes de mais nada, com a família, os filhos, os netos, a quem havemos de oferecer o nosso afeto cheio de solicitude; bem como as pessoas pobres e atribuladas, das quais nos façamos próximo com a ajuda concreta e a oração. Tudo isto ajudará a não nos sentirmos meros espetadores no teatro do mundo, não nos limitarmos a olhar da sacada, a ficar à janela. Ao contrário, apurando os nossos sentidos para reconhecerem a presença do Senhor,2 seremos como uma «oliveira verdejante na casa de Deus» (Sl 52, 10), poderemos ser uma bênção para quem vive junto de nós.

A velhice não é um tempo inútil, no qual a pessoa deva pôr-se de lado recolhendo os remos para dentro do barco, mas uma estação para continuar a dar fruto: há uma nova missão, que nos espera, convidando-nos a voltar os olhos para o futuro. «A nossa sensibilidade especial de idosos, da idade anciã às atenções, pensamentos e afetos que nos tornam humanos deve voltar a ser uma vocação para muitos. E será uma escolha de amor dos idosos para com as novas gerações».3 É o nosso contributo para a revolução da ternura,4 uma revolução espiritual e desarmada da qual vos convido, queridos avós e idosos, a fazer-vos protagonistas.

O mundo vive um período de dura provação, marcado primeiro pela tempestade inesperada e furiosa da pandemia, depois por uma guerra que fere a paz e o desenvolvimento à escala mundial. Não é por acaso que a guerra tenha voltado à Europa no momento em que está a desaparecer a geração que a viveu no século passado. E estas grandes crises correm o risco de nos tornar insensíveis ao facto de que existem outras “epidemias” e outras formas generalizadas de violência que ameaçam a família humana e a nossa casa comum.

Perante tudo isto, temos necessidade de uma mudança profunda, de uma conversão, que desmilitarize os corações, permitindo a cada um reconhecer no outro um irmão. E nós, avós e idosos, temos uma grande responsabilidade: ensinar às mulheres e aos homens do nosso tempo a contemplar os outros com o mesmo olhar compreensivo e terno que temos para com os nossos netos. Aprimoramos a nossa humanidade ao cuidar do próximo e, hoje, podemos ser mestres de um modo de viver pacífico e atento aos mais frágeis. A nossa atitude poderá, talvez, ser confundida com fraqueza ou servilismo, mas serão os mansos — não os agressivos e prevaricadores — que herdarão a terra (cf. Mt 5, 5).

Um dos frutos que somos chamados a produzir é o de guardar o mundo. «Todos nos sentamos nos joelhos dos avós, que nos tiveram ao colo»;5 mas hoje é o momento de colocar sobre os nossos joelhos — com a ajuda concreta ou mesmo só com a oração — juntamente com os nossos netos, muitos outros assustados que ainda não conhecemos e que talvez fujam da guerra ou sofram por causa dela. Guardemos no nosso coração — como fazia São José, pai terno e solícito — os pequeninos da Ucrânia, do Afeganistão, do Sudão do Sul...

Muitos de nós maturaram uma consciência sábia e humilde, de que o mundo tanto precisa: não nos salvamos sozinhos, a felicidade é um pão que se come juntos. Testemunhemo-lo àqueles que se iludem de encontrar realização pessoal e sucesso na contraposição. Todos o podem fazer, mesmo os mais frágeis: até mesmo o deixarmo-nos cuidar — muitas vezes por pessoas que provêm doutros países — é uma maneira de dizer que é não só possível mas também necessário vivermos juntos.

Neste nosso mundo, queridas avós e queridos avôs, queridas idosas e queridos idosos, estamos chamados a ser artífices da revolução da ternura! Façamo-lo aprendendo a usar cada vez mais e melhor o instrumento mais precioso e apropriado que temos para a nossa idade: a oração. «Tornemo-nos, também nós, um pouco poetas da oração: adquiramos o gosto de procurar palavras que nos são próprias, voltando a apoderar-nos daquelas que a Palavra de Deus nos ensina».6 A nossa imploração confiante pode fazer muito: é capaz de acompanhar o grito de dor de quem sofre e pode contribuir para mudar os corações. Podemos ser «o “grupo coral” permanente de um grande santuário espiritual, onde a oração de súplica e o canto de louvor sustentam a comunidade que trabalha e luta no campo da vida».7

Deste modo o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos é uma oportunidade para dizer mais uma vez, com alegria, que a Igreja quer fazer festa juntamente com aqueles que o Senhor — como diz a Bíblia — «saciou com longos dias» (Sl 91, 16). Celebremo-la juntos! Convido-vos a anunciar este Dia nas vossas paróquias e comunidades, a visitar os idosos mais abandonados, em casa ou nas residências onde estão hospedados. Procuremos que ninguém viva este dia na solidão. Ter alguém para cuidar pode mudar a orientação dos dias de quem já não espera nada de bom do futuro; e de um primeiro encontro pode nascer uma nova amizade. A visita aos idosos abandonados é uma obra de misericórdia do nosso tempo!

Peçamos a Nossa Senhora, Mãe da Ternura, que faça de todos nós dignos artífices da revolução da ternura para, juntos, libertarmos o mundo da sombra da solidão e do demónio da guerra.

A todos vós e aos vossos entes queridos, chegue a minha Bênção, com a certeza da minha afetuosa proximidade. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim!

Roma, São João de Latrão
Festa dos Santos
Apóstolos Filipe e Tiago
3 de maio de 2022.

Francisco

1 Cf. Catequese sobre a Velhice: 1. A graça do tempo e a aliança das idades da vida (23 de fevereiro de 2022).

2 Cf. Catequese sobre a Velhice: 5. Fidelidade à visita de Deus para a geração seguinte (30 de março de 2022).

3 Catequese sobre a Velhice: 3. A velhice, recurso para a juventude incauta (16 de março de 2022).

4 Cf. Catequese sobre São José: 8. São José, pai na ternura (19 de janeiro de 2022).

5 Homilia na Missa do i Dia Mundial dos Avós e dos Idosos (25 de julho de 2021).

6 Catequese sobre a família: 7. Os avós (11 de março de 2015).

7 Ibidem.