«A deficiência, em todas as suas formas, representa um desafio e uma oportunidade para construir juntos uma sociedade mais inclusiva e civilizada» e para lutar contra a cultura do descarte, afirmou o Papa Francisco a 1 de abril, ao receber na Sala Clementina a Fundação italiana de autismo.
Estimados irmãos e irmãs
bom dia e bem-vindos!
Gostaria de agradecer ao Presidente da Fundação Italiana de Autismo as suas palavras introdutórias e ao jovem que deu o seu testemunho, oferecendo muitos tópicos para a reflexão.
Amanhã é o Dia mundial da conscientização do autismo, estabelecido pelas Nações Unidas para chamar a atenção do mundo para as pessoas com autismo e para os diferentes aspetos da sua condição.
Antes de mais, gostaria de expressar o meu apreço pelo trabalho realizado pela Fundação Italiana de Autismo. Envolveis pesquisadores, médicos, psicólogos, organismos e associações de familiares, que desde 2015 estabeleceram o objetivo comum de promover uma cultura a favor das pessoas no espectro do autismo e com deficiências intelectuais. Hoje, mais do que nunca, os temas e questões que a vossa Fundação aborda são de importância vital. Com efeito, ao realizar projetos e iniciativas de pesquisa a favor dos mais débeis e desfavorecidos, ofereceis um valioso contributo para a luta contra a cultura do descarte (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 53), tão difundida na nossa sociedade que está demasiado centrada na concorrência e no lucro. Somos vítimas desta cultura do descarte!
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para partilhar algumas linhas de reflexão e compromisso.
1. A cultura da inclusão e da pertença, contra a cultura do descarte. A deficiência, em todas as suas formas, representa um desafio e uma oportunidade para construir juntos uma sociedade mais inclusiva e civilizada, onde os familiares, professores e associações como a vossa não sejam deixados sozinhos, mas apoiados. Por isso é necessário continuar a sensibilizar para os vários aspetos da deficiência, abatendo preconceitos e promovendo uma cultura de inclusão e de pertença, baseada na dignidade da pessoa. É a dignidade de todos aqueles homens e mulheres que são mais frágeis e vulneráveis, que são demasiadas vezes marginalizados pois são rotulados como diferentes ou até inúteis, mas que na realidade são uma grande riqueza para a sociedade. De facto, surpreende-nos positivamente descobrir tantos casos de pessoas com deficiência que conseguem uma boa experiência de trabalho — como alguns de vós aqui presentes — oferecendo assim um testemunho significativo a todos nós. Mas não há apenas o campo de trabalho, há toda a vida da pessoa, diríamos a sua “vocação”. Pensemos no exemplo de Santa Margarida de Città di Castello, a jovem com deficiência que colocou a sua vida nas mãos do Senhor para se dedicar completamente à oração e aos cuidados dos pobres.
Caros irmãos e irmãs, a parábola evangélica do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37) indica o caminho para uma sociedade mais fraterna (cf. Enc. Fratelli tutti, cap. ii ). E neste caminho, as pessoas com deficiência não são apenas o objeto de cuidados, mas também sujeito, isto é muito importante! O samaritano pode ser a pessoa com deficiência, com autismo, que se torna próximo do outro, pondo os próprios talentos ao serviço da comunidade.
2. Participação. Um aspeto essencial da cultura de inclusão é a possibilidade de as pessoas com deficiência participarem ativamente. Não as fechar, não, participar. Colocá-las no centro significa não só romper barreiras físicas, mas também assegurar que possam participar nas iniciativas da comunidade civil e eclesial e oferecer a sua contribuição. Trata-se de apoiar o seu projeto de vida através do acesso à educação, emprego e áreas de lazer onde possam socializar e expressar a criatividade. Isto requer uma mudança de mentalidade. Foram dados grandes passos nesta direção, mas o preconceito, a desigualdade e também a discriminação continuam a existir. Espero que as pessoas com deficiência se tornem cada vez mais protagonistas desta mudança, como testemunharam hoje, trabalhando em conjunto, instituições civis e eclesiásticas.
3. Fazer rede. A pandemia de Covid-19 teve um impacto muito grave, especialmente nos mais frágeis, nos idosos, nas pessoas com deficiência e nas suas famílias. Nas últimas semanas, à tragédia da guerra na Ucrânia acrescentou-se também isto: pensemos em quantos são mais desfavorecidos... Estimados irmãos e irmãs, nesta situação, a nossa resposta deve ser a solidariedade, o “fazer rede”. Solidariedade na oração e solidariedade na caridade que se torna partilha concreta. Face a tantas feridas, especialmente as das pessoas mais vulneráveis, não percamos a oportunidade de nos apoiarmos uns aos outros (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium). Assumamos o sofrimento humano com projetos e propostas que coloquem os mais pequeninos no centro (cf. Mt 25, 40).
Também no âmbito da deficiência, as comunidades eclesiais e civis são chamadas a trabalhar em rede, a colaborar harmoniosamente para ajudar os mais débeis e desfavorecidos a fazer ouvir a sua voz. Desta forma, a subsidiariedade é implementada e a contribuição de quantos trabalham há muito tempo com pessoas com deficiência é valorizada, criando uma vasta e diversificada gama de apoio. Pondo de lado as atitudes competitivas, pode ser criada uma sinergia eficaz, capaz de ter um impacto profundo na sociedade.
4. Por uma economia solidária. Assim como existe uma cultura de descarte e outra de inclusão, também existe uma economia que descarta e uma economia que inclui. E isto é um acontecimento diário: há descarte e inclusão, em toda a vida, também na economia. Desde sempre, a começar pela primeira comunidade cristã em Jerusalém, através de muitas e variadas experiências, o Evangelho tem-nos inspirado a colocar a fraternidade no centro da economia, para que os pobres, os marginalizados e as pessoas com deficiência não sejam excluídos. Colocar a fraternidade no centro da economia; não o egoísmo, não o lucro pessoal, mas a fraternidade. O trabalho que fazeis através da Fundação Italiana de Autismo também necessita de apoio económico. Por este motivo, a minha gratidão dirige-se aos vossos benfeitores, que ao atribuir recursos a favor do próximo estão a construir uma sociedade mais unida, inclusiva e fraterna. Também esta é uma forma concreta de fazer economia solidária.
Prezados irmãos e irmãs, atravessamos um período de dura provação, mas a aproximação da Páscoa do Senhor lembra-nos que a morte não tem a última palavra. Juntamente com os nossos irmãos e irmãs mais frágeis, mantenhamos acesa a chama da esperança!
Encorajo-vos a continuar o vosso trabalho caminhando com pessoas com autismo: não só para elas, mas antes de mais com elas. Sabeis bem, e hoje também o quisestes dizer com um gesto: daqui a pouco, na Praça de São Pedro, algumas pessoas com autismo irão cozinhar e oferecer o almoço aos irmãos pobres. Isto é bonito! Uma iniciativa que testemunha o estilo do Bom Samaritano, o estilo de Deus. Como é o estilo de Deus? Proximidade, compaixão, ternura. Com estas três caraterísticas vemos o rosto de Deus, o coração de Deus, o estilo de Deus.
Abençoo-vos de coração. Nossa Senhora vos proteja, porque Ela é Mãe e compreende estas coisas: Ela é melhor do que nós! E por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!