Audiência aos participantes no Curso sobre o foro íntimo promovido pela Penitenciaria apostólica

A confissão é secreta do início ao fim

 A confissão é secreta do início ao fim  POR-015
12 abril 2022

No final da manhã de 25 de março, o Santo Padre recebeu em audiência na sala Paulo vi os participantes no 32º Curso sobre o foro íntimo, organizado pela Penitenciaria apostólica. Eis o discurso proferido pelo Pontífice, com vários acréscimos ao texto inicialmente preparado.

Estimados irmãos
bom dia e bem-vindos!

Tenho o prazer de me encontrar convosco por ocasião do Curso anual sobre o Foro Íntimo, organizado pela Penitenciaria Apostólica, que já chegou à sua trigésima segunda edição. Sois constantes, sois constantes. Muito bem!

Saúdo o Cardeal Mauro Piacenza, Penitencieiro-Mor, e agradeço-lhe de coração as suas palavras de apresentação. Saúdo o Regente, os Prelados, os Oficiais e os Funcionários da Penitenciaria, os Colégios de Penitencieiros ordinários e extraordinários das Basílicas Papais “in Urbe”, e todos vós, participantes no Curso, sois deveras numerosos: cerca de oitocentos clérigos! Isto é um bom sinal, porque hoje em dia uma mentalidade generalizada tem dificuldade de compreender a dimensão sobrenatural, ou até gostaria de a negar. Sempre, sempre a tentação de a reduzir. A Confissão é um diálogo. E o diálogo não se pode reduzir a três ou quatro conselhos psicológicos para ir em frente, isto significa tirar o essencial do Sacramento.

Pode ser bom, não só para vós, mas para todos os sacerdotes confessores, talvez aproveitando o tempo quaresmal, reler e meditar a Nota sobre a importância do foro íntimo e a inviolabilidade do sigilo sacramental, publicada pela Penitenciaria Apostólica em 2019. Aborda aspetos de grande atualidade e, sobretudo, ajuda-nos a redescobrir quão precioso e necessário é, até nos nossos dias, o ministério da Reconciliação, que torna visível a misericórdia de Deus, concretizando-a.

Numa entrevista recente, com uma expressão incomum, afirmei que “o perdão é um direito humano”. Todos nós temos o direito de ser perdoados. Todos. Na verdade, é o que o coração de cada pessoa deseja mais profundamente, pois afinal ser perdoado é ser amado por aquilo que somos, apesar dos nossos limites e pecados. E o perdão é um “direito” no sentido de que Deus, no mistério pascal de Cristo, o concedeu de modo total e irreversível a cada homem disposto a aceitá-lo com coração humilde e arrependido. Dispensando generosamente o perdão de Deus, nós confessores colaboramos para a cura das pessoas e do mundo; cooperamos para a realização do amor e da paz pelos quais cada coração humano aspira tão intensamente; mediante o perdão contribuímos, permito-me dizer, para uma “ecologia” espiritual do mundo.

Gostaria de vos oferecer alguns pontos de reflexão e revisão de vida em volta de três palavras-chave: acolhimento, escuta, acompanhamento. Acolhimento, escuta, acompanhamento. Três dimensões essenciais do ministério do confessor; três aspetos do amor, aos quais devemos acrescentar a alegria, que sempre o acompanha.

O acolhimento deve ser a primeira caraterística do confessor. É o que ajuda o penitente a aproximar-se do Sacramento com o espírito certo, a não permanecer fechado em si mesmo e no próprio pecado, mas a estar aberto à paternidade de Deus, ao dom da Graça. O acolhimento é a medida da caridade pastoral, que amadurecestes no caminho da formação para o sacerdócio e é rica de frutos quer para o penitente quer para o próprio confessor, que vive a sua paternidade, como o pai do filho pródigo, cheio de alegria pelo regresso do filho. Será que promovemos este acolhimento, esta alegria? A serenidade do confessor que sabe acolher, de dia ou de noite: “Relaxa” e deixa falar. Criar um clima de paz, até de alegria.

O segundo elemento é a escuta. Escutar — como bem sabemos — é mais do que ouvir. Requer uma disposição interior feita de atenção, disponibilidade, paciência. É preciso deixar os próprios pensamentos, os próprios esquemas, para abrir deveras a mente e o coração à escuta. Se, quando a outra pessoa fala, já pensas no que dizer, no que responder, então não escutas aquela pessoa, mas a ti próprio. É um mau vício: o confessor que se ouve a si próprio: “Que direi?”. Ele sai purificado, e tu? Sais pecador, porque não cumpres o teu serviço de escuta para perdoar. Nalgumas confissões, não é necessário dizer nada ou quase nada — no sentido de aconselhar ou exortar — só é preciso ouvir e perdoar. Ouvir é uma forma de amor que leva a outra pessoa a sentir-se verdadeiramente amada.

E outra coisa que gostaria de dizer sobre a escuta: por favor, eliminai qualquer curiosidade. Às vezes há penitentes que se envergonham do que dizem, não sabem o que dizer, mas acenam com a cabeça. O Penitencieiro-Mor deu-nos um bom conselho: quando compreendermos do que se trata, digamos: “Entendi, vai em frente, outra coisa...”. Poupar a dor de dizer o que eles não sabem como dizer, e não caiais na curiosidade de perguntar: “Como foi? Quantas vezes?”. Por favor! Não sois torturadores, mas pais amorosos. A curiosidade pertence ao diabo. “Não, tenho que saber para avaliar se perdoo...”. Se Jesus vos tratasse assim!

E quantas vezes a confissão do penitente também se torna um exame de consciência para o confessor! Aconteceu comigo. Estou certo de que também já vos ocorreu. Face a certas almas fiéis, perguntamo-nos: será que tenho esta consciência de Jesus Cristo vivo? Tenho esta caridade para com os outros? Esta capacidade de me questionar? A escuta implica uma espécie de esvaziamento: esvaziar-me do meu ego para acolher o outro. É um ato de fé no poder de Deus e na tarefa que o Senhor nos confiou. Só pela fé os irmãos e irmãs abrem o coração ao confessor; portanto, têm o direito de ser escutados com fé, com aquela caridade que o Pai reserva aos filhos. E isto gera alegria!

A terceira palavra-chave é acompanhamento. O confessor não decide no lugar dos fiéis, ele não é o senhor da consciência do outro. O confessor simplesmente acompanha, com toda a prudência, discernimento e caridade de que é capaz, ao reconhecimento da verdade e da vontade de Deus na experiência concreta do penitente. Às vezes, é preciso dizer uma ou duas palavras, mas certas, sem proferir um sermão dominical. O penitente quer ir embora o mais depressa possível, compreende-se. Dizer as palavras certas para o acompanhar, sempre. É sempre necessário distinguir o diálogo confessional propriamente dito, vinculado pelo sigilo, do diálogo de acompanhamento espiritual, que também é reservado, mas de outra forma.

E sobre isto, gostaria de fazer um esclarecimento. Compreendi que em certos grupos e associações há uma relativização do sigilo sacramental. Por exemplo, diz-se: o sigilo é pecado, mas pode-se dizer tudo o que vem depois ou antes do pecado. Não! E há alguns grupos que apoiam isto; e depois o confessor diz aos superiores as outras coisas. Não! O sigilo é a partir do momento em que se começa até à hora em que se termina. Mas se no meio falastes de algo...? Não, tudo está sob o sigilo. Para estar certo disto, quero que os confessores sejam todos especialistas em escuta. E se revelasse algo que até o penitente gostaria que se soubesse? É preciso pedir autorização sobre o que se diz na confissão: “Diz-me de novo, ou diz-me se posso falar sobre isto”. É preciso ser claro. Alguns teólogos podem dizer: “Mas não é assim, é mais amplo”. É doutrina comum — pelo menos neste Pontificado! — que o sigilo vá do momento inicial até ao fim. E esta é a doutrina a seguir, sem entrar em nuances “daqui até ali”, que depois servem para governar mal.

O confessor tem sempre como objetivo a chamada universal à santidade (cf. Lumen gentium, 39-42), e acompanhar discretamente neste sentido. Acompanhar significa cuidar do outro, caminhar com ele, com ela. Não basta indicar uma meta, se não se estiver disposto a caminhar pelo menos um pouco com ele, com ela. Por mais breve que seja o diálogo confessional, de poucos detalhes já se entende quais são as necessidades do irmão ou da irmã: somos chamados a responder, acompanhando-os sobretudo à compreensão e aceitação da vontade de Deus, que é sempre o caminho do maior bem, o caminho da alegria e da paz.

Caros irmãos, dou graças ao Senhor convosco pelo ministério que desempenhais, ou que em breve vos será confiado — pois aqui há diáconos — um ministério ao serviço da santificação do Povo fiel de Deus. E também vós, por favor, confessai-vos. Pedis perdão pelos vossos pecados, não é verdade? Isto é muito saudável! É bom que nós, confessores, o façamos. Recomendo-vos: habitai de boa vontade o confessionário, acolhei, escutai e acompanhai, conscientes de que todos, realmente todos, precisam do perdão, ou seja, de se sentir amados como filhos por Deus Pai. As palavras que pronunciamos: “Absolvo-te dos teus pecados” também significam “tu, irmão, irmã, és precioso, és preciosa para Deus; é bom que tu existas”. E este é um remédio muito poderoso para a alma, e também para a psique de todos.

E gostaria de voltar a um detalhe que mencionei antes. Dois testemunhos. Mencionei o detalhe em relação à dificuldade de confessar os pecados, quando o penitente diz uma pequena parte dele, mas compreendemos que o problema é maior. Por isso é necessário parar, não torturar o penitente: “Entendo, continua”. “Mas devo, sou juiz, devo julgar”. Compreendeste? Perdoa o que entendeste. Ponto! Às vezes é verdade que é um juízo, mas de misericórdia. Há uma bonita ópera pop que fizeram há três ou quatro anos, um desses grupos de músicos da juventude de hoje, com aquela música que não entendo, mas dizem que é bonita. É uma ópera sobre a Parábola do filho pródigo. Depois de toda a história, na parte final, o pobre filho, já sujo por causa de tantos pecados, tantas coisas, até derrotado por todas essas coisas, sente a necessidade de regressar à casa do Pai e diz a um amigo: “Mas não sei se o meu pai me receberá...”. E cantam isto: “Irá receber-me? Irá receber-me?...”. O amigo dá um conselho: “Envia uma carta ao teu pai e diz: “Pai, estou arrependido e quero dizer-te diretamente, mas tenho medo de ir ter contigo, não sei se me receberás ou não... Quero ir apenas para pedir perdão, não mereço ser chamado teu filho, só por isto”. E seguindo o conselho do amigo, escreveu o seguinte: “Se estiveres disposto a isto, por favor põe um lenço branco na janela, para que quando eu me aproximar de casa, veja o lenço e venha ter contigo. Se eu não vir o lenço, volto para trás”. A ópera continua e depois, no último ato, o filho percorre a estrada que conduz à casa. Olha para a casa: está cheia de lenços brancos, cheia! Em síntese, a misericórdia de Deus não tem limites. Assim é a misericórdia do confessor. Pensai nos lenços brancos! É bonito, eu gostei.

Depois, dois testemunhos de dois confessores que eu conheci. Um bom, um sacramentino, um bom “jovem”, faleceu com 92 anos! Era o confessor de todo o clero de Buenos Aires. Todos o procuravam, muitos leigos... Era assim. Um grande confessor. Até como provincial — foi provincial da sua Ordem — encontrava sempre lugar na basílica onde vivia para ouvir confissões. Quando eu era provincial, costumava ir ter com ele para me confessar — para não me-confessar a um jesuíta, a fim de que não se soubessem certas coisas — e ele dizia sempre: “Tudo bem, tudo bem... Vamos lá, coragem”. E perdoava. Num domingo de Páscoa — eu já era Vigário-Geral — fui à secretaria para ver se havia algum fax — nessa altura ainda não havia e-mail — e vi um fax das 23h30, pouco antes do início da Vigília pascal: “Às 20h30 faleceu o padre Aristi com 93 anos”. Eu costumava ir almoçar com os sacerdotes do lar para idosos, na Páscoa e no Natal, e pensei: depois do almoço vou lá. E assim fiz. Entrei na basílica, não havia ninguém, o caixão estava aberto. Duas velhinhas recitavam o Terço. Aproximei-me do caixão. Não havia flores. “Mas tu, que perdoaste os pecados de todos... Assim?”. Saí à rua, há alguns floristas, comprei flores e voltei. E enquanto colocava as flores, vi o Rosário e tive uma grande tentação e caí: furtei-lhe o Crucifixo do Terço. Ele foi-se sem o Crucifixo. Naquele momento eu disse: “Dá-me metade da tua misericórdia”, pensando em Elias e Eliseu, e em toda aquela história. Pedi-lhe a graça. Tenho aquela cruz aqui dentro, sempre comigo, e peço ao Senhor que me dê misericórdia. Gostaria de partilhar isto.

O outro é um capuchinho, hoje com 96 anos, um grande confessor. Continua a trabalhar! Está no Santuário de Nossa Senhora de Pompeia, em Buenos Aires. Há sempre uma fila diante do confessionário: leigos, leigas, sacerdotes, bispos, religiosas, jovens, idosos, pobres, ricos, todos. Um verdadeiro rio de pessoas. E este homem veio ver-me aqui, no início do Pontificado, porque havia um congresso. Na altura em que eu era arcebispo, este homem tinha 86-87 anos, veio ter comigo e disse: “Tira-me esta minha tortura” — “Porquê?” — “Mas sabes que perdoo sempre, perdoo tudo, perdoo demais” — “É por isso que as pessoas te procuram” — “Sim, mas às vezes tenho escrúpulo” — “E diz-me, o que fazes quando sentes escrúpulo por ter perdoado demasiado?” — “Vou à capela, peço perdão ao Senhor e digo: “Senhor, perdoa-me, hoje perdoei demais”. Mas imediatamente sinto algo dentro de mim: “Mas tem cuidado Senhor, pois foste Tu que me deste o mau exemplo”.

São testemunhos de grandes confessores. Encontrei o superior-geral dos capuchinhos há alguns meses e ele disse-me: “Diga-me Santo Padre, se quiser, trago-lhe aqui o seu amigo confessor”. Como se sabe, até o Papa tem necessidade de ser perdoado por coisas más que não consegue dizer aos outros. É bonito, um bom testemunho. Tendes diante de vós o testemunho de grandes confessores, de quem sabe perdoar bem, com sentido de Igreja, com justiça e com grande amor. Com grande amor!

Aproxima-se o Jubileu de 2025. Aproveito esta ocasião para convidar desde já a Penitenciaria, a cujos cuidados é confiado, por assim dizer, o “núcleo profundo” de cada Jubileu, a dispor, de acordo com os outros organismos concernidos, o que for necessário para tornar o próximo Ano Santo o mais fecundo possível. E encorajo-vos a recorrer a toda a criatividade que o Espírito sugere, a fim de que a misericórdia de Deus chegue a toda a parte e a todos: perdão e indulgência!

E obrigado pelo vosso serviço à Misericórdia divina, sob a doce proteção de Maria, Refúgio dos pecadores. Ela é Mãe e procura sempre salvar os filhos. Quando tiverdes dúvidas, pensai na Mãe, como reza uma lenda de aldeia da chamada “Madonna dei Mandarini”, denominada também padroeira dos malfeitores. No sul da Itália há uma lenda segundo a qual Nossa Senhora perdoa tudo e salva quem quer que reze a Ela. E diz-se que da janela Nossa Senhora olha para a fila que há diante da porta do Paraíso. E São Pedro julga quem entra e quem não entra. E quando Nossa Senhora descobre um dos seus devotos, faz-lhe um sinal para se esconder, porque São Pedro certamente não o deixará entrar. E depois, mais tarde, quando começa a escurecer, antes do anoitecer, Nossa Senhora fá-lo entrar pela janela. Orai a Nossa Senhora a fim de que vos conceda um coração paterno e até materno, para perdoar e integrar as pessoas na Igreja. Ela é o Refúgio dos pecadores!

Abençoo todos vós de coração. E, por favor, lembrai-vos de rezar também por mim, porque hoje também eu me devo confessar. Obrigado!