Mensagem papal assinada pelo cardeal Parolin ao Fórum mundial da água

Sede de paz

 Sede de paz  POR-013
29 março 2022

Gerir os recursos hídricos «de modo sustentável e com instituições eficientes e solidárias constitui uma contribuição para a paz», realçou o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, na mensagem enviada em nome do Papa Francisco aos participantes no 9º Fórum mundial da água, que teve lugar em Dakar. Publicamos o texto, lido a 21 de março pelo cardeal Michael Czerny, prefeito “ad interim” do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral.

Em nome do Papa Francisco, gostaria de transmitir as minhas cordiais saudações a todos os participantes reunidos no 9º Fórum Mundial da Água, cujo tema é A segurança da água para a paz e o desenvolvimento. É bom frisar a importância desta questão, pois são numerosos os desafios atuais e futuros, com ela relacionados, para a nossa humanidade.

O nosso mundo tem sede de paz, deste bem indivisível que exige o esforço e a contribuição constantes de todos e que se baseia sobretudo na satisfação das necessidades essenciais e vitais de cada pessoa humana.

Hoje, a segurança da água é ameaçada por uma série de fatores, em especial a poluição, os conflitos, as mudanças climáticas e a exploração abusiva dos recursos naturais. Portanto, a água é um bem precioso para a paz. Por isso, não pode ser considerada simplesmente um bem privado, gerador de lucro comercial, sujeito às leis do mercado.

Além disso, o direito à água potável e ao saneamento está intimamente ligado ao direito à vida, enraizado na dignidade inalienável da pessoa humana, e constitui uma condição para o exercício dos outros direitos humanos. Com efeito, o acesso à água e ao saneamento é um «direito humano essencial, fundamental e universal, pois determina a sobrevivência das pessoas». Consequentemente, o mundo tem «uma grave dívida social em relação aos pobres que não têm acesso à água potável»,1 mas também a todos aqueles para quem as fontes tradicionais de água potável foram poluídas a ponto de se tornar perigosas, destruídas pelas armas e inutilizadas, ou então secas devido à má gestão florestal.

Atualmente, mais de dois biliões de pessoas vivem desprovidas do acesso à água potável e/ou saneamento. Pensemos em todas as consequências concretas que isto pode ter, particularmente para os doentes nos centros de saúde, para as mulheres que dão à luz, para os prisioneiros, os refugiados e os deslocados.

Dirijo um apelo a todos os responsáveis e líderes políticos e económicos, às várias administrações e a quantos podem orientar a investigação, os financiamentos, a educação e a exploração dos recursos naturais e em particular da água, a fim de que tenham a peito servir dignamente o bem comum, com determinação, integridade e espírito de cooperação.2

Realçamos também que «enfrentar a escassez de água e melhorar a gestão dos recursos hídricos, particularmente por parte das comunidades, pode contribuir para criar maior coesão social e solidariedade»,3 para iniciar processos,4 para criar vínculos. Com efeito, a água é para nós um dom de Deus e uma herança comum, cujo destino universal deve ser assegurado a todas as gerações.

Além disso, sabe-se que «a água doce, tanto de superfície como subterrânea, é em grande parte transfronteiriça. [Por conseguinte]... que condições de paz se alcançariam, se os países pudessem cooperar neste campo em várias partes do mundo em maior medida do que hoje... A presença de comprovados mecanismos de cooperação transfronteiriça no campo hídrico é uma contribuição importante para a paz e a prevenção de conflitos armados».5 A este propósito, como deixar de pensar no rio Senegal, mas também no Níger, no Nilo e noutros grandes rios que atravessam muitos países? Em todas estas situações, a água deve tornar-se símbolo de hospitalidade e bênção, motivo de encontro e colaboração que faça crescer a confiança mútua e a fraternidade.

Recordemos que «na origem daquilo a que, em sentido cósmico, chamamos “natureza”, existe um desígnio de amor e verdade [e que] o mundo não é o produto de uma necessidade, destino cego ou acaso».6 Gerir a água de modo sustentável e com instituições eficientes e solidárias não constitui uma contribuição apenas para a paz; é também uma forma de reconhecer este dom da criação que nos foi confiado, para que juntos possamos cuidar dele.

O Papa Francisco assegura-vos as suas orações a fim de que este Fórum Mundial da Água seja uma ocasião para trabalhar em conjunto em vista da realização do direito à água potável e ao saneamento para cada pessoa humana, e que assim contribua para fazer da água um verdadeiro símbolo de partilha, diálogo construtivo e responsável em prol de uma paz duradoura, porque edificada sobre a confiança.7

Cardeal Pietro Parolin

Secretário de Estado
de Sua Santidade

1) Encíclica Laudato si’, n. 30.

2) Cf. Discurso aos participantes no 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 5 de novembro de 2016; Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral, Aqua fons vitae, n. 107.

3) Aqua fons vitae, n. 26.

4) Cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 223.

5) Aqua fons vitae, n. 27.

6) Bento xvi, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 2010, n. 6.

7) São João xxiii , Encíclica Pacem in terris, n. 113.