Apelo do Papa na mensagem para as Jornadas sociais católicas europeias

Impedir a guerra e a imensa tragédia humanitária

 Impedir a guerra  e a imensa tragédia humanitária   POR-013
29 março 2022

Permanecendo ao lado de quem sofre na Ucrânia, não deixemos de fazer todas as tentativas para pôr fim à guerra e à imensa tragédia humanitária. O Papa Francisco renovou este apelo e esta oração na sua mensagem a D. Gintaras Grušas, arcebispo de Vilnius e presidente do ccee, por ocasião da inauguração das Jornadas sociais católicas europeias, que tiveram lugar em Bratislava de 17 a 20 de março, sobre o tema «A Europa para além da pandemia: um novo início».

Ao amado Irmão

D. Gintaras Grušas

Arcebispo de Vilnius
e Presidente do ccee

Por ocasião da terceira edição das Jornadas Sociais Católicas Europeias, organizadas pelo ccee , com a comece e a Conferência Episcopal Eslovaca em Bratislava, de 17 a 20 de março, gostaria de lhe dirigir, prezado Irmão, bem como a todos os participantes, a minha cordial saudação.

O que vivemos nestas últimas semanas não é o que esperávamos após a difícil emergência sanitária causada pela pandemia, que nos fez experimentar um sinal de impotência e medo, com a condição de fragilidade da nossa existência. A tragédia da guerra no coração da Europa deixa-nos perplexos; nunca pensamos que voltaríamos a ver tais cenas, reminiscências das grandes guerras do século passado. O angustiante grito de socorro dos nossos irmãos e irmãs ucranianos, que nos exorta como comunidade de fiéis não só a refletir seriamente, mas também a chorar com eles e a fazer algo por eles, a partilhar a angústia de um povo cujas identidade, história e tradição foram feridas. O sangue e as lágrimas de crianças, o sofrimento de mulheres e homens que defendem a sua terra ou que fogem de bombas abalam a nossa consciência. Mais uma vez a humanidade é ameaçada por um perverso abuso do poder e interesses de parte, que condena as pessoas indefesas a sofrer todas as formas de violência brutal.

Agradeço a todos vós, caros Irmãos do episcopado, pela vossa resposta solícita e coral de socorro àquela população, garantindo-lhe ajuda material, abrigo e hospitalidade. Não nos cansemos disto, e não deixemos de invocar a paz de Deus e dos homens. Por conseguinte, exorto-vos a continuar a rezar para que quantos detêm o destino das Nações não deixem de fazer todas as tentativas para impedir a guerra e abrir um diálogo construtivo para pôr fim à imensa tragédia humanitária que ela provoca.

Hoje, mais do que nunca, é urgente rever o estilo e a eficácia da ars politica. Face às numerosas mudanças a que assistimos a nível internacional, temos o dever de «tornar possível o desenvolvimento de uma comunidade mundial, capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social» (Fratelli tutti, n. 154). Neste sentido a guerra, que «deixa o mundo pior» e é «um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal» (n. 261), pode suscitar uma reação contrária, o compromisso de recriar uma arquitetura de paz a nível global (cf. n. 231), em que a casa europeia, nascida para garantir a paz depois das guerras mundiais, desempenhe um papel fundamental.

O título que escolhestes para estas Jornadas, A Europa para além da pandemia: um novo início, convida a refletir sobre a transição em ato na sociedade europeia. Este tempo, ainda condicionado pela pandemia, provocou consideráveis mudanças sociais, económicas, culturais e até eclesiais. Nesta situação marcada pelo sofrimento, os receios cresceram, a pobreza aumentou e a solidão multiplicou-se; enquanto muitos perderam o trabalho e vivem precariamente, a forma de se relacionar com os outros mudou para todos. Neste contexto, nem sequer a vida da Igreja foi poupada de muitas dificuldades, especialmente devido à limitação das atividades pastorais.

Não podemos ficar de braços cruzados; como cristãos e cidadãos europeus, somos chamados a atuar corajosamente o que um dos grandes pais fundadores da Comunidade europeia, Alcide De Gasperi, disse falando do «bem comum das nossas pátrias europeias, da nossa pátria Europa» (Discurso na conferência parlamentar europeia, 21 de abril de 1954). Sim, a Europa e as Nações que a compõem não se opõem umas às outras, e construir o futuro não significa unificar, mas unir ainda mais no respeito pela diversidade. Para os cristãos, reconstruir a casa comum significa «tornar-se artesãos de comunhão, tecelões de unidade a todos os níveis: não com estratégias, mas com o Evangelho» (Homilia na missa com o ccee , 23 de setembro de 2021). Em síntese, devemos recomeçar a partir do próprio coração do Evangelho: Jesus Cristo e o seu amor que salva. Este é o anúncio sempre novo que devemos levar ao mundo, em primeiro lugar através do testemunho de vidas que mostrem a beleza do encontro com Deus e do amor ao próximo.

Isto é bem expresso pela imagem que escolhestes como emblema para estas Jornadas: a de São Martinho de Tours que divide o seu manto em duas partes para o oferecer a um pobre. Ela lembra-nos que o amor é proximidade concreta, partilha, atenção aos outros. Quem ama supera o medo e a desconfiança em relação a quantos vêm às nossas fronteiras em busca de uma vida melhor: se acolher, proteger, acompanhar e integrar tantos irmãos e irmãs que fogem de conflitos, fome e pobreza é legítimo e humano, é-o ainda mais cristão. Transformemos os muros ainda presentes na Europa em portas de acesso ao seu acervo de história, fé, arte e cultura; promovamos o diálogo e a amizade social, para que cresça uma convivência humana assente na fraternidade.

Estimado Irmão, confio o vosso trabalho à intercessão maternal da Mãe da Igreja e Rainha da Paz, e ao amparo das Santas e Santos padroeiros da Europa. Abençoo-vos de coração e peço-vos, por favor, que continueis a rezar por mim.

Roma, São João de Latrão,
15 de março de 2022.

Francisco