Apresentação da constituição apostólica «Praedicate Evangelium»
O cardeal Marcello Semeraro

O princípio inspirador
da missionariedade

 O princípio inspirador  da missionariedade  POR-012
22 março 2022

A Constituição apostólica “Praedicate Evangelium” sobre a Cúria Romana e o seu serviço à Igreja no mundo, assinada pelo Papa Francisco a 19 de março, foi apresentada na manhã do dia 21 em streaming na sala de Imprensa da Santa Sé. Com a sua entrada em vigor — prevista para 5 de junho, solenidade de Pentecostes — a Constituição apostólica “Pastor Bonus” será totalmente revogada e substituída, completando assim a reforma da Cúria romana. Intervieram o cardeal Marcello Semeraro, prefeito da Congregação para as causas dos santos e ex-secretário do Conselho de cardeais instituído para ajudar o Santo Padre no governo da Igreja universal e para estudar um projeto de revisão da precedente Constituição apostólica; o bispo Marco Mellino, atual secretário do mesmo Conselho de cardeais; e o sacerdote jesuíta Gianfranco Ghirlanda, reitor emérito da Pontifícia Universidade Gregoriana, onde ensinou na Faculdade de Direito canónico. Publicamos a seguir a intervenção do prefeito da Congregação para as causas dos santos.

A missionariedade é o princípio eclesiológico inspirador que está na base da Constituição apostólica Praedicate Evangelium, que chega no final de um processo iniciado há nove anos e após as duas reformas curiais anteriores: a de 1967, desejada por São Paulo vi com a Constituição apostólica Regimini Ecclesiae universae, e a de 1998, indicada por São João Paulo ii com outra Constituição apostólica, Pastor Bonus. Sublinhou-o no seu discurso o cardeal Marcello Semeraro, prefeito da Congregação para as causas dos santos e ex-secretário do Conselho de cardeais. Referindo-se constantemente ao Concílio Vaticano ii, o purpurado recordou o discurso proferido pelo Papa Francisco a 28 de julho de 2013, durante a sua viagem ao Rio de Janeiro para a 28ª Jornada mundial da juventude. Naquela ocasião, reunido com os bispos responsáveis pelo Conselho episcopal latino-americano (celam), o Pontífice distinguiu duas dimensões da missão: uma programática e outra paradigmática. A primeira «consiste em realizar atos de natureza missionária», enquanto que a segunda «exige que as atividades habituais das Igrejas particulares sejam postas em chave missionária».

Este princípio, sublinhou o cardeal Semeraro, foi explicitado também na Exortação apostólica Evangelii gaudium, de novembro de 2013: assim, com ela «o Papa confiou à Igreja a sua esperança de que todas as comunidades trabalhem ativamente “para avançar no caminho da conversão pastoral e missionária”» que, portanto, deve ser lido na perspetiva da «reforma». Quanto ao título da Constituição apostólica, Praedicate Evangelium, divulgado pela sala de Imprensa da Santa Sé a 25 de abril de 2018, o prefeito da Congregação para as causas dos santos frisa que ele reitera «a proclamação do Evangelho e do espírito missionário como perspetiva caraterística da atividade de toda a Cúria».

Mas além da missionariedade, entre os princípios inspiradores do novo documento está também a sinodalidade, um conceito muito recorrente hoje, mas que surgiu já em novembro de 2014, durante um encontro entre os chefes de Dicastérios e o próprio Pontífice: «Naquele contexto», esclareceu o purpurado, «afirmou-se que a sinodalidade entre os Dicastérios deve ser considerada muito importante e deveria desenvolver-se na Cúria como uma verdadeira cultura, coadjuvada por um sistema de comunicação que nos permite saber o que os outros fazem para evitar a duplicação de atividades e programas».

Também é fundamental compreender que «a reforma é uma dimensão constitutiva da Igreja, de cada Igreja, precisamente porque se trata da Igreja de Cristo, que é a “forma” e o “formador” da Igreja, num dinamismo espiritual que faz dele um re-formador perene da sua esposa». «A reforma — continua — é uma instância fundamentalmente espiritual e constitutiva da Igreja, que se expressa inclusive mediante reformas. Também para Francisco: quando fala da “reforma da Cúria romana”, nunca o faz prescindindo da reformatio Ecclesiae».

Além disso, como foi indicado pelo Papa no seu discurso à Cúria romana no dia 22 de dezembro de 2016, a reforma deve aderir a doze critérios orientadores: individualidade; pastoralidade; missionariedade; racionalidade; funcionalidade; modernidade; sobriedade; subsidiariedade; sinodalidade; catolicidade; profissionalismo; gradualismo. Este último, em particular, frisa o cardeal Semeraro, volta ao princípio enunciado pelo Papa na Evangelii gaudium, segundo o qual «o tempo é superior ao espaço», o que «torna possível trabalhar a longo prazo, sem a obsessão de resultados imediatos», tendo o cuidado de «iniciar processos, mais do que possuir espaços».

A ênfase na subsidiariedade e na descentralização é também fundamental: a primeira realça que «toda a atividade social é por sua natureza subsidiária; deve servir de apoio aos membros do corpo social, e nunca destruí-los nem absorvê-los». O segundo, por outro lado, recorda que «a Cúria romana não é apenas instrumento ao serviço do Pontífice Romano, mas também instrumento de serviço para as Igrejas particulares».

O cardeal recordou ainda «outro princípio importante seguido no processo de reforma da Cúria romana», nomeadamente o da tradição, que é «o princípio da fidelidade à história e da continuidade com o passado» e que deve ser equilibrado com «o princípio da inovação». Com efeito, enquanto o primeiro evita pensar de modo «ambíguo» numa reforma que «desvirtuaria todo o sistema curial», o segundo visa um desenvolvimento significativo do papel dos leigos. Emblemática, neste sentido, para o cardeal Semeraro é a escolha como prefeito do Dicastério para a Comunicação de um fiel leigo, Paolo Ruffini, nomeado a 5 de julho de 2018: «Uma decisão não improvisada pelo Papa; pelo contrário, estudada especialmente com a contribuição das autoridades em matéria» e com um precedente significativo, já durante o pontificado de Paulo vi que, com o Motu proprio Pro comperto sane supera, «o princípio seguido ininterruptamente desde o tempo da reforma de Sisto v (1588) segundo o qual os dicastérios romanos, na sua composição, estavam ligados ao colégio cardinalício e, portanto, funcionavam unicamente como congregationes cardinaliu», sem a presença de bispos. Do mesmo modo, a decisão de abandonar o termo “Congregação” a favor de “Dicastério”, um termo leigo, sugere que «em princípio, todos os batizados podem ocupar o cargo de presidente: clérigos, pessoas de vida consagrada, fiéis leigos».

O cardeal prefeito salienta também o princípio da «concentração no que é realmente necessário para a Igreja universal. Trata-se de um princípio que também se poderia chamar “simplificação” e que já sugeriu a incorporação dos precedentes Pontifícios conselhos com alguns Dicastérios e também com algumas outras realidades curiais».

Concluindo, no que se refere ao preâmbulo da Constituição apostólica, o cardeal salientou que ele oferece uma chave útil para a leitura de todo o documento. Efetivamente, composto por doze números, o preâmbulo destaca, na sua parte conclusiva, o significado da reforma da Cúria romana, ao longo de «passagens progressivas que recordam o caminho das quatro semanas de Exercícios espirituais, onde a primeira corresponde ao chamado “caminho purgativo” (deformata reformare), a segunda ao chamado “caminho luminoso” (reformata conformare), e a terceira e quarta semanas ao “caminho unitivo” (conformata confirmare e confirmata transformare). Nestas passagens a palavra “forma”, com os diferentes significados denotados pelos vários prefixos, tem o significado de se deixar moldar por Deus, como Ele fez no princípio com Adão».

Por isso, «o primeiro eco que a palavra “reforma” suscita na alma de Francisco é uma reforma da própria vida» e «é muito mais do que qualquer mudança estrutural». Com efeito, trata-se de «agir de tal forma que a Igreja, até na passagem do tempo e nas mudanças da história, preserve a sua transparência (sacramentalidade) em relação ao plano de Deus, que a faz existir e nela habita».

Por outro lado, já a 10 de novembro de 2015, em Florença, no v Congresso nacional da Igreja italiana, o Pontífice afirmou: «A reforma da Igreja não acaba com mais um plano para mudar as estruturas. Ao contrário, significa enxertar-se e enraizar-se em Cristo, deixando-se conduzir pelo Espírito. Então tudo será possível com genialidade e criatividade».