O cardeal Grech e o arcebispo You Heung Sik escreveram uma carta aos sacerdotes

O caminho sinodal mostra uma Igreja hospitaleira

22 março 2022

Caros Sacerdotes!

Eis-nos aqui, dois irmãos vossos, também sacerdotes! Podemos pedir-vos um momento?

Gostaríamos de falar-vos sobre um tema que interessa a todos nós.

“A Igreja de Deus é convocada em Sínodo”. Começa com estas palavras o documento preparatório para o Sínodo de 2021-2023. Durante dois anos todo o Povo de Deus é convidado a refletir sobre o tema Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Trata-se de uma novidade que pode suscitar entusiasmo e também perplexidade.

No entanto, «no primeiro milénio, “caminhar juntos”, isto é, praticar a sinodalidade, era o modo usual de proceder da Igreja». O Concílio Vaticano ii trouxe à luz esta dimensão da vida eclesial, tão importante que São João Crisóstomo pôde afirmar: «Igreja e Sínodo são sinónimos» (Explicatio in Psalmum, 149).

Sabe-se que o mundo de hoje precisa urgentemente de fraternidade. Sem perceber, anseia por encontrar Jesus, mas como fazer esse encontro acontecer? Devemos o Espírito com todo o Povo de Deus, para renovar a nossa fé e encontrar caminhos e linguagens novos para compartilhar o Evangelho com os nossos irmãos e irmãs. O processo sinodal que o Papa Francisco nos propõe tem precisamente este objetivo: colocar-nos a caminho, juntos, na escuta recíproca, na partilha de ideias e projetos, para mostrar o verdadeiro rosto da Igreja: uma “casa” hospitaleira, de portas abertas, habitada pelo Senhor e animada por relações fraternas.

Para não cairmos nos riscos apontados pelo Papa Francisco — ou seja, o formalismo que reduz o Sínodo a um slogan vazio, o intelectualismo, que faz do Sínodo urna reflexão teórica sobre problemas e a inação, que nos prende à segurança de nossos hábitos para que nada mude — é importante abrir o coração e escutar o que o Espírito sugere às Igrejas (cf. Ap 2, 7).

Evidentemente, diante desse caminho, os medos podem assaltar-nos.

Em primeiro lugar, sabemos que os sacerdotes em muitas partes do mundo já carregam urna grande carga pastoral. E agora — pode parecer — adiciona-se outra coisa “para fazer”. Mais do que convidar-vos a multiplicar as suas atividades, queremos encorajar-vos a olhar para vossas comunidades com aquele olhar contemplativo de que nos fala o Papa Francisco na Evangelii gaudium (n. 71) para descobrir os muitos exemplos de participação e partilha que já germinam nas vossas comunidades. A atual fase diocesana do processo sinodal visa, com efeito, «recolher a riqueza das experiências da sinodalidade vivida» (Doc. prep., n. 31). Temos a certeza de que são muito mais do que parece à primeira vista, talvez até informais e espontâneas. Em todos os lugares em que nos ouvimos profundamente, aprendemos uns com os outros, valorizamos os dons dos outros, ajudamos uns aos outros e tomamos decisões juntos, já existe a sinodalidade em ato. Tudo isso deve ser levado em consideração e valorizado, para desenvolver cada vez mais aquele estilo sinodal que é «o especifico modus vivendi et operandi da Igreja, Povo de Deus» (Doc. prep., n. 10).

Mas também pode haver outro temor: se o sacerdócio comum dos batizados e o sensus fidei do Povo de Deus forem tão enfatizados, o que será do nosso papel de liderança e nossa identidade específica como ministros ordenados? Trata-se, sem dúvida, de descobrir cada vez mais a igualdade fundamental de todos os batizados e de encorajar todos os fiéis a participar ativamente do caminho e da missão da Igreja. Assim teremos a alegria de estar ao lado de irmãos e irmãs que compartilham a nossa responsabilidade pela evangelização. Mas nesta experiência de Povo de Deus poderá e deverá vir à tona, de modo novo, também o peculiar carisma dos ministros ordenados de servir, santificar e animar o Povo de Deus.

Neste sentido, gostaríamos de vos pedir uma tripla contribuição para o atual processo sinodal:

— Fazer todo o possível para que o caminho se baseie na escuta e na vivência da Palavra de Deus. O Papa Francisco assim nos exortou recentemente: «Apaixonemo-nos pela Sagrada Escritura, deixemo-nos escavar dentro pela Palavra, que desvela a novidade de Deus e porta a amar os outros sem se cansar» (Francisco, Homilia para o Domingo da Palavra de Deus, 23 de janeiro de 2022).

Sem esse enraizamento na vivência da Palavra, correríamos o risco de andar às escuras e as nossas reflexões poderiam transformar-se em ideologia. Ao contrário, baseando-nos na prática da Palavra, construiremos a casa sobre a rocha (cf. Mt 7, 24-27) e poderemos experimentar, corno os discípulos de Emaús, a luz e a orientação surpreendente do Ressuscitado.

— Trabalhar para que o caminho seja caraterizado pela mútua escuta e a recíproca aceitação. Antes mesmo dos resultados concretos, o diálogo profundo e o verdadeiro encontro já são um valor. Com efeito, são muitas as iniciativas e potencialidades nas nossas comunidades, mas muitas vezes indivíduos e grupos correm o risco do individualismo e da autorreferencialidade. Com o seu mandamento novo, Jesus recorda-nos que «nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35). Como pastores podemos fazer muito para que o amor recupere as relações e cure as lacerações que muitas vezes atingem também o tecido eclesial, para que retorne a alegria de nos sentirmos corno uma família, um só povo a caminho, filhos do mesmo Pai e, portanto, irmãos entre nós, começando pela fraternidade entre nós, sacerdotes.

— Cuidar para que o caminho não nos leve à introspecção, mas nos estimule a sair ao encontro de todos. O Papa Francisco, na Evangelii gaudium, nos deu o sonho de uma Igreja que não tem medo de sujar as mãos envolvendo-se nas feridas da humanidade, uma Igreja que caminha na escuta e ao serviço dos pobres e das periferias. Este dinamismo “em saída” ao encontro dos irmãos, com a bússola da Palavra e o fogo da caridade, realiza o grande desígnio originai do Pai: «Para que todos sejam um só!» (Jo 17, 21). Na sua ultima Encíclica Fratelli tutti, o Papa Francisco pede que nos comprometamos com os nossos irmãos e irmãs de outras Igrejas, os fiéis de outras religiões e todas as pessoas de boa vontade: fraternidade universal e amor sem exclusões, que tudo e todos devem abraçar. Como servos do Povo de Deus, estamos numa posição privilegiada para garantir que esta não permaneça uma orientação vaga e genérica, mas que se concretize onde vivemos.

Caríssimos irmãos sacerdotes, temos a certeza de que a partir destas prioridades encontrareis um modo de dar vida a iniciativas concretas, segundo as necessidades e as possibilidades, porque a sinodalidade é verdadeiramente o chamado de Deus para a Igreja do terceiro milénio. Caminharmos nesta direção não será isento de questionamentos, fatigas e suspeitas, mas podemos confiar que nos dará o cêntuplo em fraternidade e nos frutos da vida evangélica. Basta pensar no primeiro Sínodo de Jerusalém (At 15). Quem sabe quanta fatiga havia nos bastidores! Mas sabemos quão decisivo foi aquele momento para a Igreja nascente!

Concluímos esta nossa carta com duas passagens do documento preparatório que nos poderão inspirar e acompanhar quase como um Vade-mécum.

«A capacidade de imaginar um futuro diferente para a Igreja e para as suas instituições, à altura da missão recebida, depende em grande parte da escolha de encetar processos de escuta, dialogo e discernimento comunitário, em que todos e cada um possam participar e contribuir» (n. 9).

«Recordamos que o objetivo do Sínodo, e por conseguinte desta consulta, não consiste em produzir documentos, mas em fazer germinar sonhos, suscitar profecias e visões, fazer florescer a esperança, estimular confiança, faixar feridas, entrançar relações, ressuscitar uma aurora de esperança, aprender uns dos outros e criar um imaginário positivo que ilumine as mentes, aqueça os corações, restitua força às mãos» (n. 32).

Agradecendo a vossa atenção, garantimos-vos as nossas orações e desejamos a vós e às vossas comunidades um alegre e frutífero caminho sinodal. Sabei que estamos próximos e a caminho convosco! E, através de nós, recebei a gratidão do Papa Francisco que também vos sente muito próximos. Confiando cada um de vós à Bem-Aventurada Virgem Maria do Bom Caminho, saudamos-vos cordialmente no Senhor Jesus!