O sentido e o valor da velhice

Não só planos de assistência mas projetos de existência para os idosos

 Não só planos de assistência  mas projetos de existência para os idosos  POR-009
01 março 2022

«Para uma idade que abrange um terço de toda a vida existem planos assistenciais, mas não projetos de existência» dedicados aos idosos. «E isto é um vazio de pensamento, de imaginação, de criatividade», frisou o Papa inaugurando um novo ciclo de reflexões sobre o significado e o valor da velhice na audiência geral de quarta-feira 23 de fevereiro, na sala Paulo vi , após a série dedicada a São José. A seguir, o texto da catequese proferida pelo Pontífice.

Estimados irmãos e irmãs
bom dia!

Concluímos as catequeses sobre São José. Hoje iniciamos um percurso de catequeses que procura inspiração na Palavra de Deus sobre o sentido e o valor da velhice. Reflitamos sobre a velhice. Há já algumas décadas que esta idade da vida diz respeito a um verdadeiro “novo povo” que são os idosos. Nunca antes fomos tão numerosos na história da humanidade. O risco de ser descartados é ainda mais frequente: nunca fomos tão numerosos como agora, nunca houve um risco tão grande como agora de sermos descartados. Os idosos são frequentemente vistos como “um peso”. Na dramática primeira fase da pandemia, foram eles que pagaram o preço mais elevado. Já eram a parte mais débil e negligenciada: não olhávamos muito para eles quando eram vivos, nem sequer os vimos morrer. Encontrei também esta Carta para os direitos dos idosos e os deveres da comunidade: foi editada pelos governos, não foi editada pela Igreja, é uma coisa laica: é boa, é interessante, para saber que os idosos têm direitos. Fará bem lê-la.

Juntamente com a migração, a velhice é uma das questões mais urgentes que a família humana é chamada a enfrentar atualmente. Não se trata apenas de uma mudança quantitativa; o que está em jogo é a unidade das idades da vida: ou seja, o verdadeiro ponto de referência para a compreensão e a apreciação da vida humana na sua totalidade. Perguntemo-nos: existe amizade, existe aliança entre as diferentes idades da vida, ou prevalece a separação e o descarte?

Todos vivemos num presente em que coexistem crianças, jovens, adultos e idosos. Mas a proporção mudou: a longevidade tornou-se massa e, em grandes partes do mundo, a infância é distribuída em pequenas doses. Falámos também sobre o inverno demográfico. Um desequilíbrio que tem muitas consequências. A cultura dominante tem como único modelo o jovem-adulto, isto é, um indivíduo que se faz por si mesmo e que permanece sempre jovem. Mas será verdade que a juventude contém o sentido pleno da vida, enquanto a velhice representa simplesmente o seu esvaziamento e perda? Será verdade? Será que só a juventude contém o sentido pleno da vida, e a velhice é o esvaziamento da vida, a perda da vida? A exaltação da juventude como única idade digna de encarnar o ideal humano, unida ao desprezo pela velhice vista como fragilidade, degradação ou deficiência, foi o ícone dominante dos totalitarismos do século xx . Já nos esquecemos disto?

O prolongamento da vida incide de maneira estrutural sobre a história dos indivíduos, das famílias e das sociedades. Mas devemos perguntar-nos: a sua qualidade espiritual e o seu sentido comunitário são objeto de pensamento e de amor coerentes com este facto? Talvez os idosos devam pedir desculpa pela sua obstinação em sobreviver à custa dos outros? Ou podem ser honrados pelos dons que trazem ao sentido da vida de todos? De facto, na representação do sentido da vida — e precisamente nas chamadas culturas “desenvolvidas” — a velhice tem pouca incidência. Porquê? Porque é considerada uma idade que não tem qualquer conteúdo específico para oferecer, nem significado próprio para viver. Além disso, há uma falta de incentivo para que as pessoas os procurem, e uma falta de educação para que a comunidade os reconheça. Em suma, para uma idade que é agora uma parte determinante do espaço comunitário e se estende a um terço de toda a vida, existem — por vezes — planos de assistência, mas não projetos de existência. Planos de assistência, sim, mas não projetos para os fazer viver em plenitude. E isto é um vazio de pensamento, de imaginação, de criatividade. Por detrás deste pensamento, o que faz o vazio é que o idoso, a idosa, são material de descarte: nesta cultura do descarte, os idosos entram como material de descarte.

A juventude é bela, mas a eterna juventude é uma alucinação muito perigosa. Ser ancião é tão importante — e belo — exatamente importante como ser jovem. Lembremo-nos disto. A aliança entre as gerações, que restitui ao humano todas as idades da vida, é a nossa dádiva perdida e devemos recuperá-la. Deve ser encontrada novamente, nesta cultura do descarte e nesta cultura da produtividade.

A Palavra de Deus tem muito a dizer sobre esta aliança. Há pouco ouvimos a profecia de Joel: «Os vossos anciãos terão sonhos, os vossos jovens terão visões» (3, 1). Pode ser interpretado da seguinte forma: quando os idosos resistem ao Espírito, enterrando os seus sonhos no passado, os jovens já não conseguem ver as coisas que devem ser feitas para abrir o futuro. Quando, pelo contrário, os idosos comunicam os seus sonhos, os jovens veem claramente o que devem fazer. Os jovens que já não questionam os sonhos dos idosos, focalizando de cabeça baixa visões que não vão além dos seus narizes, terão dificuldade em carregar o seu presente e suportar o seu futuro. Se os avós voltarem a cair nas suas melancolias, os jovens fechar-se-ão ainda mais com os seus smartphones. O ecrã pode permanecer ligado, mas a vida apagar-se-á antes do tempo. Não consiste precisamente a mais grave repercussão da pandemia no desorientamento dos jovens? Os idosos têm recursos de vida já vivida aos quais podem recorrer a qualquer momento. Ficarão parados a ver os jovens perderem a visão, ou acompanhá-los-ão aquecendo os seus sonhos? Perante os sonhos dos idosos, o que farão os jovens?

A sabedoria do longo caminho que acompanha a velhice à sua despedida deve ser vivida como uma oferta de sentido para a vida, não consumida como a inércia da sua sobrevivência. Se a velhice não for restituída à dignidade de uma vida humanamente digna, está destinada a fechar-se num desânimo que rouba a todos o amor. Este desafio de humanidade e de civilização requer o nosso empenho e a ajuda de Deus. Peçamo-lo ao Espírito Santo. Com estas catequeses sobre a velhice, gostaria de encorajar todos a investirem os seus pensamentos e afetos nos dons que ela tem em si e proporciona às outras idades da vida. A velhice é um presente para todas as idades da vida. É um dom de maturidade, de sabedoria. A Palavra de Deus ajudar-nos-á a discernir o sentido e o valor da velhice; que o Espírito Santo nos conceda também os sonhos e as visões de que necessitamos. E gostaria de salientar, como ouvimos na profecia de Joel no início, que o importante não é apenas que o idoso ocupe o lugar da sabedoria que tem, de história vivida na sociedade, mas também que haja um diálogo, que fale com os jovens. Os jovens devem dialogar com os idosos, e os idosos com os jovens. E esta ponte será a transmissão de sabedoria à humanidade. Espero que estas reflexões sejam úteis para todos nós, para levar por diante esta realidade que o profeta Joel dizia, que no diálogo entre jovens e idosos, os anciãos possam oferecer sonhos e os jovens possam recebê-los e levá-los por diante. Não esqueçamos que tanto na cultura familiar como na social os idosos são as raízes da árvore: têm toda a história ali, e os jovens são como as flores e os frutos. Se o sumo não vier, se não tiver este “soro” — digamos — das raízes, nunca poderão florescer. Não esqueçamos aquele poeta que já citei muitas vezes: “Tudo o que a árvore tem de florescido vem do que está enterrado” (Francisco Luis Bernárdez). Tudo o que uma sociedade tem de bom está relacionado com as raízes dos idosos. Por esta razão, nestas catequeses gostaria que a figura do idoso fosse posta em evidência, que se compreendesse bem que o ancião não é um material de descarte: é uma bênção para a sociedade.