É triste que povos que se orgulham de ser cristãos pensem em fazer guerra

22 fevereiro 2022

«Como é triste quando pessoas e povos que se orgulham de ser cristãos veem os outros como inimigos e pensam em fazer guerra!». Atualizando-o para o contexto atual, assim o Papa Francisco comentou o Evangelho dominical, centrado no conhecido ensinamento de Jesus de “oferecer a outra face”. Publicamos a seguir, a meditação proposta pelo Pontífice ao meio-dia de 20 de fevereiro, durante o Angelus recitado da janela do Palácio apostólico do Vaticano, com os fiéis presentes na praça de São Pedro.

Estimados irmãos e irmãs
bom dia!

No Evangelho da Liturgia de hoje, Jesus dá aos discípulos algumas indicações fundamentais para a vida. O Senhor refere-se às situações mais difíceis, aquelas que constituem um teste para nós, aquelas que nos põem diante de quem nos é inimigo e hostil, de quem procura sempre fazer-nos mal. Nestes casos, o discípulo de Jesus é chamado a não ceder ao instinto e ao ódio, mas a ir além, muito além. Ir além do instinto, ir além do ódio. Jesus diz: «Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam» (Lc 6, 27). E ainda mais concretamente: «Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra» (v. 29). Quando ouvimos isto, parece-nos que o Senhor pede o impossível. E depois, por que amar os inimigos? Se não se reagir aos prepotentes, qualquer abuso tem livre trânsito, e isso não é correto. Mas será mesmo assim? Será que o Senhor nos pede realmente coisas que são impossíveis, e aliás injustas? É assim?

Consideremos antes de mais o sentimento de injustiça que percebemos ao “oferecer a outra face”. E pensemos em Jesus. Durante a sua paixão, no seu injusto julgamento perante o sumo sacerdote, a um certo ponto recebe uma bofetada de um dos guardas. E como se comporta Ele? Não o insulta, não, diz ao guarda: «Se falei mal, prova-o. Mas se falei bem, por que me bates?» (Jo 18, 23). Pergunta o motivo sobre o mal recebido. Oferecer a outra face não significa sofrer em silêncio, ceder à injustiça. Com a sua pergunta Jesus denuncia o que é injusto. Fá-lo sem raiva nem violência, mas com gentileza. Ele não quer desencadear uma discussão, mas desanuviar o rancor, isto é importante: extinguir o ódio e ao mesmo tempo a injustiça, procurando recuperar o irmão culpado. Isto não é fácil, mas Jesus fê-lo e diz-nos para o fazer também nós. Isto significa oferecer a outra face: a mansidão de Jesus é uma resposta mais forte do que a bofetada que recebeu. Oferecer a outra face não é o recuo do perdedor, mas a ação de quem tem mais força interior. Oferecer a outra face é vencer o mal com o bem, abrindo uma brecha no coração do inimigo, desmascarando o absurdo do seu ódio. E esta atitude, oferecer a outra face, não é ditada pelo cálculo nem pelo ódio, mas pelo amor. Estimados irmãos e irmãs, é o amor gratuito e imerecido que recebemos de Jesus, que gera no coração um modo de agir semelhante ao seu, que rejeita qualquer vingança. Estamos habituados às vinganças: “Fizeste-me isto, far-te-ei aquilo”, ou a guardar ressentimentos no coração, um rancor que fere e destrói a pessoa.

Passemos à outra objeção: é possível que uma pessoa consiga amar os próprios inimigos? Se dependesse apenas de nós, seria impossível. Mas lembremo-nos que quando o Senhor pede algo, Ele quer oferecê-lo. O Senhor nunca nos pede algo que não nos dê primeiro. Quando Ele me diz para amar os inimigos, quer dar-me a capacidade de o fazer. Sem esta capacidade não conseguiríamos, mas Ele diz-nos “amai o inimigo” e dá-nos a capacidade de amar. Santo Agostinho rezava assim — escutai que bela oração — Senhor, «dai-me o que me pedis e pedi-me o que quereis» (Confissões, x , 29.40), porque mo destes primeiro. O que lhe podemos pedir? O que apraz a Deus oferecer-nos? A força de amar, que não é algo, mas é o Espírito Santo. A força de amar é o Espírito Santo, e com o Espírito de Jesus podemos responder ao mal com o bem, podemos amar quem nos fere. Assim fazem os cristãos. Como é triste quando pessoas e povos orgulhosos de ser cristãos veem os outros como inimigos e pensam em fazer guerra! É muito triste!

E quanto a nós, procuramos viver as exortações de Jesus? Pensemos numa pessoa que nos feriu. Cada um pense numa pessoa. É comum que tenhamos sido feridos por alguém, por isso pensemos nessa pessoa. Talvez haja um ressentimento dentro de nós. Portanto, coloquemos este ressentimento ao lado da imagem de Jesus, manso, durante o julgamento, após a bofetada. E depois peçamos ao Espírito Santo que aja no nosso coração. Por fim, oremos por aquela pessoa: oremos por aqueles que nos feriram (cf. Lc 6, 28). Quando alguém nos faz algum mal, vamos imediatamente contar aos outros e sentimo-nos vítimas. Paremos e oremos ao Senhor por aquela pessoa, para que Ele a ajude, e então este sentimento de rancor será dissipado. Rezar por quem nos feriu é o primeiro passo para transformar o mal em bem. A oração! Que a Virgem Maria nos ajude a ser pacificadores para com todos, especialmente para com quem nos é hostil e de quem não gostamos.

No final da oração mariana o Papa recordou o Dia nacional dos profissionais da saúde, celebrado na Itália no segundo aniversário do início da pandemia, agradecendo aos médicos e enfermeiros o seu heroísmo. Francisco garantiu também a proximidade às populações de Madagáscar e do Brasil atingidas por calamidades naturais e encorajou o “Progetto Arca”, que inaugurou em Roma a atividade para ajudar os desabrigados. Eis as suas palavras.

Estimados irmãos e irmãs!

Manifesto a minha proximidade às populações atingidas recentemente por calamidades naturais, penso em particular no sudeste de Madagáscar, flagelado por uma série de furacões, e na área de Petrópolis, no Brasil, devastada por inundações e deslizamentos de terra. Que o Senhor receba os falecidos na sua paz, conforte as famílias e apoie aqueles que prestam socorro.

Hoje é o Dia nacional dos profissionais da saúde e devemos recordar tantos médicos, enfermeiros, enfermeiras e voluntários, que estão próximos dos doentes, os tratam, os fazem sentir-se melhor e os ajudam. “Ninguém se salva sozinho”, rezava o título no programa televisivo “A Sua Immagine”. Ninguém se salva sozinho. E na doença precisamos de alguém que nos salve, que nos ajude. Esta manhã um médico contou-me que no tempo da Covid uma pessoa moribunda lhe disse: “Pega na minha mão, estou prestes a morrer e preciso da tua mão”. O heroico pessoal da saúde mostrou este heroísmo no tempo da Covid, mas o heroísmo continua todos os dias. Aos nossos médicos, enfermeiros, enfermeiras e voluntários, um aplauso e muito obrigado!

Saúdo de coração todos vós, romanos e peregrinos provenientes da Itália e de vários países.

Em particular, saúdo os fiéis de Madrid, Segóvia, Burgos e Valladolid, na Espanha — tantos espanhóis! — assim como os da paróquia de Santa Francisca Cabrini em Roma e os estudantes do Instituto dos Sagrados Corações, de Barletta.

Saúdo e encorajo o grupo “Progetto Arca”, que nos últimos dias inaugurou a sua atividade social em Roma, para ajudar os desabrigados. E saúdo os jovens da Imaculada, tão bons!

Desejo bom domingo a todos. Por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço e até à vista!