A coragem de inverter a rota para encontrar o caminho da fraternidade

 A coragem de inverter a rota  para encontrar o caminho da fraternidade  POR-005
01 fevereiro 2022

Na tarde de 25 de janeiro, na basílica papal de São Paulo Extramuros, Francisco presidiu à celebração das segundas vésperas da solenidade da Conversão do apóstolo dos gentios, na conclusão da 55ª Semana de oração pela unidade dos cristãos, que este ano teve como tema: «Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo» (cf. Mt 2, 2). Participaram também representantes das várias outras Igrejas e comunidades cristãs presentes em Roma.

A

ntes de partilhar alguns pensamentos, quero expressar a minha gratidão a Sua Eminência o Metropolita Polykarpos, representante do Patriarcado Ecuménico, a Sua Graça Ian Ernest, representante pessoal do Arcebispo de Cantuária em Roma, e aos representantes das outras Comunidades cristãs presentes. E obrigado a todos vós, irmãos e irmãs, por terdes vindo rezar. Saúdo em particular os estudantes: os do Ecumenical Institute of Bossey, que aprofundam o conhecimento da Igreja Católica; os anglicanos do Nashotah College, nos Estados Unidos da América; os ortodoxos e ortodoxos orientais que estudam com o apoio da bolsa de estudos oferecida pelo Comité de Colaboração Cultural com as Igrejas Ortodoxas. Acolhamos o ardente desejo de Jesus que nos quer «um só» (Jo 17, 21) e, com a sua graça, caminhemos rumo à plena unidade!

Neste caminho, servem-nos de ajuda os Magos. Nesta tarde, contemplemos o seu itinerário, que tem três etapas: parte do Oriente, passa por Jerusalém e, finalmente, chega a Belém.

1. Primeiro, os Magos partem «do Oriente» (Mt 2, 1), porque lá veem despontar a estrela. Põem-se em viagem do Oriente, donde surge a luz solar, mas vão à procura de uma luz maior. Estes sábios não se contentam com os seus conhecimentos e tradições, mas anseiam por mais. Por isso, enfrentam uma viagem arriscada, animados pela inquietação da busca de Deus. Queridos irmãos e irmãs, sigamos também nós a estrela de Jesus! Não nos deixemos distrair pelos fulgores do mundo, estrelas cintilantes mas estrelas cadentes. Não sigamos as modas passageiras, meteoros que se apagam; não cedamos à tentação de brilhar com luz própria, ou seja, de nos fechar no nosso grupo para nos autoconservarmos. Mas, que o nosso olhar esteja fixo em Cristo, no Céu, na estrela de Jesus. Sigamos a Ele, ao seu Evangelho, ao seu convite à unidade, sem nos preocuparmos de quão longa e cansativa possa ser a viagem para a alcançar plenamente. Não esqueçamos que, contemplando a luz, a Igreja, a nossa Igreja, no caminho da unidade, continua a ser o «mysterium lunæ». Aspiremos e caminhemos juntos, apoiando-nos mutuamente, como fizeram os Magos. Muitas vezes a tradição no-los mostrou com indumentos variegados para representar diferentes populações. Neles, podemos ver refletidas as nossas diversidades, as várias tradições e experiências cristãs, mas também a nossa unidade, que nasce do mesmo desejo: ver o Céu e caminhar juntos na terra. Caminhar.

O Oriente leva-nos a pensar também nos cristãos que lá habitam em várias regiões devastadas pela guerra e a violência. Foi precisamente o Conselho das Igrejas do Médio Oriente que preparou o roteiro para esta Semana de Oração. Aqueles nossos irmãos e irmãs enfrentam tantos desafios difíceis e no entanto, com o seu testemunho, dão-nos esperança: lembram-nos não só que a estrela de Cristo resplandece nas trevas e não conhece ocaso, mas também que, do Alto, o Senhor acompanha e anima os nossos passos. Ao redor d’Ele no Céu brilham, juntos e sem distinções de confissão, inúmeros mártires; estes indicam-nos na terra um caminho concreto: o da unidade!

2. Do Oriente, os Magos chegam a Jerusalém com o desejo de Deus no coração, dizendo: «Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo» (2, 2). Mas, do desejo do Céu, veem-se reconduzidos à dura realidade da terra: «Ao ouvir tal notícia — diz o Evangelho — o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele» (2, 3). Na Cidade Santa, os Magos, em vez de ver refletida a luz da estrela, experimentam a resistência das forças tenebrosas do mundo. Não é só Herodes que se sente ameaçado pela novidade de uma realeza diversa da sua corrompida pelo poder mundano, mas toda a Jerusalém se perturba com o anúncio dos Magos.

Também ao longo do nosso caminho rumo à unidade, pode acontecer que nos detenhamos pelo mesmo motivo que paralisou aquela gente: a perturbação, o medo. É o temor da novidade que faz alterar os costumes e as certezas adquiridas; é o medo de que o outro desnorteie as minhas tradições e esquemas consolidados. Mas, na raiz, está o medo que habita o coração do homem e do qual nos quer libertar o Senhor Ressuscitado. Deixemos ressoar no nosso caminho de comunhão a sua exortação pascal: «Não temais!» (Mt 28, 10). Não temamos antepor o irmão aos nossos medos! O Senhor deseja que confiemos uns nos outros e caminhemos juntos, não obstante as nossas fraquezas e pecados, apesar dos erros do passado e das feridas mútuas.

Também nisto nos dá coragem a vicissitude dos Magos. Embora Jerusalém seja lugar de deceção e oposição, onde o caminho indicado pelo Céu parece interromper-se contra os muros erguidos pelo homem, todavia é lá precisamente que os Magos descobrem o caminho para Belém. São os sacerdotes e os escribas que fornecem a indicação, sondando as Escrituras (cf. Mt 2, 4). Os Magos encontram Jesus não só graças à estrela, entretanto desaparecida, mas eles precisam também da Palavra de Deus. De igual modo nós, cristãos, não podemos chegar ao Senhor sem a sua Palavra viva e eficaz (cf. Hb 4, 12). Esta foi dada a todo o Povo de Deus para ser acolhida, rezada, para ser meditada juntamente com todo o Povo de Deus. Aproximemo-nos, pois, de Jesus através da sua Palavra, mas aproximemo-nos também dos irmãos através da Palavra de Jesus. A sua estrela surgirá de novo no nosso caminho e encher-nos-á de alegria.

3. Assim aconteceu com os Magos, chegados à última etapa: Belém. Aqui entram na casa, prostram-se e adoram o Menino (cf. Mt 2, 11). Deste modo termina a sua viagem: juntos, na mesma casa, em adoração. Os Magos antecipam-se assim aos discípulos de Jesus que, diversos mas unidos, no final do Evangelho se prostram diante do Ressuscitado no monte da Galileia (cf. Mt 28, 17). Desta forma tornam-se um sinal de profecia para nós, desejosos do Senhor, companheiros de viagem pelas estradas do mundo, pesquisadores através da Sagrada Escritura dos sinais de Deus na história. Irmãos e irmãs, também para nós, a unidade plena, na mesma casa, só pode chegar através da adoração do Senhor. Queridas irmãs e queridos irmãos, a etapa decisiva do caminho rumo à plena comunhão requer uma oração mais intensa, requer que se adore, requer a adoração de Deus.

Entretanto os Magos lembram-nos que, para adorar, há um passo a realizar: primeiro é preciso prostrar-se. Este é o caminho, inclinar-se para o chão, pôr de lado as próprias pretensões para deixar no centro apenas o Senhor. Quantas vezes o orgulho foi o verdadeiro obstáculo à comunhão! Os Magos tiveram a coragem de deixar em casa prestígio e reputação, para se abaixarem na pobre casinha de Belém; assim descobriram uma «imensa alegria» (Mt 2, 10). Abaixar-se, deixar, simplificar: nesta tarde, peçamos a Deus esta coragem, a coragem da humildade, único caminho para chegar a adorar a Deus na mesma casa, ao redor do mesmo altar.

Em Belém, depois de se terem prostrado em adoração, os Magos abrem os seus escrinhos e aparecem ouro, incenso e mirra (cf. 2, 11). Isto vem lembrar-nos que, só depois de ter rezado juntos, só diante de Deus, na sua luz, nos apercebemos verdadeiramente dos tesouros que possui cada um. Mas são tesouros que pertencem a todos, que devem ser oferecidos e partilhados. Com efeito, trata-se de dons que o Espírito concede para benefício comum, para edificação e unidade do seu povo. E apercebemo-nos disto não só rezando, mas também servindo: quando damos a quem passa necessidade, oferecemos a Jesus, que Se identifica com quem é pobre e marginalizado (cf. Mt 25, 34-40); e Ele une-nos entre nós.

Os presentes dos Magos simbolizam aquilo que o Senhor deseja receber de nós. A Deus deve ser dado o ouro, o elemento mais precioso, porque Deus está em primeiro lugar. É para Ele que é preciso olhar, não para nós; para a sua vontade, não a nossa; para os seus caminhos, não para os nossos. Se verdadeiramente temos o Senhor no primeiro lugar, então as nossas opções — mesmo eclesiásticas — não mais se podem basear nas políticas do mundo, mas nos desejos de Deus. Depois temos o incenso, para recordar a importância da oração, que se eleva para Deus como perfume de agradável odor (cf. Sal 141, 2). Não nos cansemos de rezar uns pelos outros e uns com os outros. E por fim aparece a mirra, que será usada para venerar o corpo de Jesus descido da cruz (cf. Jo 19, 39), remete-nos para o cuidado da carne sofredora do Senhor, dilacerada nos membros dos pobres. Sirvamos os necessitados, juntos sirvamos a Jesus que sofre!

Amados irmãos e irmãs, recolhamos, dos Magos, as indicações para o nosso caminho; e façamos como eles, que regressaram a casa «por outro caminho» (Mt 2, 12). Sim, como Saulo antes do encontro com Cristo, precisamos de mudar de estrada, inverter a rota dos nossos hábitos e conveniências para encontrar o caminho que o Senhor nos mostra, o caminho da humildade, o caminho da fraternidade, da adoração. Dai-nos, Senhor, a coragem de trocar estrada, converter-nos, seguir a vossa vontade e não as nossas comodidades; a coragem de avançar juntos, para Vós, que com o vosso Espírito quereis fazer de nós um só. Amém!