Na missa da Epifania o Santo Padre indicou a atitude dos Magos como modelo para os cristãos

Investigadores inquietos abertos às surpresas do Alto

 Investigadores inquietos  abertos às surpresas do Alto  POR-002
11 janeiro 2022

A todos os cristãos que, «tendo alcançado uma segurança cultural, social e económica», tendem a «acomodar-se» no que sabem e têm, permanecendo «silenciosos» na sua «confort zone», o Papa propôs a «saudável inquietação» dos Magos, «abertos às surpresas de Deus». Assim se pode resumir a homilia pronunciada pelo Pontífice na manhã de 6 de janeiro durante a missa na basílica de São Pedro para a solenidade da Epifania.

Os Magos estão a caminho para Belém. E a sua peregrinação interpela-nos também a nós, chamados a caminhar para Jesus, porque é Ele a estrela polar que ilumina os céus da vida e orienta os passos para a verdadeira alegria. Mas, qual foi o ponto de partida da peregrinação dos Magos ao encontro de Jesus? O que levou estes homens do Oriente a porem-se em viagem?

Tinham ótimas desculpas para não partir: eram sábios e astrólogos, tinham fama e riqueza; de posse de uma tal segurança cultural, social e económica, podiam acomodar-se no que tinham e sabiam, deixando-se estar tranquilos. Mas não; deixam-se inquietar por uma pergunta e um sinal: «Onde está Aquele que nasceu? Vimos despontar a sua estrela» (Mt 2, 2). O seu coração não se deixa entorpecer na toca da apatia, mas está sedento de luz; não se arrasta pesadamente na preguiça, mas está abrasado pela nostalgia de novos horizontes. Os seus olhos não estão voltados para a terra, mas são janelas abertas para o céu. Como afirmou Bento xvi , eram «pessoas de coração inquieto (...); homens à espera, que não se contentavam com seus rendimentos assegurados e com uma posição social (...); eram indagadores de Deus» (Homilia, 6 de janeiro de 2013).

Mas esta saudável inquietação, que os levou a peregrinar, donde nasce? Nasce do desejo. Eis o seu segredo interior: saber desejar. Meditemos sobre isto. Desejar significa manter vivo o fogo que arde dentro de nós e nos impele a buscar mais além do imediato, mais além das coisas visíveis. Desejar é acolher a vida como um mistério que nos supera, como uma fresta sempre aberta que nos convida a olhar mais além, porque a vida não é “toda aqui”, é também “noutro lugar”. É como uma tela em branco que precisa de ser colorida. Um grande pintor, Van Gogh, escreveu que a necessidade de Deus o impelia a sair de noite para pintar as estrelas (cf. Carta a Theo, 9 de maio de 1889). Isto deve-se ao facto de Deus nos ter feito assim: impregnados de desejo; orientados, como os Magos, para as estrelas. Podemos dizer, sem exagerar, que nós somos aquilo que desejamos. Porque são os desejos que ampliam o nosso olhar e impelem a vida mais além: além das barreiras do hábito, além de uma vida limitada ao consumo, além de uma fé repetitiva e cansada, além do medo de arriscar, de nos empenharmos pelos outros e pelo bem. «A nossa vida — dizia Santo Agostinho — é uma ginástica do desejo» (Tratados sobre a primeira Carta de João, iv , 6).

Irmãos e irmãs, como no caso dos Magos, também a nossa viagem da vida e o nosso caminho da fé têm necessidade de desejo, de impulso interior. Às vezes vivemos um espírito de “parque de estacionamento”, vivemos estacionados, sem este ímpeto do desejo que nos impele para diante. Será bom perguntar-nos: a que ponto estamos nós na viagem da fé? Não estaremos já há bastante tempo bloqueados, estacionados numa religião convencional, exterior, formal, que deixou de aquecer o coração e já não muda a vida? As nossas palavras e ritos despertam no coração das pessoas o desejo de caminhar ao encontro de Deus ou são “língua morta”, que fala apenas de si e a si mesma? É triste quando uma comunidade de crentes já não tem desejos, arrastando-se, cansada, na gestão das coisas, em vez de se deixar levar por Jesus, pela alegria explosiva e perturbadora do Evangelho. É triste quando um sacerdote fechou a porta do desejo; é triste cair no funcionalismo clerical! É muito triste...

Na nossa vida e nas nossas sociedades, a crise da fé tem a ver também com o desaparecimento do desejo de Deus. Tem a ver com a sonolência do espírito, com o hábito de nos contentarmos em viver o dia a dia, sem nos interrogarmos acerca daquilo que Deus quer de nós. Debruçamo-nos demasiado sobre os mapas da terra, e esquecemo-nos de erguer o olhar para o céu; estamos cheios com muitas coisas, mas desprovidos da nostalgia do que nos falta. Nostalgia de Deus. Fixamo-nos nas necessidades, no que havemos de comer e vestir (cf. Mt 6, 25), deixando dissipar-se o anseio por aquilo que vai além. E deparamo-nos com a bulimia de comunidades que têm tudo e muitas vezes já nada sentem no coração. Pessoas fechadas, comunidades fechadas, bispos fechados, padres fechados, consagrados fechados. Porque a falta de desejo leva à tristeza, à indiferença. Comunidades tristes, padres tristes, bispos tristes.

Olhando sobretudo para nós mesmos, perguntemo-nos: como está a viagem da minha fé? É uma pergunta que hoje nos podemos colocar, cada um de nós. Como está a viagem da minha fé? Está estacionada ou está a caminho? A fé, para partir de novo, precisa de ser deflagrada pelo detonador do desejo, de colocar-se em jogo na aventura de uma relação sentida e vivaz com Deus. Mas o meu coração vive ainda animado pelo desejo de Deus? Ou deixo que o hábito e as desilusões o apaguem? Hoje, irmãos e irmãs, é o dia bom para nos colocarmos estas perguntas. Hoje é o dia bom para voltar a alimentar o desejo. E como fazer? Vamos à “escola de desejo”, vamos ter com os Magos. Ensinar-nos-ão, na sua escola do desejo. Olhemos para os passos que dão e tiremos alguns ensinamentos.

Em primeiro lugar, partem quando aparece a estrela: ensinam-nos que é preciso voltar a partir sempre cada dia, tanto na vida como na fé, porque a fé não é uma armadura que imobiliza, mas uma viagem fascinante, um movimento contínuo e inquieto, sempre à procura de Deus, sempre com o discernimento, naquele caminho.

Depois, os Magos em Jerusalém perguntam: perguntam onde está o Menino. Ensinam-nos que precisamos de interrogações, de ouvir com atenção as perguntas do coração, da consciência; porque frequentemente é assim que Deus fala, que se nos dirige mais com perguntas do que com respostas. Devemos aprender bem isto: Deus dirige-se a nós mais com perguntas do que com respostas. Mas deixemo-nos inquietar pelas perguntas das crianças, pelas dúvidas, as esperanças e os desejos das pessoas do nosso tempo. A estrada é deixar-se questionar.

Além disso os Magos desafiam Herodes. Ensinam-nos que temos necessidade de uma fé corajosa, que não tenha medo de desafiar as lógicas obscuras do poder, tornando-se semente de justiça e fraternidade numa sociedade onde, ainda hoje, muitos “herodes” semeiam morte e massacram pobres e inocentes, na indiferença de muitos.

Por fim, os Magos regressam «por outro caminho» (Mt 2, 12): provocam-nos a percorrer estradas novas. É a criatividade do Espírito, que faz sempre coisas novas. É também, neste momento, uma das tarefas do Sínodo que nós estamos a realizar: caminhar numa escuta conjunta, para que o Espírito nos sugira caminhos novos, estradas para levar o Evangelho ao coração de quem é indiferente, distante, de quem perdeu a esperança mas procura aquilo que sentiram os Magos: uma «imensa alegria» (Mt 2, 10). Sair para mais além, caminhar para a frente.

No ponto culminante da viagem dos Magos, porém, há um momento crucial: tendo chegado ao destino, viram o Menino e «prostrando-se adoraram-no» (2, 11). Adoram. Lembremo-nos disto: a viagem da fé só encontra ímpeto e cumprimento na presença de Deus. Só se recuperarmos o gosto da adoração é que se renova o desejo. O desejo leva-te à adoração e a adoração renova em ti o desejo. Porque o desejo de Deus cresce apenas permanecendo diante de Deus. Porque só Jesus cura os desejos. De quê? Cura-os da ditadura das necessidades. Com efeito, o coração adoece quando os desejos coincidem apenas com as necessidades; ao passo que Deus eleva os desejos e purifica-os; cura-os, sanando-os do egoísmo e abrindo-nos ao amor por Ele e pelos irmãos. Por isso, não esqueçamos a Adoração, a oração de adoração que é pouco comum entre nós: adorar, em silêncio. Por isso não esqueçamos a adoração, por favor.

E procedendo assim, cada dia, como os Magos, teremos a certeza de que, mesmo nas noites mais escuras, brilha uma estrela. É a estrela do Senhor, que vem cuidar da nossa frágil humanidade. Ponhamo-nos a caminho rumo a Ele. Não demos à apatia e à resignação a força de nos cravar na tristeza de uma vida medíocre. Abramo-nos à inquietude do Espírito, corações inquietos. O mundo espera dos crentes um renovado ímpeto para o Céu. Como os Magos, levantemos a cabeça, ouçamos o desejo do coração, sigamos a estrela que Deus faz brilhar sobre nós. E como investigadores inquietos, permaneçamos abertos às surpresas de Deus. Irmãos e irmãs, sonhemos, procuremos, adoremos.