Mensagem «Urbi et Orbi»

A esperança é mais forte que as dificuldades do nosso tempo

 A esperança é mais forte que as dificuldades do nosso tempo  POR-052
28 dezembro 2021

«São numerosas as dificuldades do nosso tempo, mas é mais forte a esperança», que vem do Natal, frisou o Papa Francisco na tradicional mensagem «Urbi et Orbi» pronunciada ao meio-dia de 25 de dezembro, solenidade do Natal do Senhor, da varanda central da basílica de São Pedro.

Q

ueridos irmãos e irmãs feliz Natal!

A Palavra de Deus, que criou o mundo e dá sentido à história e ao caminho do homem, fez-se carne e veio habitar entre nós. Apareceu como um sussurro, como o murmúrio de uma brisa ligeira, deixando cheio de maravilha o coração de todo o homem e mulher que se abre ao mistério.

O Verbo fez-se carne para dialogar connosco. Deus não quer construir um monólogo, mas um diálogo. Pois o próprio Deus, Pai e Filho e Espírito Santo, é diálogo, comunhão eterna e infinita de amor e de vida.

Quando veio ao mundo, na pessoa do Verbo encarnado, Deus mostrou-nos o caminho do encontro e do diálogo. Mais, Ele próprio encarnou em si mesmo este Caminho para nós podermos conhecê-lo e percorrê-lo com confiança e esperança.

Irmãs e irmãos, «como seria o mundo sem o diálogo paciente de tantas pessoas generosas, que mantiveram unidas famílias e comunidades» ( Francisco , Carta enc. Fratelli tutti, 198)? Apercebemo-nos ainda melhor disso neste tempo de pandemia. A nossa capacidade de relações sociais é duramente posta à prova; aumenta a tendência para fechar-se, arranjar-se sozinho, renunciar a sair, a encontrar-se, a fazer as coisas juntos. E, mesmo a nível internacional, corre-se o risco de não querer dialogar, o risco de que a complexidade da crise induza a optar por atalhos em vez dos caminhos mais longos do diálogo; mas, na realidade, só estes conduzem à solução dos conflitos e a benefícios partilhados e duradouros.

Com efeito, ao mesmo tempo que ressoa, à nossa volta e por todo o mundo, o anúncio do nascimento do Salvador, fonte da verdadeira paz, vemos ainda tantos conflitos, crises e contradições. Parecem não ter fim, e já quase não os notamos. De tal maneira nos habituamos, que há tragédias imensas das quais já nem se fala; corremos o risco de não ouvir o grito de dor e desespero de tantos irmãos e irmãs nossos.

Pensemos no povo sírio, que, há mais de uma década, vive uma guerra que já causou muitas vítimas e um número incalculável de refugiados. Olhemos para o Iraque, que luta ainda para se levantar depois de um longo conflito. Ouçamos o grito das crianças que se levanta do Iémen, onde uma tragédia enorme, esquecida por todos, se consuma há anos em silêncio, provocando mortes todos os dias.

Lembremos as contínuas tensões entre israelitas e palestinenses, que se arrastam sem solução, com consequências sociais e políticas cada vez mais graves. Não nos esqueçamos de Belém, o lugar onde Jesus viu a luz e que vive tempos difíceis inclusivamente pelas dificuldades económicas devidas à pandemia que impede os peregrinos de chegarem à Terra Santa, com consequências negativas na vida da população. Pensemos no Líbano, que padece uma crise sem precedentes, com condições económicas e sociais muito preocupantes.

Mas, no coração da noite, eis o sinal de esperança: hoje, «o amor que move o sol e as mais estrelas» ( Dante , Paraíso, xxxiii , 145), faz-se carne. Veio em forma humana, partilhou os nossos dramas e rompeu o muro da nossa indiferença. No frio da noite, estende os seus bracinhos para nós: tem necessidade de tudo, mas vem para nos dar tudo. A Ele pedimos a força de nos abrirmos ao diálogo. Neste dia de festa, imploramos-Lhe que suscite, no coração de todos, anseios de reconciliação e fraternidade. A Ele, dirijamos a nossa súplica.

Menino Jesus, dai paz e concórdia ao Médio Oriente e ao mundo inteiro. Amparai a quantos se encontram empenhados em prestar assistência humanitária às populações forçadas a fugir da sua pátria; confortai o povo afegão que, há mais de quarenta anos, está submetido a dura prova por conflitos que impeliram muitos a deixar o país.

Rei dos povos, ajudai as autoridades políticas a pacificar as sociedades abaladas por tensões e contrastes. Sustentai o povo da Myanmar, onde intolerância e violência se abatem, não raro, também sobre a comunidade cristã e os locais de culto, e turbam o rosto pacífico daquela população.

Sede luz e amparo para quem, mesmo indo contracorrente, crê e trabalha em prol do encontro e do diálogo, e não permitais que se espalhem na Ucrânia as metástases de um conflito gangrenado.

Príncipe da Paz, assisti a Etiópia na descoberta do caminho da reconciliação e da paz, através de uma discussão sincera que coloque em primeiro lugar as necessidades da população. Escutai o clamor das populações da região do Sahel, que sofrem a violência do terrorismo internacional. Voltai o olhar para os povos dos países do Norte de África que são atribulados pelas divisões, o desemprego e o desnível económico; e aliviai os sofrimentos dos inúmeros irmãos e irmãs que padecem com os conflitos internos no Sudão e no Sudão do Sul.

Fazei que, nos corações dos povos do continente americano, prevaleçam os valores da solidariedade, reconciliação e convivência pacífica, através do diálogo, do respeito mútuo e do reconhecimento dos direitos e valores culturais de todos os seres humanos.

Filho de Deus, confortai as vítimas da violência contra as mulheres que grassa neste tempo de pandemia. Concedei esperança às crianças e adolescentes que são vítimas do bullying e de abusos. Dai consolação e carinho aos idosos, sobretudo aos mais abandonados. Proporcionai serenidade e unidade às famílias, lugar primário da educação e base do tecido social.

Deus-connosco, concedei saúde aos doentes e inspirai todas as pessoas de boa vontade a encontrar as soluções mais adequadas para superar a crise sanitária e as suas consequências. Tornai generosos os corações, para fazerem chegar os tratamentos necessários, especialmente as vacinas, às populações mais necessitadas. Recompensai todos aqueles que mostram solicitude e dedicação no cuidado dos familiares, dos doentes e dos mais fragilizados.

Menino de Belém, tornai possível em breve o regresso a casa de tantos prisioneiros de guerra, civis e militares, dos conflitos recentes, e daqueles que estão presos por razões políticas. Não nos deixeis indiferentes à vista do drama dos migrantes, deslocados e refugiados. Os seus olhos pedem-nos para não voltarmos o rosto para o outro lado, para não renegarmos a humanidade que nos une, para assumirmos as suas histórias e não nos esquecermos dos seus dramas.1

Verbo eterno encarnado, tornai-nos solícitos pela nossa Casa comum, também ela enferma pelo descuido com que frequentemente a tratamos, e incitai as autoridades políticas a encontrarem acordos de tal modo eficazes que as próximas gerações possam viver num ambiente respeitoso da vida.

Queridos irmãos e irmãs, muitas são as dificuldades do nosso tempo, mas a esperança é mais forte, porque «um menino nasceu para nós» (Is 9, 5). Ele é a Palavra de Deus que se fez “in-fante”, capaz apenas de chorar e necessitado de tudo. Quis aprender a falar, como qualquer criança, para que nós aprendêssemos a escutar Deus, nosso Pai, a escutar-nos uns aos outros e a dialogar como irmãos e irmãs. Ó Cristo, nascido para nós, ensinai-nos a caminhar convosco pelas sendas da paz.

Feliz Natal para todos!

1 Cf. Discurso no “Reception and Identification Centre”, Mytilene, 5 de dezembro de 2021.