Viagem do Papa Francisco na Grécia

Ser minoritários não significa ser insignificantes

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07 dezembro 2021

O Papa Francisco encontrou-se com os bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas, seminaristas e catequistas da comunidade católica ateniense no final da tarde de sábado, 4 de dezembro, na catedral de São Dionísio, na capital grega. Depois da saudação de D. Sevastianos Rossolatos, arcebispo emérito de Atenas e presidente da Conferência nacional dos bispos, e do testemunho de uma religiosa do Verbo encarnado e de um leigo, o Pontífice proferiu o seguinte discurso.

Amados irmãos Bispos
Queridos sacerdotes,
religiosas e religiosos, seminaristas
Caros irmãos e irmãs
kalispera sas [boa tarde]!

De todo o coração agradeço o vosso acolhimento e as palavras de saudação que D. Rossolatos me dirigiu. E obrigado, Irmã, pelo seu testemunho: é importante que os religiosos e as religiosas vivam o seu serviço com este espírito, ou seja, com um amor apaixonado que se faz dom à comunidade para onde são enviados. Obrigado! Obrigado também a Rokos pelo belo testemunho de fé vivido em família, na vida quotidiana, juntamente com os filhos, que a dada altura, como muitos jovens, têm dúvidas, interrogam-se e, nalgumas coisas, tornam-se um pouco críticos. Mas também isto pode ser útil, porque nos ajuda, como Igreja, a refletir e a mudar.

Estou feliz por vos encontrar numa terra que é uma dádiva, um património da humanidade, sobre o qual foram construídos os alicerces do Ocidente. Em certa medida, todos somos filhos e devedores do vosso país: sem a poesia, a literatura, a filosofia e a arte que aqui se desenvolveram, não seríamos capazes de conhecer muitas das facetas da existência humana, nem responder a muitas questões interiores sobre a vida, o amor, a dor e também a morte.

No sulco deste rico património, aqui nos primórdios do cristianismo inaugurou-se um «laboratório» para a inculturação da fé, gerido pela sabedoria de tantos Padres da Igreja, que constituem, com a sua santa conduta de vida e os seus escritos, um farol luminoso para os crentes de todas as épocas. Mas, se nos perguntarmos quem inaugurou o encontro entre o cristianismo das origens e a cultura grega, o pensamento não pode deixar de ir para o apóstolo Paulo. Foi ele que abriu o «laboratório da fé», que sintetizou aqueles dois mundos; e fê-lo aqui mesmo, como contam os Atos dos Apóstolos: chega a Atenas, começa a pregar nas praças, e os eruditos de então levam-no ao Areópago (cf. At 17, 16-34), que era o conselho dos anciãos, dos sábios que julgavam questões de interesse público. Detenhamo-nos neste episódio e, no nosso caminho de Igreja, deixemo-nos guiar por duas atitudes do Apóstolo úteis para a nossa atual elaboração da fé.

A primeira atitude é a confiança. Enquanto Paulo pregava, alguns filósofos começam a questionar-se sobre o que realmente queria ensinar aquele «charlatão» (17, 18). Assim o designam: um charlatão, um tal que inventa coisas aproveitando-se da boa fé de quem o escuta. Por isso o levam ao Areópago; e não pensemos que lhe estão a oferecer o palco. Pelo contrário, levam-no lá para o interrogar: «Poderemos saber que nova doutrina é essa que ensinas? O que nos dizes é muito estranho e gostaríamos de saber o que isso quer dizer» (17, 19-20). Em resumo, encostaram Paulo às cordas do ringue.

Estas circunstâncias da sua missão na Grécia são importantes também para nós, hoje. O Apóstolo é obrigado a defender-se. Pouco antes, em Tessalónica, teve dificuldades na pregação e, por causa dos tumultos ardilosamente suscitados no povo para depois o acusarem de provocar desordens, teve que fugir de noite. Agora, tendo chegado a Atenas, é tomado por charlatão e, como um hóspede indesejado, levado ao Areópago. Vemos assim que ele não está a viver um momento triunfal; está cumprindo a missão em condições difíceis. Também nós, em muitos momentos do caminho, talvez sintamos o peso e às vezes a frustração de ser uma pequena comunidade ou uma Igreja com poucas forças, que se move num contexto nem sempre favorável. Meditai a história de Paulo em Atenas. Estava só, em minoria e com escassa probabilidade de sucesso. Mas não se deixou vencer pelo desânimo, não renunciou à missão, nem se deixou cair na tentação de se lamentar. Isto é muito importante! Estai atentos às lamúrias. Eis a atitude do verdadeiro apóstolo: prosseguir com confiança, preferindo mais o incómodo das situações inesperadas que a rotina e a repetição. Paulo tem esta coragem: donde lhe vem? Da confiança em Deus. A sua é a coragem da confiança: confiança na grandeza de Deus, que gosta de atuar sempre na nossa pequenez.

Queridos irmãos e irmãs, tenhamos confiança, porque ser uma pequena Igreja torna-nos sinal eloquente do Evangelho, do Deus anunciado por Jesus que escolhe os pequeninos e os pobres, muda a história com os feitos simples dos humildes. A nós, como Igreja, não é pedido o espírito da conquista e da vitória, a magnificência dos grandes números, o esplendor mundano. Tudo isto é perigoso. É a tentação do triunfalismo. A nós, é-nos pedido para aprender com o grão de mostarda, que, apesar de ínfimo, humilde e lentamente cresce: «é a mais pequena de todas as sementes — diz Jesus —; mas, depois de crescer (...) transforma-se numa árvore» (Mt 13, 32). A nós, é-nos pedido para sermos fermento que, escondido, paciente e silenciosamente leveda a massa do mundo, graças à obra incessante do Espírito Santo (cf. Mt 13, 33). O segredo do Reino de Deus está contido nas pequenas coisas, naquilo que frequentemente não se vê nem faz rumor. O apóstolo Paulo, cujo nome lembra a pequenez, vive na confiança, porque acolheu de tal modo no coração estas palavras do Evangelho que fez delas um ensinamento para os irmãos de Corinto: «O que é tido como fraqueza de Deus, é mais forte que os homens (...); e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte» (1 Cor 1, 25.27).

Por isso, queridos amigos, gostaria de vos dizer: bendizei a pequenez e acolhei-a. Predispõe-vos a confiar em Deus, e só em Deus. Ser minoria — e, no mundo inteiro, a Igreja é minoria — não quer dizer ser insignificante, mas percorrer o caminho aberto pelo Senhor, que é o da pequenez, da kenosis, da humilhação, da condescendência, da synkatábasis de Deus em Jesus Cristo. Desceu até se esconder nos sulcos da humanidade e nas chagas da nossa carne. Salvou-nos servindo-nos. De facto, como afirma Paulo, «esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo» (Fl 2, 7). Muitas vezes temos a obsessão de aparecer, dar nas vistas, mas «o Reino de Deus não vem de maneira ostensiva» (Lc 17, 20). Vem escondido, lentamente como a chuva sobre a terra. Ajudemo-nos reciprocamente a renovar esta confiança na ação de Deus e a não perder o entusiasmo do serviço. Coragem, avante por esta senda da humildade, da pequenez!

Quero agora destacar uma segunda atitude de Paulo no Areópago de Atenas: o acolhimento. É uma disposição interior necessária para a evangelização: não querer ocupar o espaço e a vida do outro, mas semear a boa nova no terreno da sua existência, aprendendo antes de mais nada a acolher e reconhecer as sementes que Deus já colocou no seu coração, antes da nossa chegada. Lembremo-nos de que Deus sempre nos precede; Deus precede sempre a nossa sementeira. Evangelizar não é encher um recipiente vazio, mas primariamente trazer à luz aquilo que Deus já começou a realizar. E esta é a pedagogia extraordinária que o Apóstolo demonstra perante os atenienses. Não lhes diz «estais a fazer tudo errado», nem «agora ensino-vos a verdade», mas começa por saudar o seu espírito religioso: «Atenienses, vejo que sois, em tudo, os mais religiosos dos homens. Percorrendo a vossa cidade e examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta inscrição: “Ao Deus desconhecido”» (At 17, 22-23). Toma uma riqueza dos atenienses. O Apóstolo vê dignidade nos seus interlocutores e acolhe a sua sensibilidade religiosa. Embora as estradas de Atenas estivessem cheias de ídolos, à vista dos quais «o espírito fremia-lhe de indignação» (17, 16), Paulo acolhe o desejo de Deus escondido no coração daquelas pessoas e, com gentileza, quer comunicar-lhes o assombro da fé. O seu estilo não é impositivo, mas propositivo. Não se baseia no proselitismo — nunca! — mas na mansidão de Jesus. E isto é possível, porque Paulo cultiva um olhar espiritual sobre a realidade: crê que o Espírito Santo trabalha no coração do homem, independentemente dos rótulos religiosos. Ouvimo-lo no testemunho de Rokos. A certa altura, os filhos afastam-se um pouco da prática religiosa, mas o Espírito Santo trabalhara e continua a fazê-lo pelo que eles acreditam fortemente na unidade, na fraternidade com os outros. Lembremo-nos de que o Espírito trabalha sempre mais além do que se vê externamente. Assim, em todo o tempo, a atitude do apóstolo começa pelo acolhimento do outro: não nos esqueçamos de que «a graça supõe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebe» (Carta enc. Evangelii gaudium, 115). Não existe uma graça abstrata que paira sobre as nossas cabeças; a graça sempre está encarnada numa cultura, encarna-se nela.

A propósito da visita de Paulo ao Areópago, Bento xvi disse que havemos de ter muito a peito as pessoas agnósticas ou ateias, mas que devemos ter cuidado porque, «quando falamos de uma nova evangelização, talvez estas pessoas se assustem. Não se querem ver objeto de missão, nem renunciar à sua liberdade de pensamento e de vontade» (Discurso à Cúria Romana, 21 de dezembro de 2009). Também hoje nos é pedida a atitude de acolhimento, o estilo da hospitalidade, um coração animado pelo desejo de criar comunhão entre as diferenças humanas, culturais ou religiosas. O desafio é cultivar a paixão pelo todo, que nos leve — católicos, ortodoxos, irmãos e irmãs de outros credos, mesmo irmãos agnósticos, todos — a escutar-nos reciprocamente, sonhar e trabalhar juntos, cultivar a «mística» da fraternidade (cf. Evangelii gaudium, 87). Embora a história passada continue a ser uma ferida aberta no caminho deste diálogo acolhedor, abracemos com coragem o desafio de hoje.

Queridos irmãos e irmãs, aqui em solo grego, São Paulo manifestou serena confiança em Deus e isso tornou-o acolhedor para com os areopagitas que suspeitavam dele. Com estas duas atitudes, anunciou aquele Deus que era desconhecido aos seus interlocutores. E chegou a apresentar o rosto de um Deus que, em Jesus Cristo, semeou no coração do mundo o gérmen da ressurreição, o direito universal à esperança, que é um direito humano, o direito à esperança. Quando Paulo anunciou esta boa nova, a maioria troça dele e vai-se embora; «alguns dos homens, no entanto, concordaram com ele e abraçaram a fé, entre os quais Dionísio, o areopagita, e também uma mulher de nome Dâmaris e outros com eles» (At 17, 34). A maioria vai embora; um pequeno resto une-se a Paulo, nomeadamente Dionísio a quem é dedicada esta Catedral. Trata-se de um pequeno resto, mas é assim que Deus tece os fios da história, desde então até aos vossos dias. De coração vos desejo que possais continuar o trabalho no vosso histórico laboratório da fé e que o façais com estes dois ingredientes, a confiança e o acolhimento, para saboreardes o Evangelho como experiência de alegria e também como experiência de fraternidade. Levo-vos comigo no amor e na oração. E vós, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. O Theós na sas evloghi [Deus vos abençoe]!