Viagem do Papa Francisco na Grécia

Semeadores de esperança nos desertos do mundo

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07 dezembro 2021

Dois mil fiéis, incluindo os presentes no salão principal e quantos em ligação vídeo de uma igreja próxima, assistiram à missa na tarde do dia 5, celebrada pelo Papa Francisco no Megaron Concert Hall em Atenas. Tendo regressado da ilha de Lesbos, onde tinha visitado refugiados na parte da manhã, o Pontífice presidiu à Eucaristia do segundo domingo do Advento para a comunidade católica da capital grega.

Neste ii domingo do Advento, a Palavra de Deus apresenta-nos a figura de São João Batista. O Evangelho sublinha dois aspetos: o lugar onde se encontra — o deserto — e o conteúdo da sua mensagem — a conversão. Deserto e conversão: o Evangelho de hoje insiste nisto, e com uma insistência tal que nos faz compreender que estas palavras nos dizem respeito diretamente. Acolhamo-las ambas.

O deserto. O evangelista Lucas apresenta este lugar de uma maneira particular. Com efeito fala de circunstâncias solenes e de grandes personagens da época: refere o décimo quinto ano do imperador Tibério César, o governador Pôncio Pilatos, o rei Herodes e outros «líderes políticos» de então; depois menciona os chefes religiosos, Anás e Caifás, que estavam no Templo de Jerusalém (cf. Lc 3, 1-2). Neste ponto, declara: «A palavra de Deus foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto» (Lc 3, 2). Como é possível? Esperávamos que a Palavra de Deus se dirigisse a um dos grandes, acabados de citar. Mas não. Das linhas do Evangelho emerge uma subtil ironia: dos nobres palácios onde moram os detentores do poder, passa-se inesperadamente para o deserto, para um homem desconhecido e solitário. Deus surpreende-nos, as suas opções surpreendem: não entram nas previsões humanas, não seguem o poder e a grandeza que o homem habitualmente lhe associa. O Senhor prefere a pequenez e a humildade. A redenção não começa em Jerusalém, Atenas ou Roma, mas no deserto. Esta estratégia paradoxal oferece-nos uma mensagem muito bela: ter autoridade, ser cultos e famosos não constituem garantias para agradar a Deus; antes pelo contrário, poderia induzir-nos ao orgulho e a rejeitá-lo. Em vez disso, ajuda ser pobres intimamente, como pobre é o deserto.

Detenhamo-nos no paradoxo do deserto. O Precursor prepara a vinda de Cristo neste lugar impérvio e inospitaleiro, cheio de perigos. Ora, se alguém quer fazer um anúncio importante, habitualmente vai a lugares belos, onde há muita gente, onde goza de visibilidade. Ao contrário, João prega no deserto. E precisamente naquele lugar da aridez, naquele espaço vazio que se estende a perder de vista e onde quase não há vida, precisamente lá se revela a glória do Senhor, que — como profetizam as Escrituras (cf. Is 40, 3-4) — transforma o deserto em lago, a terra árida em nascentes de água (cf. Is 41, 18). Aqui está outra mensagem encorajadora: agora como então, Deus volta o seu olhar para onde dominam tristeza e solidão. Podemos experimentá-lo na vida: com frequência Ele não consegue tocar-nos enquanto estamos no meio dos aplausos e só pensamos em nós mesmos; alcança-nos sobretudo nas horas da provação. Visita-nos nas situações difíceis; é nos nossos vazios, nos nossos desertos existenciais, que lhe deixamos espaço. É aí que nos visita o Senhor.

Queridos irmãos e irmãs, na vida de uma pessoa ou de um povo, não faltam momentos em que se tem a impressão de encontrar-se no deserto. E é precisamente aí que se faz presente o Senhor, que muitas vezes não é acolhido por quem se sente bem-sucedido, mas pela pessoa que se sente incapaz de vencer. E vem com palavras de proximidade, compaixão e ternura: «Não temas, porque Eu estou contigo; não te angusties, porque Eu sou o teu Deus. Eu fortaleço-te e auxilio-te» (41, 10). Ao pregar no deserto, João assegura-nos que o Senhor vem para nos libertar e de novo nos dar vida precisamente nas situações que parecem irresgatáveis, sem vias de saída: é aqui que Ele vem. Assim, não há lugar que Deus não queira visitar. E hoje só podemos sentir alegria em vê-lo escolher o deserto, para nos alcançar na nossa pequenez que ama e na nossa aridez que quer dessedentar. Portanto, caríssimos, não temais a pequenez, porque a questão não é ser pequenos e poucos, mas abrir-se a Deus e aos outros. E não temais sequer a aridez, pois não a teme Deus que nela nos vem visitar.

Passemos ao segundo aspeto: a conversão. João Batista pregava-a sem parar e de forma veemente (cf. Lc 3, 7). Também esta é uma temática «incómoda». Tal como o deserto não é o primeiro lugar onde gostaríamos de ir, assim também o convite à conversão certamente não é a primeira proposta que gostaríamos de ouvir. Falar de conversão pode gerar tristeza; parece-nos difícil conciliar com o Evangelho da alegria. Mas isto verifica-se quando a conversão se reduz a um esforço moral, como se fosse fruto apenas do nosso empenho. O problema está precisamente aqui: em basear tudo sobre as nossas forças. Isto é errado! Aqui se escondem também a tristeza espiritual e a frustração: queremos converter-nos, ser melhores, superar os nossos defeitos, mudar, mas sentimos que não somos plenamente capazes e, apesar da boa vontade, sempre voltamos a cair. Provamos a mesma experiência de São Paulo que, precisamente a partir destas terras, escrevia: «O querer está ao meu alcance, mas realizar o bem, isso não. É que não é o bem que eu quero que faço, mas o mal que eu não quero, isso é que pratico» (Rm 7, 18-19). Então se, sozinhos, não temos a capacidade de fazer o bem que queremos, que significa que devemos converter-nos?

Nisto pode ajudar-nos a vossa bela língua, o grego, com a etimologia do verbo evangélico «converter — metanoéin». Compõe-se da preposição meta, que aqui significa além, e do verbo noéin, que quer dizer pensar. Assim converter-se é pensar além, isto é, ir além da maneira habitual de pensar, além dos nossos habituais esquemas mentais. Concretamente penso nos esquemas que reduzem tudo ao nosso eu, à nossa pretensão de autossuficiência; ou nos esquemas fechados pela rigidez e o medo que paralisam, pela tentação «sempre se fez assim, para quê mudar?», pela ideia de que os desertos da vida são lugares de morte e não da presença de Deus.

Ao exortar-nos à conversão, João Batista convida-nos a ir além, não nos detendo aqui; ir além daquilo que os nossos instintos nos sugerem e os nossos pensamentos fotografam, porque a realidade é maior: é maior do que os nossos instintos, os nossos pensamentos. Na verdade Deus é maior. Então converter-se significa não dar ouvidos ao que enterra a esperança, a quem repete que nada mudará jamais na vida... os pessimistas de sempre! É recusar-se a acreditar que estamos destinados a afundar nas areias movediças da mediocridade; é não ceder aos fantasmas interiores, que surgem sobretudo nos momentos de provação para nos desanimar, dizendo que não vamos conseguir, que tudo está errado e que tornar-se santo não é para nós. Não é assim, porque há Deus. É preciso confiar n’Ele, porque é Deus o nosso além, a nossa força. Tudo muda, se se deixar a Ele o primeiro lugar. Eis a conversão: ao Senhor, basta a nossa porta aberta para entrar e fazer maravilhas, assim como lhe bastaram um deserto e as palavras de João para vir ao mundo. Não pede mais nada!

Peçamos a graça de acreditar que, com Deus, as coisas mudam, que Ele cura os nossos medos, sara as nossas feridas, transforma lugares áridos em nascentes de água. Peçamos a graça da esperança, porque é a esperança que reanima a fé e reacende a caridade; porque é de esperança que hoje estão sequiosos os desertos do mundo. E enquanto este nosso encontro nos renova na esperança e na alegria de Jesus, e eu rejubilo por estar convosco, peçamos à nossa Mãe, a Toda Santa, que nos ajude a ser, como Ela, testemunhas de esperança — a esperança, irmãos e irmãs, não dececiona, nunca dececiona — semeadores de alegria ao nosso redor; e não só quando estamos felizes e juntos, mas todos os dias, nos desertos que habitamos. Porque é aqui, com a graça de Deus, que a nossa vida é chamada a converter-se. É aqui, nos muitos desertos do nosso interior ou do ambiente circundante, que a vida é chamada a florescer. Que o Senhor nos dê graça e coragem de acolher esta verdade!