Viagem do Papa Francisco na Grécia

Perdão a Deus e aos irmãos pelos erros cometidos por tantos católicos

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07 dezembro 2021

Na sala do Trono do arcebispado ortodoxo da Grécia, na capital grega, o encontro entre o Papa Francisco e Ieronymos ii teve lugar na tarde de sábado, 4 de dezembro, no final da visita de cortesia do Pontífice ao arcebispo de Atenas e a toda a Grécia. Após o colóquio particular entre os dois, o momento público do encontro realizou-se na presença dos respetivos séquitos. Segue-se o discurso proferido pelo Santo Padre em resposta à saudação de Sua Beatitude.

Beatitude!

«Graça e paz (...) da parte de Deus» (Rm 1, 7)! Saúdo-o com estas palavras do grande apóstolo Paulo, as mesmas com que, encontrando-se em solo grego, se dirigiu aos fiéis de Roma. Hoje o nosso encontro renova aquela graça e aquela paz. Enquanto rezava diante dos «troféus» da Igreja de Roma, que são os túmulos dos Apóstolos e dos mártires, senti-me impelido a vir aqui como peregrino, com grande respeito e humildade, para renovar a comunhão apostólica e alimentar a caridade fraterna. Neste sentido, desejo agradecer-lhe, Beatitude, as palavras que me dirigiu e que retribuo com afeto, saudando por seu intermédio o clero, as comunidades monásticas e todos os fiéis ortodoxos da Grécia.

Há cinco anos encontramo-nos em Lesbos, na emergência de um dos maiores dramas do nosso tempo, o de muitos irmãos e irmãs migrantes, que não podem ser deixados na indiferença e vistos apenas como um fardo a gerir ou, pior ainda, a delegar a outrem. Agora voltamos a reunir-nos para partilhar a alegria da fraternidade e contemplar o Mediterrâneo que nos circunda não só como lugar que preocupa e divide, mas também como mar que une. Há pouco, recordei as oliveiras centenárias que assemelham as terras entre si. Olhando estas árvores que nos irmanam, penso nas raízes que compartilhamos: subterrâneas, estão escondidas, muitas vezes esquecidas, mas estão lá e tudo sustentam. Quais são as nossas raízes comuns que atravessaram os séculos? São as raízes apostólicas. São Paulo colocou-as em evidência ao lembrar a importância de estarmos «edificados sobre o alicerce dos Apóstolos» (Ef 2, 20). E foi precisamente na cultura helénica que estas raízes, desenvolvidas a partir da semente do Evangelho, começaram a dar fruto abundante: penso em tantos Padres antigos e nos primeiros grandes Concílios Ecuménicos.

Em seguida, infelizmente, crescemos distantes. Venenos mundanos contaminaram-nos, a cizânia da suspeita aumentou a distância e deixamos de cultivar a comunhão. São Basílio Magno afirmou que os verdadeiros discípulos de Cristo «são modelados apenas pelo que veem n’Ele» (Moralia, 80, 1). Ações e opções que pouco ou nada têm a ver com Jesus e com o Evangelho, antes marcadas por sede de lucro e poder — com vergonha o reconheço, da parte da Igreja católica — fizeram murchar a comunhão. Deixamos, assim, que a fecundidade fosse comprometida pelas divisões. A história tem o seu peso e, hoje, sinto a necessidade de renovar aqui o pedido de perdão a Deus e aos irmãos pelos erros cometidos por tantos católicos. Contudo enche-nos de grande conforto a certeza de que as nossas raízes são apostólicas e que a planta de Deus, não obstante os agravos do tempo, cresce e dá frutos no mesmo Espírito. E é uma graça reconhecer os frutos uns dos outros e, juntos, agradecer ao Senhor por isso.

O fruto final da oliveira é o azeite, aquele azeite outrora guardado em vasos e artefactos preciosos, que abundam entre os tesouros arqueológicos deste país. O azeite forneceu a luz que iluminou as noites da antiguidade. Durante milénios foi o «sol líquido, o primeiro estado misterioso da chama das lâmpadas» ( C. Boureux , Les plantes de la Bible et leur symbolique, Paris 2014, 65). A nós, querido Irmão, o azeite faz-nos pensar no Espírito Santo, que deu à luz a Igreja. Só Ele, com o seu esplendor sem ocaso, pode dissipar as trevas e iluminar os passos do nosso caminho.

Sim, porque o Espírito Santo é, antes de tudo, azeite de comunhão. Na Escritura, fala-se do azeite que faz brilhar o rosto do homem (cf. Sl 104, 15). Quanto precisamos hoje de reconhecer o valor único que brilha em cada homem, em cada irmão! Reconhecer esta valência humana que nos irmana é o ponto de partida para edificar a comunhão. Infelizmente, porém — como escreveu um grande teólogo — «a comunhão parece tocar uma corda sensível», um nervo descoberto, não só na sociedade, mas muitas vezes também entre os discípulos de Jesus, «num mundo cristão que se nutre de individualismo e rigidez institucional». E, no entanto, se as tradições próprias e as especificidades de cada um levam a isolar-se e distanciar-se dos outros, se «a alteridade não é qualificada pela comunhão, dificilmente pode dar vida a uma cultura satisfatória» ( I. Zizioulas , Comunhão e alteridade, Roma 2016, 16). Pelo contrário, a comunhão entre irmãos traz a bênção divina; os Salmos comparam-na ao «óleo perfumado derramado sobre a cabeça, a escorrer pela barba» (Sl 133, 2). Na realidade o Espírito, que se derrama nas mentes, impele-nos a uma fraternidade mais intensa, a estruturarmo-nos na comunhão. Então não tenhamos medo uns dos outros, mas ajudemo-nos a adorar a Deus e a servir o próximo, sem fazer proselitismo e respeitando plenamente a liberdade alheia, porque, «onde está o Espírito do Senhor — como escreveu São Paulo — aí está a liberdade» (2 Cor 3, 17). Rezo para que o Espírito de caridade vença as nossas resistências e nos torne construtores de comunhão, porque, «se verdadeiramente o amor consegue eliminar o medo e este se transforma em amor, então descobrir-se-á que aquilo que salva é a unidade» ( São Gregório de Nissa , Homilia 15 sobre o Cântico dos Cânticos). Aliás, como se pode testemunhar ao mundo a concórdia do Evangelho se nós, cristãos, estivermos ainda separados? Como se pode anunciar o amor de Cristo que congrega os povos, se não estivermos unidos entre nós? Já muitos passos foram dados ao encontro uns dos outros. Invoquemos o Espírito de comunhão, para que nos incite a seguir pelos seus caminhos e ajude a fundar a comunhão, não em cálculos, estratégias e conveniências, mas no único modelo que devemos ter diante dos olhos: a Santíssima Trindade.

Em segundo lugar, o Espírito é azeite de sabedoria: ungiu Cristo e deseja inspirar os cristãos. Dóceis à sua sabedoria suave, crescemos no conhecimento de Deus e abrimo-nos aos outros. Neste sentido, quero declarar o meu apreço pela importância que esta Igreja Ortodoxa — herdeira da primeira grande inculturação da fé, ou seja, a inculturação dela na cultura helénica — dedica à formação e à preparação teológica. Desejo recordar também a fecunda colaboração no campo cultural entre a Apostolikí Diakonía da Igreja da Grécia — cujos representantes tive a alegria de encontrar em 2019 — e o Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, bem como a importância dos simpósios intercristãos, promovidos pela Faculdade de Teologia Ortodoxa da Universidade de Salónica juntamente com a Pontifícia Universidade Antonianum de Roma. São ocasiões que permitiram instaurar relações cordiais e iniciar úteis intercâmbios entre académicos das nossas Confissões. Agradeço também a participação ativa da Igreja Ortodoxa da Grécia na Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico. Que o Espírito nos ajude a prosseguir com sabedoria por estes caminhos!

Por fim, o mesmo Espírito é azeite de consolação: Paráclito que está perto de nós, bálsamo da alma, cura das feridas. Ele consagrou Cristo com a unção para anunciar a boa nova aos pobres, a libertação aos cativos, a liberdade aos oprimidos (cf. Lc 4, 18). E é Ele ainda que nos impele a cuidar dos mais frágeis e dos mais pobres e a propor à atenção do mundo a sua causa, primária aos olhos de Deus. Aqui, como noutros lugares, tornou-se indispensável o apoio prestado aos mais necessitados durante os períodos mais duros da crise económica. Desenvolvamos, juntos, formas de cooperação na caridade, abramo-nos e colaboremos em questões de caráter ético e social para servir as pessoas do nosso tempo e levar-lhes a consolação do Evangelho. Com efeito o Espírito chama-nos, hoje mais do que no passado, a sanar as feridas da humanidade com o azeite da caridade.

O próprio Cristo, no momento da angústia, pediu aos seus a consolação da proximidade e da oração. A imagem do azeite leva-nos assim ao Jardim das Oliveiras. «Ficai aqui e vigiai» (Mc 14, 34): disse Jesus. O seu pedido aos Apóstolos estava expresso no plural; Ele deseja também hoje que vigiemos e oremos: para levar ao mundo a consolação de Deus e curar as nossas relações feridas, é precisa a oração de uns pelos outros. É indispensável para chegar «à necessária purificação da memória histórica. Os discípulos do Senhor, animados pelo amor, pela coragem da verdade e pela vontade sincera de se perdoarem mutuamente e reconciliarem, são chamados, com a graça do Espírito Santo, a reconsiderarem juntos o seu doloroso passado e aquelas feridas que este, infelizmente, continua ainda hoje a provocar» ( São João Paulo ii , Carta enc. Ut unum sint, 2).

A isto nos exorta, em particular, a fé na Ressurreição. Os Apóstolos, temerosos e hesitantes, reconciliaram-se com a deceção dilacerante da Paixão quando viram diante deles o Senhor ressuscitado. Precisamente a partir das suas chagas, que pareciam impossíveis de cicatrizar, alcançaram uma nova esperança, uma misericórdia inaudita; um amor maior do que os seus erros e suas misérias, que haveria de transformá-los num só Corpo, unido pelo Espírito na pluralidade de tantos membros diferentes. Venha sobre nós o Espírito do Crucificado Ressuscitado, concedendo-nos «um olhar de verdade sereno e límpido, vivificado pela misericórdia divina, capaz de libertar os ânimos e de suscitar em cada pessoa uma renovada disponibilidade» (Ibid., 2). Que Ele nos ajude a não ficar paralisados pelas coisas negativas e os preconceitos de outrora, mas a olhar a realidade com olhos novos. Então as tribulações do passado deixarão espaço para as consolações do presente, e seremos confortados pelos tesouros de graça que redescobriremos nos irmãos. Acabamos de iniciar, como católicos, um itinerário para aprofundar a sinodalidade e sentimos que temos muito a aprender de vós. Desejamo-lo com sinceridade, certos de que, quando os irmãos na fé se aproximam, desce aos corações a consolação do Espírito.

Beatitude, querido Irmão, acompanhem-nos neste caminho os numerosos e ilustres Santos destas terras e os mártires, sendo estes no mundo, infelizmente, mais numerosos hoje do que no passado. De diferentes Confissões na terra, moram juntos no mesmo Céu. Intercedam para que o Espírito, azeite santo de Deus, se derrame sobre nós num novo Pentecostes como sobre os Apóstolos de quem descendemos: acenda nos corações o desejo da comunhão, ilumine-nos com a sua sabedoria e unja-nos com a sua consolação.