Visita do Papa à casa geral das Filhas de Maria auxiliadora reunidas em capítulo

Visita do Papa à casa geral das Filhas de Maria auxiliadora reunidas em capítulo

 Visita do Papa à casa geral das Filhas  de Maria auxiliadora reunidas em capítulo  POR-044
03 novembro 2021

Na manhã de 22 de outubro, o Papa Francisco visitou a cúria geral das Filhas de Maria auxiliadora para se encontrar com as participantes no 24º capítulo geral, que se realizou em Roma de 11 de setembro a 24 de outubro. Chegando de carro à estrutura na praça do Ateneu salesiano, o Pontífice dirigiu um longo discurso — que publicamos a seguir — às duzentas religiosas presentes, entre as quais a nova superiora-geral Chiara Cazzuola e a cessante, Yvonne Reungoat.

Desejo-lhe, Madre, bom trabalho, juntamente com o novo Conselho. E agradecemos à Superiora e conselheiras cessantes. Espero que a Madre regresse à África... E se não houver lugar em África, à Patagónia!

Nestes dias de trabalho seguistes o tema «Comunidades generativas da vida no coração da contemporaneidade», iluminando-o com as palavras de Maria nas bodas de Caná: «Fazei tudo o que ele vos disser» (Jo 2, 5). Este é o gesto mais bonito de Nossa Senhora: Nossa Senhora nunca fica com algo para si, indica sempre Jesus. Pensai nisto: imitai Nossa Senhora e fazei o mesmo [faz o gesto de indicar]. Por um lado, portanto, ter em mente o contexto social multicultural, marcado por tensões e desafios por vezes até dramáticos, tais como os que a pandemia causou; ao mesmo tempo, ouvir a palavra do Senhor, a sua vontade, precisamente neste tempo tão frágil e incerto, com as formas de pobreza que a atual crise produziu e multiplicou. Sabeis, isto é terrível. A pobreza multiplicou-se, até a pobreza oculta. Muitas famílias abastadas, ou pelo menos da classe média, não têm o suficiente para viver. A pandemia causou muitas tragédias.

Despertar o vigor original da fecundidade vocacional do Instituto: foi o objetivo que vos propusestes. É uma perspetiva-chave para responder às necessidades do mundo de hoje, que precisa de descobrir na vida consagrada «a proclamação do que o Pai, através do Filho no Espírito, realiza pelo seu amor, a sua bondade, a sua beleza» ( civcsva, Para vinho novo, odres novos, 6). Isto não significa negar as fragilidades e as dificuldades presentes nas comunidades, mas acreditar que esta situação as pode ajudar a transformar o hoje num kairós, um tempo favorável para ir às raízes carismáticas, para trabalhar no essencial, redescobrindo, vós em primeiro lugar, a beleza da vida consagrada. Este desafio convida-vos a renovar o vosso “sim” a Deus neste tempo, como mulheres e comunidades que se deixam interpelar pelo Senhor e pela realidade. E assim tornar-vos profecia do Evangelho, testemunho de Cristo e do seu estilo de vida.

O Vaticano ii indicou à Igreja este caminho, que é o caminho de Deus: a encarnação na história, a imersão na condição humana. Mas isto pressupõe um enraizamento firme em Cristo, para não ficar à mercê da mundanidade nas suas várias formas e disfarces. Não vos esqueçais que o pior mal que pode acontecer na Igreja é a mundanidade espiritual. Até poderia dizer que parece pior do que um pecado, porque a mundanidade espiritual é aquele espírito muito subtil que ocupa o lugar do anúncio, que toma o lugar da fé, que ocupa o lugar do Espírito Santo. O padre de Lubac, no seu livro Méditation sur l’Eglise, fala sobre isto nas últimas páginas. Procurai-as. As últimas quatro páginas. Ele diz isto que é muito forte: a mundanidade espiritual é o pior mal que pode acontecer à Igreja, pior do que o escândalo na época dos Papas concubinários. É forte. O diabo entra nas casas religiosas por esta via. A mim ajuda a compreender como o diabo entra no meio de nós. E não é um pecado, não é uma freira a matar outra — um escândalo! — ou que insulta outra, não, isto é um pecado terrível, escandalizam-se todos, pedem perdão... Não. Jesus ensina-nos como o diabo entra aqui, e diz o seguinte: «Quando o espírito impuro é expulso de uma pessoa, vai-se embora, vagueia pelos desertos, aborrece-se, depois diz: “Voltarei à minha casa para ver como está”. Uma casa toda limpa, toda bonita, toda preparada. E vai, encontra outros sete piores do que ele e entra naquela casa». Mas não entra à força, não, entra educadamente: toca a campainha, diz bom dia. São demónios educados. Não nos apercebemos que estão a entrar. Então entram lentamente e nós: «Ah, que bom, que bom, vem, vem...». E no final, a condição daquele homem é pior do que no início. Assim acontece com a mundanidade espiritual. Pessoas que deixaram tudo, renunciaram ao matrimónio, renunciaram aos filhos, à família... e acabam — desculpai a palavra — “solteironas”, ou seja, mundanas, preocupadas com essas coisas... E o horizonte fecha-se, porque dizem: «Esta nem sequer olhou para mim, aquela insultou-me, esta outra...». Os conflitos internos que fecham. Por favor, fugi da mundanidade espiritual. E também do status: «Sou religioso, sou religiosa...». Examinai isto. É o pior que pode acontecer. É como alguém [...] que lentamente absorve as tuas forças. E em vez de serem consagradas a Deus, tornam-se “meninas educadas”. [...] onde há o serviço missionário, onde há o serviço, onde há a mortificação, de se tolerarem umas às outras. E São João Berchmans dizia: «A minha maior penitência é a vida comunitária». E é preciso! É preciso muita penitência para vos tolerardes umas às outras. [...] Mas prestai atenção à mundanidade espiritual. Não tenho necessidade de mudar o telemóvel para viver, não preciso disto, não preciso de tirar umas férias na praia... Estou a falar de coisas reais. Mas a mundanidade é aquele espírito que te leva a não estar em paz ou com uma paz não boa, uma paz sofisticada.

Para vós, consagradas, isto exige uma fidelidade criativa ao carisma, e é por isso que voltais sempre ao carisma. O carisma é uma relíquia? Não, é uma realidade viva, não uma relíquia embalsamada. É a vida que cria e vai em frente, não uma peça de museu. Por conseguinte, a grande responsabilidade é colaborar com a criatividade do Espírito Santo, para revisitar o carisma e garantir que exprima hoje a sua vitalidade. Disto deriva a verdadeira “juventude”, pois o Espírito renova todas as coisas. E encontramos religiosas e religiosos idosos que parecem mais jovens — como o vinho bom — pois a força do Espírito os ajuda a encontrar novas expressões do mesmo dom que é o carisma. Um carisma que é igual para todas, mas diferente para todas. É o mesmo, mas com as nuances da própria pessoa; e isto significa que essa pessoa está cheia desse carisma, é criativa também no carisma. Não sai do carisma, não. É o próprio carisma. É a criatividade que dá fidelidade ao carisma. Este é o caminho da Igreja que os Santos Papas do Concílio e do pós-Concílio nos mostraram: João xxiii , Paulo vi , João Paulo i — proximamente Beato — e João Paulo ii , cuja memória celebramos hoje.

Outro aspeto que vejo no tema do Capítulo é a necessidade de desenvolver comunidades tecidas de relações intergeracionais, interculturais, fraternais e cordiais. Para isso, podeis inspirar-vos no vosso espírito de família, que caraterizou a primeira comunidade, em Mornese, e que vos ajuda a ver a diversidade como uma oportunidade para exercer o acolhimento e a escuta, valorizando as diferenças como riqueza. Nesta perspetiva, encorajo-vos também a prosseguir o compromisso de trabalhar em relação com outras congregações, procurando viver relações de reciprocidade e corresponsabilidade. Mas isto pode ser bem feito se dentro da tua congregação tiveres bons relacionamentos, não fujas para outras congregações por não seres capaz de tolerar a tua. Isto para vós é uma forma concreta de viver a sinodalidade; e, também aqui, o pressuposto é a docilidade ao Espírito Santo, a abertura às suas novidades e surpresas.

Sobre isto gostaria de me concentrar: acerca da intergeracionalidade. Lembro-me de que certa vez uma congregação religiosa — não vós — na Argentina, teve problemas, há muitos anos, há mais ou menos quarenta anos. A Madre-Geral era uma religiosa competente para organizar, e disse: «Não, não: precisamos de jovens aqui», pois naquele tempo havia muitas vocações. As idosas estavam todas num lar e as jovens estavam separadas. Mas isto é um pecado, um pecado contra a família! Os idosos devem viver, na medida do possível, na comunidade viva. E um dever dos jovens é cuidar dos idosos, aprender com eles, dialogar com os idosos. Se numa congregação não existir esta troca, é o caminho que leva à morte [Mostra uma imagem que foi distribuída, na qual é representado um jovem monge que carrega sobre os seus ombros um monge idoso]. Esta imagem... Este jovem monge que carrega um idoso. Esta é a “profissão” do jovem. Ser capaz de ter as avós, os avôs em casa. Lembro-me que naquela congregação, que mencionei anteriormente, as idosas morriam de desgosto. “Morreu… Está mal...”. O desgosto vinha da tristeza de não poder desfrutar das novas gerações. Fazei um exame de consciência: como acolho os idosos? É verdade que os idosos por vezes se tornam um pouco caprichosos — somos assim — e os defeitos na velhice veem-se melhor; mas também é verdade que os idosos têm aquela sabedoria, aquela grande sabedoria da vida: a sabedoria da fidelidade de envelhecer na vocação. E obrigado por tudo o que fareis. Nunca isoleis os idosos! Sim, haverá lares para os idosos que não podem levar uma vida normal, estão acamados... Mas ide lá continuamente, visitai os idosos, visitai-os... São o tesouro da história! Ajuda-me muito a experiência de Santa Teresinha do Menino Jesus, quando acompanhava uma religiosa idosa que caminhava com muita dificuldade. Mas ela era uma religiosa ligeiramente neurótica, o que por vezes acontece. E Teresinha fazia tudo... E Teresinha nunca deixou de sorrir. Acompanhava-a, fazia-a sentar e partia o pão para ela. A pobre idosa, que era um pouco neurótica, lamentava-se de tudo, mas olhava para ela com amor. E uma vez aconteceu, no caminho do coro para o refeitório, que ouviram um grande barulho que vinha de fora, ouvia-se a música de uma dança, havia uma festa nas proximidades. E Teresinha disse: «Nunca mudarei isto por aquilo». Ela compreendeu a grandeza da vocação. O respeito pelas pessoas idosas. Por favor, acolhei os idosos!

A mesma abertura ao Espírito permite-vos perseverar no vosso compromisso de serdes comunidades generativas ao serviço dos jovens e dos pobres. Comunidades missionárias, em saída, propensas a anunciar o Evangelho às periferias, com a paixão das primeiras Filhas de Maria Auxiliadora. Mas aquela paixão é impressionante, a dos primeiros Salesianos! Mas era verdade, causava admiração aos jovens e às jovens. Num livro que vos trouxe — deixarei um exemplar à Madre-Geral — um livro que fala de um sacerdote salesiano de Lodi que foi missionário na Argentina, padre Enrico Pozzoli, na introdução do livro — é interessante — mostra a quantidade de salesianos que Dom Bosco enviou para a Argentina. Tantos! E quando chegaram a Buenos Aires — esta é a beleza dos primeiros salesianos — não foram aos bairros de classe média, não, foram à procura das fronteiras... O que atrai a vocação? A santidade, o zelo. Procurai, vede esta missionariedade... A propósito dos jovens, quero encorajar-vos, pois não é fácil acompanhar jovens e adolescentes. Sabem-no bem os pais, e também vós o sabeis. Também por isso desejei o Sínodo para os jovens e com os jovens, que resultou na Exortação Christus vivit. Sei que a utilizais; encorajo-vos a continuar a fazê-lo: estou persuadido de que nela podereis encontrar várias ideias em sintonia com o vosso carisma e o vosso serviço educativo.

Queridas irmãs, sei que vos estais a preparar para celebrar os 150 anos de fundação do Instituto. Também esta é uma oportunidade de renovação e revitalização vocacional e missionária. Não vos esqueçais a graça das origens, a humildade e a pequenez do início que tornaram transparente a ação de Deus na vida e na mensagem de quantas, cheias de admiração, iniciaram este caminho. Maria Auxiliadora ajudar-vos-á: sois suas filhas! As suas palavras nas bodas de Caná foram e são um farol de luz para o vosso discernimento: «Fazei o que ele vos disser». Maria é a mulher atenta, plenamente encarnada no presente e solícita, uma mulher atenciosa. Que também vós possais estar à escuta atenta da realidade, captar situações de necessidade, quando faltar o “vinho”, ou seja, a alegria do amor, e anunciar Cristo, não com palavras, mas com o serviço, a proximidade, compaixão e ternura. Fico por aqui. Para mim, uma coisa terrível é uma religiosa zangada, uma religiosa que parece tomar o pequeno-almoço não com leite, mas com vinagre. Sede mães. Ternura. O estilo de Deus é sempre a proximidade. Diz isto o início do Deuteronómio: «Pensai, que povo tem os seus deuses tão próximos como vós me tendes a mim?». Proximidade. E a proximidade de Deus é sempre compassiva e terna. A proximidade é compaixão e ternura. Todos os dias, no vosso exame de consciência, perguntai-vos: «Hoje, estive próxima? Fui compassiva? Fui terna?». Ide em frente deste modo. Usai muito a palavra ternura. É importante para o modo de ser. Transmiti a esperança que não desilude. A verdadeira esperança. Sede como Maria, mulheres de esperança. Fazei-o a partir da identidade salesiana, com o estilo salesiano: especialmente a escuta, a presença ativa, o amor pelos jovens. A criatividade do momento, como Dom Bosco costumava dizer.

Aquele «a Mãe de Jesus estava lá» (Jo 2, 1) do Evangelho das bodas de Caná, nas vossas Constituições torna-se «Maria está ativamente presente na nossa vida e na história do instituto» (cf. Const. fma, 44). Acompanhadas por ela, ide em frente com entusiasmo no caminho que o Espírito vos sugere. Com o coração aberto para acolher os impulsos da graça de Deus, com o olhar atento para reconhecer as necessidades e urgências de um mundo em contínua mudança. Olhar para as mudanças, mas com o coração sempre apaixonado pelo Senhor. Coração de mãe, coração próximo, com compaixão e com ternura.

E obrigado por este encontro! Obrigado pelo que sois e pelo que fazeis. Estou próximo de vós com a oração e abençoo a vós e a todas as vossas irmãs no mundo. E peço-vos que oreis por mim: não é fácil ser Papa!