Padre Guerrero, Prefeito da Secretaria para a Economia,
ilustrou os dados sobre a recolha e utilização dos fundos

O óbolo de São Pedro
para apoiar a missão da Igreja

 O óbolo de São Pedro  para apoiar a missão da Igreja  POR-027
07 julho 2021

«Éimportante colaborar pois não podemos pensar que a missão da Igreja possa ser sustentada sem a contribuição dos fiéis. O anúncio do Evangelho no mundo inteiro, com tudo o que isso implica, pressupõe uma estrutura de apoio». Na vigília da coleta do Óbolo de São Pedro, o Prefeito da Secretaria para a Economia, o jesuíta Juan Antonio Guerrero Alves, explicou nesta entrevista como são utilizados os fundos recolhidos: as intervenções caritativas e a contribuição para o serviço do Papa às Igrejas no mundo.

Padre Guerrero, muitas pessoas fazem perguntas e querem saber sobre o Óbolo, depois de tantas notícias contraditórias.

Antes de mais, gostaria de dizer que as pessoas têm o direito de saber como gastamos o dinheiro que nos é dado. Por vezes, as contradições surgem da falta de conhecimento, que por sua vez também pode derivar da falta de transparência. Quando comecei o meu serviço como Prefeito da Secretaria para a Economia, o Santo Padre pediu-me que prestasse especial atenção à transparência. Durante este período na SpE procurei partilhar com os fiéis os dados económicos da Santa Sé que conheço e que me pareciam relevantes.

Portanto, para que serve o Óbolo?

Fala-se da caridade do Papa, e é assim. A caridade, evidentemente, consiste em oferecer doações às Igrejas locais, instituições, famílias ou pessoas necessitadas. Mas não se trata apenas do dinheiro que chega a Roma e que o Vaticano distribui em diferentes partes do mundo para obras de caridade. Isto faz parte da finalidade do Óbolo. Ou seja, há donativos para o Óbolo que chegam e são imediatamente distribuídos para áreas em necessidade. Para dar um exemplo do que sei por conhecimento direto: em 2021, desde quando está sob a supervisão e controlo da Secretaria da Economia, o Óbolo recebeu até hoje 21 milhões de euros em donativos (talvez alguns sejam do ano passado que chegaram atrasados). Destes, 8 milhões de euros foram distribuídos para a evangelização ou projetos sociais de apoio às Igrejas necessitadas, principalmente em países da África, Ásia e América Latina. O desenvolvimento no primeiro semestre do ano, quando são feitas mais doações diretas, deve ser semelhante ao dos anos anteriores.

No entanto, o Óbolo não é usado apenas para obras de caridade…

De facto, é também importante explicar e compreender que parte da caridade do Papa diz respeito à sua missão de unidade na caridade, que realiza através dos dicastérios e instituições da Cúria Romana ao serviço da Igreja universal. Uma parte do orçamento de alguns dicastérios está destinada a ajudar as Igrejas necessitadas e em situações humanas difíceis, mas esta não é normalmente a parte principal da sua missão, que é principalmente oferecer o seu serviço específico à Igreja universal. Estas instituições da Cúria não têm rendimentos próprios, e geralmente não recebem qualquer compensação financeira pelos seus serviços. Pensemos no serviço da unidade da fé, na liturgia, nos tribunais da Igreja, na comunicação do Papa, no cuidado do património recebido ao longo dos séculos na Biblioteca ou no Arquivo, onde documentos importantes da história da humanidade são preservados, nas representações papais no mundo, etc. Estes serviços prestados à Igreja universal não geram rendimentos e são parcialmente financiados pela coleta do Óbolo.

Fala-se com frequência de um fundo milionário do Óbolo. Pode explicar por que parte da coleta do Óbolo é poupada, e por que se constitui um fundo?

Relativamente à poupança e ao facto de existir um fundo do Óbolo há décadas, uma explicação elementar é que quando entram grandes doações extraordinárias, por exemplo um grande legado para a missão do Papa, não parece prudente gastá-lo imediatamente durante o ano. Pode ser utilizado numa data posterior, para quando houver mais necessidade, ou pode ser criado um fundo para apoiar projetos a longo prazo no decorrer do tempo. Poupar nos anos em que menos se precisa, para quando mais se precisa, é algo sensato e prudente. É claro que estas poupanças devem ser administradas com cuidado, de acordo com os princípios da doutrina social da Igreja, com a prudência de um bom pai de família, e com a consciência de que o que recebemos todos os anos não cobre todas as despesas da missão.

A crise económica provocada pela pandemia teve muito impacto na última coleta do Óbolo?

Já notámos uma diminuição na recolha nos últimos anos. Entre 2015 e 2019, a coleta diminuiu de 23%. Além desta diminuição, em 2020, o primeiro ano de Covid, as receitas do Óbolo foram inferiores de 18%. É provável que a crise relacionada com a pandemia se faça sentir novamente este ano. Algumas doações recebidas têm um destino final específico, outras são ofertas genéricas para o Santo Padre. Em 2019 a coleta do Óbolo foi de 53,86 milhões de euros, distribuídos da seguinte forma: 43 milhões no fundo geral do Óbolo e 10,8 milhões destinados especialmente a situações de necessidade na Igreja e no mundo. Em 2020 a coleta foi de 44,1 milhões de euros, distribuídos da seguinte forma: 30,3 milhões para o Óbolo geral e 13,8 milhões para situações especiais.

Pode esclarecer o que entende por “situações especiais”?

Quando falamos de uma situação especial ou específica, referimo-nos a doações destinadas, por exemplo, para a construção de igrejas em países do terceiro mundo, serviços sociais como hospitais para crianças ou apoio a escolas em áreas de pobreza, apoio à presença de comunidades religiosas em áreas difíceis devido à violência ou pobreza, formação de agentes pastorais, etc. Os projetos sociais, nestas doações destinadas, ficam com a parte de leão. Se recebermos uma doação com um propósito já definido e a aceitarmos, respeitamos a vontade do doador. Por outro lado, nos orçamentos de alguns dicastérios, neste ano de menores rendimentos, as despesas de apoio às Igrejas em dificuldade aumentaram, como no caso do dicastério para o Desenvolvimento humano integral, que aumentou as suas despesas para apoiar algumas situações mais penalizadas este ano.

Padre Guerrero, por que é importante colaborar? Por que doar para o Óbolo?

É importante colaborar, pois não podemos pensar que a missão da Igreja possa ser sustentada sem a contribuição dos fiéis. O anúncio do Evangelho no mundo inteiro, com tudo o que isso implica, pressupõe uma estrutura de apoio. A Igreja sempre viveu desta maneira. Como disse o Papa Francisco na sua mensagem às Pontifícias Obras Missionárias, a Igreja sempre continuou graças à oferta da viúva, à contribuição de inúmeras pessoas que estão gratas pelo dom da fé e que dão o que podem. Já no início da Igreja, São Paulo promoveu uma coleta em nome da Igreja em Jerusalém (cf. 1 Cor 16, 1). Nas suas cartas, o Apóstolo indica alguns critérios centrados no princípio da comunhão das várias comunidades da única Igreja.

O Óbolo frequentemente foi mencionado nos meios de comunicação social nos últimos dois anos devido ao investimento no fundo proprietário do edifício da Sloane Avenue em Londres: perdeu-se muito dinheiro naquela operação?

Esta é uma história dolorosa. É sempre verdade que nos investimentos às vezes se ganha e às vezes se perde. Mas se houve irregularidades, devemos compreendê-las e punir os responsáveis. Os investimentos do Óbolo estavam tradicionalmente num conjunto com os investimentos de outros fundos sob a responsabilidade da Secretaria de Estado. Não foi fácil dizer que esta parte, estas ações ou este edifício pertencem ao Óbolo e aquele pertence a outros fundos. Como eu dizia, a Santa Sé enveredou por um caminho de transparência e ele inclui também o esclarecimento de episódios pouco claros. O que se pode dizer, entretanto, é que as desvalorizações e perdas do edifício em Londres — suponho que isto foi feito por respeito às doações dos fiéis — não incidiram nos fundos do Óbolo, mas sobre outros fundos detidos pela Secretaria de Estado. Esta decisão foi tomada quando foi feita a distribuição da contribuição de cada fundo para as perdas.

Escreveram-se muitos valores, falou-se de cerca de 800 milhões de euros? Pode dizer-nos quanto dinheiro possui efetivamente o fundo do Óbolo?

Falar sobre 800 milhões de euros... parece-me uma fantasia! Nas contas que vi, o património líquido de todos os fundos da Secretaria de Estado nos últimos dez anos foi sempre muito inferior a este montante. O fundo do Óbolo em 2015 era de 319 milhões de euros. Nos últimos anos, gastou em média de 19 milhões de euros a mais do que recolheu. Em 31 de dezembro de 2020, o fundo do Óbolo tinha cerca de 205 milhões de euros, parte deles em investimentos pouco “líquidos”, incluindo o famoso edifício em Londres. O fundo do Óbolo foi descapitalizado nos últimos anos devido às despesas dos dicastérios da Cúria, que precisavam de mais do que aquilo que estava a ser recolhido. É óbvio que já não pode ser assim.

Quem gere hoje os fundos do Óbolo?

Até ao ano passado, as doações do Óbolo eram recolhidas, geridas e administradas pela Secretaria de Estado. Em dezembro de 2020, foi emitido um Motu proprio pelo qual os fundos foram transferidos para a Apsa. Quanto à recolha, uma grande parte dela tem lugar nas Igrejas durante a coleta na festa de São Pedro, a 29 de junho. No ano passado, em muitos países, devido ao fechamento das igrejas por causa da pandemia, a coleta foi transferida para 4 de outubro, festa de São Francisco. Este ano teve lugar de novo no Dia de São Pedro. Cada igreja envia a coleta para as dioceses, e as dioceses enviam-na para as nunciaturas, que por sua vez a enviam para Roma. Muitos fiéis doam diretamente através da página web ou por transferência direta para as contas do ior. Quanto ao Motu proprio de dezembro passado, corresponde à necessidade de garantir a máxima transparência, na distinção de funções na unidade da missão. A Santa Sé é apenas uma. Estamos todos ao serviço da missão do Papa, Sucessor de Pedro. A gestão e administração do fundo e das receitas agora é responsabilidade da apsa, mesmo se, naturalmente, seja a Secretaria de Estado, que através das nunciaturas conhece melhor as necessidades das Igrejas e dos países, a designar os projetos a serem ajudados. O controlo das receitas e despesas é responsabilidade da Secretaria para a Economia, onde se encontra agora o Departamento do Óbolo. Esperamos poder, o mais rapidamente possível, prestar contas exatas aos fiéis de tudo o que diz respeito ao Óbolo de São Pedro, a começar pelas receitas e despesas.

Andrea Tornielli