L’Osservatore Romano — 1 de julho de 1861-2021
Um meu velho e sábio amigo gosta de repetir uma expressão que se tornou comum: um homem começa a envelhecer quando, em vez de olhar para a frente, olha para trás. Hoje L’Osservatore Romano tem 160 anos, um bom número, pequeno se comparado com a história da Igreja mas pelo menos o dobro da idade média de um ser humano e atestando uma grande tenacidade e longevidade, em comparação com os muitos jornais italianos e estrangeiros nascidos antes ou juntamente com a publicação da Santa Sé. Portanto, existe uma forte tentação de olhar para trás e recordar, para celebrar este longo evento jornalístico que abrange, não como ator coadjuvante, os últimos três séculos da história da humanidade em todo o mundo. A escolha foi sobretudo a de “juventude”: olhar para o futuro. Fortalecidos, obviamente, por aquela história que está atrás de nós, mas que ainda continua a provocar efeitos. É uma escolha “tradicional” no sentido que o grande compositor austríaco Gustav Mahler atribuiu à tradição: não a veneração das cinzas, mas a conservação do fogo. Este jornal tem um fogo a carregar, que é o mesmo fogo de que Jesus fala no Evangelho, aquele fogo que nos últimos vinte séculos incendiou e ainda inflama o mundo inteiro onde consegue chegar. E é nisto que está em jogo a missão da Igreja que, como o Papa nos recordou recentemente, só é credível se for livre. Este é o grande desafio que L’Osservatore Romano também enfrenta todos os dias.
Do ponto de vista científico, aquilo a que chamamos “fogo” pode ser definido “combustão”, que é um processo de transformação da matéria que muda, perdendo consistência, mas dando calor e energia e purificando-se. Isto é o que acontece todos os dias quando, do nada, nasce um jornal e depois, no final do dia de trabalho, é publicado, ou seja, difundido pelo mundo. Hoje como nunca podemos dizer “difundido”, considerando que o jornal desembarcou na dimensão digital, o que lhe permite, em tempo real, alcançar “os confins da terra”. E isto pode ser dito de cabeça erguida, dado que o nosso é verdadeiramente um jornal internacional, que é publicado em oito línguas e através das edições linguísticas semanais chega aos cinco continentes. Internacional não dá a ideia: L’Osservatore de facto não é italiano, mas romano, isto é católico, e, por conseguinte, universal.
Este jornal tem hoje um “dia” longo de 160 anos e viveu durante todo este tempo precisamente porque mudou, transformando-se continuamente enquanto permaneceu, ao mesmo tempo, ele próprio. Fidelidade e criatividade de acordo com as palavras que o Papa Francisco dirigiu à redação recentemente por ocasião da festa dos santos Pedro e Paulo. Não só não estão em oposição como, pelo contrário, se alimentam uma à outra: a fidelidade existe graças à criatividade e a criatividade vive dentro da fidelidade, que é a única forma verdadeira de ser criativo.
L’Osservatore Romano viveu, ou seja, mudou, passando pelas mãos de dez diretores diferentes aos quais quero agradecer, desde a direção inicial partilhada de Nicola Zanchini e Giuseppe Bastia até à do meu direto predecessor Giovanni Maria Vian: todos eles foram portadores deste fogo, passando o bastão e entregando-mo já há dois anos e meio. Se o jornal existe e está vivo, se hoje posso trabalhar, espero com fidelidade e criatividade, é devido a eles e a eles dirijo a minha gratidão.
Um jornal é um fogo, ou pelo menos deveria ser. Ou seja, deve ser um processo que transforma as ideias que tomam forma em contacto com a realidade, com as notícias, ideias que se tornam reflexões e narrações que são oferecidas aos leitores; na qualidade dos nossos artigos há aquele calor e energia que, ardendo, damos ao ambiente no qual nos difundimos. Se a nossa redação arder com um fogo bom e vivo, então o calor e a energia serão saudáveis e ajudarão a regenerar as pessoas que nos lerem. Desde aquela noite em que o homem descobriu o fogo, os homens acostumaram-se a reunir-se à volta das chamas que iluminavam a noite escura, aqueciam o ambiente frio, cozinhavam os alimentos. E ao reunir-se começavam a sentar-se à volta da fogueira e a contar, a narrar-se. Estes são os votos que, no momento no qual todas as tardes enviamos o jornal ao prelo, acompanham a circulação deste jornal único, “singularíssimo” como Giovanni Battista Montini o definiu no centenário, a 1 de julho de 1961: alcançar o mundo inteiro com uma palavra que é deveras “fogo”, por vezes ardente e pungente, mas sempre de encorajamento e confiança, de acompanhamento e esperança.
E hoje a palavra que, nesta passagem dos 160 anos, queremos difundir através do nosso jornal, é fraternidade. Não inventamos nada: foi a primeira palavra pronunciada pelo Papa Francisco na noite de 13 de março de 2013, e é a que sustenta, juntamente com outra, a misericórdia, todo o arco destes oito anos do pontificado. A 4 de outubro publicámos, no dia em que o jornal voltou a ser impresso com o novo formato e layout, o texto da encíclica Fratelli tutti. É um texto vigoroso que desperta a consciência de um mundo ainda adormecido, apanhado de surpresa e deixado sem palavras pelo trágico e violento surto da pandemia. Ao mundo estupefacto, o Papa propõe uma palavra: fraternidade. Podemos permanecer humanos se nos redescobrirmos irmãos. Não é tanto uma questão de o querer, mas de o reconhecer. E nisto o mundo da comunicação pode desempenhar um papel importante e decisivo. Se, no entanto, optar por inaugurar uma época de jornalismo de fraternidade: onde ser jornalista não é um exercício de poder mas um serviço, um serviço a ser oferecido ao outro irmão tal como ele é, na sua realidade. Contando a sua história a fim de construir uma ponte, tentando criar as condições para uma possível aliança, sem ao contrário procurar exacerbar as razões de separação e alimentar a oposição. Para o fazer, temos de abandonar a tentação da ideologia, sempre rastejante, que conduz ao resultado de submeter a realidade aos nossos preconceitos e por fim aos nossos interesses; para o fazer, temos de ser como diz o Papa «um jornal vivo, que nos ajuda; por esta razão não pode ser de laboratório nem de escrivaninha. Deve ser de rua, para enfrentar a vida e a vida enfrenta-se como é, não como eu gostaria que fosse».
O Papa disse-nos que já somos um jornal vivo, encorajados pelas suas palavras, com as inserções especiais que hoje inauguramos pelos 160 anos de vida de L’Osservatore Romano, queremos contagiar o mundo inteiro com a nossa vitalidade e por isso pedimos aos diretores de importantes jornais italianos e estrangeiros que se interessem e reflitam connosco sobre como o jornalismo deve ser adaptado ao desafio da época na qual vivemos, “uma época de mudança” como Francisco repetiu muitas vezes, o que exige por conseguinte um serviço que esteja à altura desse desafio. Estamos aqui, jovens de 160 anos, estamos vivos e com espírito cheio de gratidão olhamos em frente, na certeza de que o futuro é melhor do que todos os nossos passados.
Andrea Monda