O Santo Padre escreveu uma “carta aberta” na perspetiva dos Jogos Olímpicos de Tóquio

Caríssimo atleta...

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23 junho 2021

Caríssimo atleta!

Quando a tocha, que parte de Olímpia, acender o braseiro, será como ouvir o eco de uma voz amiga: “Eis-nos, finalmente: estava à tua espera, estavas à minha espera. Esperávamo-nos”.

O fogo, levado pelos portadores da tocha como se fossem antigos mensageiros, arderá por toda a duração dos Jogos Olímpicos. Quando penso no desporto, gosto muito da imagem do fogo: é brilhante, limpo, assemelha-se ao que deslumbra. Quando se torna uma chama, já não faz fumaça: é misterioso, brilhante. É o fogo sagrado da paixão, aquela que aquece sem se consumir. Como aconteceu com Moisés: «a sarça ardia, mas não se consumia» (Êx 3, 2).

Relaciono a paixão com a exaltação de algo imenso, mas também com a fadigosa dor do sofrimento. A mesma paixão que, de um ginásio anónimo na cidade, na tua cidade, te conduziu até aqui, a um passo do grande sonho. Procuro imaginar os teus meses de expetativa, de preparação. Para alguns foram anos: de anonimato, de solidão, de planeamento. Tu, o teu treinador e aquela voz dentro de ti que agora sussurra: “Eis a tua grande oportunidade: joga até ao fim, acende-a!”. Não a jogar poderia significar, um dia, fazer as contas com o arrependimento: um dos piores, pois não é o de nunca ter tido uma oportunidade, mas de a ter tido e não ter sido capaz de a aproveitar. Os Jogos Olímpicos são a tua grande ocasião desportiva.

Os Jogos Olímpicos são a nomeação suprema para a melhor juventude no desporto: não há nomeação alguma mais nobre para um atleta. É uma das melhores ideias surgidas da imaginação do homem, o teste decisivo das suas capacidades físicas. Ali, no auge da tua atuação, o mundo inteiro está a ver-te, sentado nas bancadas ou em frente da televisão. Também tu olhas para o mundo. Como para dizer: “Estou presente, tenho valor, a minha nação orgulha-se de mim!”.

Os Jogos Olímpicos duram pouco mais do que um instante: para uns até menos de dez segundos. Para outros algumas horas, outros ainda perseguem o ouro durante uma série de dias, exercícios, desafios. Para todos, porém, o exercício de uma disciplina também contém uma espécie de apresentação: “Este sou eu, cheguei aqui, este para mim é o máximo”.

Quando vos observo, com uma certa admiração pelo que conseguis fazer, penso que o desporto, em vez de construir uma personalidade, a revele. Chegais aos Jogos Olímpicos cada um com a própria história, o próprio caminho, os próprios encontros: é o vosso tudo humano, antes de ser atlético. E, na vossa unicidade, dizeis quem sois, de onde vindes, até onde sois capazes de ir. Eis porque poderás aceitar a derrota, mas estou convencido de que nunca aceitarias, de ti mesmo, desistir de tentar. É uma das leis mais preciosas da idade da juventude: cada hora perdida hoje é um pedaço de infelicidade amanhã.

Sonha, então: explora, melhora os teus limites, desafia o teu adversário. Faz com estilo, contudo, sem perder o sentido das proporções, oferecendo o melhor do teu coração antes ainda que do teu físico.

Sem atalhos: melhor uma derrota limpa do que uma vitória suja!

E enquanto te comprometes, não te esqueças do amor pelo que fazes, independentemente do resultado: há um forte risco, perseguir uma medalha a todo o custo, enveredar por atalhos, trair a confiança recebida. Para alguém, apesar de todo o esforço, talvez não chegue medalha alguma: muitos falarão de derrota, até mesmo de fracasso.

E no entanto, se pensarmos bem, até na derrota há uma vitória escondida: é todo o caminho que percorremos para chegar até lá, o que aprendemos e sofremos, o bom e o “mau” de aceitar um desafio. Não a desperdices: observa-a, ouve-a. Há empreendimentos que nascem exatamente ali, onde todos viram o fim do atleta.

Na minha vida descobri que, dentro de uma derrota, também há indícios de meditação: se aceitarmos romper a casca, a amêndoa que encontramos tem sabor.

A vitória a qualquer custo, ao contrário, pode transformar-se em arrogância, iludindo-te que, por teres chegado ali, tudo te é permitido. Não é assim! Desporto é compromisso, sacrifício: antes disso é lealdade. Aliar-se com o doping não é apenas enganar o teu adversário, mas espezinhar a tua dignidade. Significa roubar a chama divina a Deus. Uma medalha conquistada assim hoje, que valor poderá ter amanhã?

“A vida é uma oportunidade, aproveita-a”, escreveu Santa Teresa de Calcutá, “A vida é um desafio, enfrenta-a”. Agarra-a: o talento, quando encontra uma oportunidade, transforma-se em ouro, prata, bronze...

Para o mundo, perturbado por mil infortúnios, com o teu gesto desportivo é como se fizesses uma proclamação de beleza: “Há uma ilha de oportunidades no meio de um mar de dificuldades”.

O teu não é um apelo às armas. É muito mais: mostrar que na guerra se mata sem nunca vencer, enquanto no desporto se vence sem nunca matar. Jogando assim, podes muito bem perder, mas terás deixado o mundo (não apenas o mundo do desporto) um pouco melhor do que o encontraste.

A ti, que carregas a força dos sonhos e do impossível, confio a minha esperança: que nenhum jovem aceite que outros assinem a vida no seu lugar.

É a esperança que São Paulo, grande lutador, confiou ao seu amigo Timóteo: «Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé» (2 Tm 4, 7). Joga a oportunidade, vai até ao fundo, mantém a tua paixão. E quando alguém te disser: “Chega, desiste!”, tenta mais uma vez: resiste mais um momento. Pode ser o decisivo: há momentos que, por si só, valem todo o ouro do mundo.

A vida é o maior destes momentos.

Acompanho-te com a minha oração: para que te tornes o melhor que preservas no coração. Se puderes, recorda-te de mim: para que eu consiga fazer o mesmo.

Papa Francisco