Padre Claudino Gomes, missionário comboniano português na República Democrática do Congo denuncia a trágica situação no país

Uma guerra que dizima milhares de pessoas

Pessoas em fuga do Kivu do Norte
02 junho 2021

«A violência no Kivu do Norte aumenta e em Butembo a nossa missão é alvo de grupos de manifestantes, que desafiam cada vez mais a presença das tropas da Onu na região. Temos receio de ser atacados a qualquer momento, estamos preocupados porque se trata de uma guerra “em pedaços”, que dizima milhares de pessoas e é quase ignorada pelos meios de comunicação e instituições que deveriam fazer-se ouvir mais. Mas estamos sempre aqui, permanecemos e vivemos com as pessoas que fomos enviados a servir, em nome de Jesus». Palavras cheias de temor, mas também da força irredutível da fé, pronunciadas pelo padre Claudino Gomes, missionário comboniano português, que na cidade martirizada da província no nordeste da República Democrática do Congo desempenha o seu apostolado em condições de grande instabilidade social, onde dias de aparente normalidade se alternam com períodos de tiroteios, pilhagens, violências, mortes e destruição. «Agora a situação é muito fluida, mas as últimas semanas foram de grande apreensão após as manifestações, especialmente de jovens e adolescentes contra os capacetes azuis das Nações unidas, considerados não à altura do mandato, que às vezes degeneram em conflito e nalgumas vítimas», disse ele ao jornal digital português 7 Margens. A hostilidade cada vez mais forte contra a Monusco (missão da Onu para a estabilização na República Democrática do Congo), disse o padre Gomes, é provocada pelas repetidas acusações de que ela nada faz para proteger a população contra a violência dos grupos armados que se aglomeram na região e lutam entre si.

Todas as atividades comerciais de Butembo, uma cidade com mais de dois milhões e meio de habitantes, foram abolidas durante mais de dez dias pelos chamados “grupos de pressão”, explicou o missionário, e durante toda a noite a circulação é proibida. «Além disso, continuou, numa reunião dos líderes destes movimentos de base, soubemos que tinham organizado a pilhagem da nossa casa em Butembo, onde estão alojados seis missionários e 19 seminaristas de várias áreas do Estado. Os rebeldes pensam que agentes das Nações unidas se escondem aqui. Graças a Deus, um dos participantes naquela reunião conseguiu convencer os outros de que se tratava apenas de um seminário para religiosos. Mas ainda somos um alvo: ouvimos pessoas que gritavam: “wacomboni watoke”, que em suaíli significa “Combonianos, ide embora”. O padre Claudino disse ainda que tiros de metralhadoras foram ouvidos não muito longe de casa. A alguns quarteirões de distância, uma manifestação foi dispersada pelo exército e pela polícia: durante a fuga, muitos jovens saquearam e atearam fogo a um escritório de administração pública que se encontra ao lado do edifício dos Combonianos, que foi objeto de um apedrejamento. «Um dano colateral, observou o padre Claudino, resultado da enorme tensão social que se vive aqui e que pode aumentar».

Não se trata apenas da violência dos grupos locais e dos conflitos interétnicos entre os kumus, uma etnia hutu do Ruanda, e os nandes, etnia maioritária de origem ugandesa, que reforçam a instabilidade política e social na região, que durante décadas teve que enfrentar também os massacres quase diários e a violência atribuída às Forças democráticas aliadas (Adf), nascidas no vizinho Uganda e estabelecidas no leste do Congo em 1995 com o objetivo de criar um dos chamados “Estados islâmicos”. Só em 2020, as Adf foram acusadas de ter assassinado mais de oitocentos civis, tanto no Kivu do Norte como no Kivu do Sul. «A 10 de abril, em Goma — capital da província do Kivu do Norte, 400 km a sul de Butembo — verificaram-se várias mortes nos conflitos interétnicos entre os kumu-hutus, tutsis e nandes», explicou o missionário. Estes últimos sentem-se cada vez mais ameaçados pela crescente influência das etnias ruandesas, especialmente na capital do Kivu do Norte, mas também em Mutembo e em Beni, onde foram usurpados terrenos agrícolas produtivos, particularmente de cacau, incendiando casas e matando brutalmente camponeses nandes. «Receamos que o ódio que circunda Goma se possa espalhar também aqui», afirma o padre Claudino. «A República Democrática do Congo é muito grande, mas “balcaniza-se”, como se diz, e perde o controle do território nacional».

A condição dramática do Estado africano levou recentemente a Comissão permanente do episcopado local (Cenco) a lançar mais um apelo a favor da pacificação, para pôr fim aos «conflitos armados que causam morte, desolação e deslocação de populações, na esperança de obter uma grande mobilização para lutar contra as causas profundas desta insegurança», entre as quais: violências dos grupos armados que agem para ocupar terras, exploração ilegal dos recursos naturais, enriquecimento injusto, islamização da região apesar da liberdade religiosa, deixando famílias em luto, causando deslocações maciças de populações e provocando perdas significativas de propriedades que prejudicaram gravemente a economia da região. «Já realizamos uma missão pastoral no início do ano, no leste do país, particularmente nas dioceses de Goma, Butembo-Beni e Bunia, rezando com as populações e dialogando com representantes de diferentes camadas da sociedade», declararam os bispos.

Considerando que também o Kivu do Sul vive a situação de precariedade e instabilidade que carateriza o Kivu do Norte e o Ituri, os bispos asseguraram que «nos próximos meses será enviada outra missão de escuta e segurança. A Cenco continua a apoiar o processo de construção da paz e da coesão social. Em virtude da nossa missão pastoral trabalharemos, interna e externamente, para consolidar a fraternidade entre os povos e as comunidades, de modo que os adversários se comprometam a percorrer juntos o caminho».