Congregação para os bispos: como funcionam as estruturas ao serviço do ministério do Papa
Entrevista ao cardeal Marc Ouellet

Homens para a Igreja
e não “arrivistas”

 Homens para a Igreja  e não “arrivistas”  POR-018
05 maio 2021

Ocritério não é a busca da perfeição, de “santos” de nicho, mas de homens certamente na posse de virtudes humanas e espirituais, sobretudo a prudência, que não significa «hesitação nem timidez», mas «equilíbrio entre ação e reflexão no exercício de uma responsabilidade que requer muito compromisso e coragem». O cardeal Marc Ouellet traçou claramente o perfil de um candidato ao ministério episcopal. A Congregação do Vaticano, que ele guia há anos, tem esta responsabilidade — que exerce de acordo com normas e práticas bem definidas — cujo êxito é ajudar o Papa a escolher os pastores aos quais serão confiadas as comunidades eclesiais do mundo. Uma tarefa, explicou, realizada de modo colegial e «com espírito de fé e não de cálculo».

Para descrever a grande responsabilidade que cabe ao dicastério chamado a escolher os sucessores dos apóstolos, o Papa Francisco usou uma forte expressão: «Esta Congregação existe para garantir que o nome daquele que é escolhido, antes de mais, tenha sido pronunciado pelo Senhor». Como se pode ser fiel a uma tarefa tão elevada e exigente?

A tarefa que a Igreja confia a este dicastério é ajudar o Santo Padre a decidir. Portanto, o nosso é um discernimento prévio. No que diz respeito a este “primeiro tempo”, posso resumir este grande trabalho em três verbos: rezar, consultar, verificar. Rezar: a oração como primeira e última ação, como ato de entrega inicial e final das nossas intenções ao Pai celeste; não é por acaso que no centro dos escritórios da Congregação se encontra a capela com o Santíssimo Sacramento. Cada vez que percorremos os corredores, encontramo-nos perante esta misteriosa Presença à qual cada ação deve ser referida. Consultar: a fase preparatória da qual nos ocupamos atinge o seu auge após intenso trabalho com o método sinodal: consultas com o povo de Deus, os núncios, os membros da assembleia plenária; é o destilado de tudo isto que chega à mesa do Papa. Verificar: ou seja, tentar alcançar a maior certeza possível de que a pessoa identificada tem as caraterísticas exigidas.

Por detrás de cada nomeação episcopal há um trabalho de discernimento por parte da Congregação, mas também de consulta e envolvimento das nunciaturas apostólicas e das Igrejas locais. Pode explicar-nos as modalidades como isso é feito e que recursos requer em relação ao vosso balanço de missão?

A identificação e o estudo de um candidato é o fruto de uma ação conjunta entre vários sujeitos. De três em três anos é compilada pelos bispos metropolitanos uma lista de promovendis, isto é, uma lista de presbíteros que poderiam ser adequados para o ofício episcopal, de acordo com as indicações dos bispos da sede metropolitana. A nunciatura seleciona estas candidaturas através de um processo de consulta com o povo de Deus, que tem a caraterística de máxima confidencialidade. No processo de consulta é exigida a confidencialidade estrita das pessoas interpeladas, a fim de garantir a veracidade da informação e sobretudo para proteger a reputação da pessoa que está a ser estudada. Uma vez identificados os melhores perfis para satisfazer as necessidades do momento, são transmitidos à Santa Sé. Através da Congregação para os bispos, a Santa Sé considera as candidaturas à luz de critérios gerais e, com a ajuda de uma assembleia de membros nomeados pelo Santo Padre, atualmente 23 cardeais e bispos de todo o mundo, faz a avaliação final que será oferecida ao Papa para a sua decisão definitiva.

Não existe o risco de o processo de seleção dos prelados ser influenciado pela pertença ou condicionamento de natureza particular? Como pode isso ser evitado?

Como em todas as situações humanas, pode haver nos informadores ambições, inveja, interesses pessoais. Para evitar isto, deve ser cultivado um espírito de desprendimento no povo de Deus e na formação dos sacerdotes. A Igreja não precisa de “arrivistas sociais”, pessoas que procuram os primeiros lugares, mas de homens que desejam sinceramente servir os seus irmãos e indicar-lhes o caminho da fé e da conversão.

No perfil pastoral de um bispo contam mais as qualidades humanas, as virtudes espirituais ou a capacidade de governar uma diocese?

A Congregação para os bispos, ao contrário da Congregação para as causas dos santos, trata dos perfis pastorais dos candidatos que ainda não são perfeitos, mas de homens no caminho da perfeição. Num sacerdote a ser proposto ao episcopado as virtudes teologais e cardeais, as chamadas virtudes humanas principais, certamente contam, mas entre todas, a mais importante para este ofício é a prudência. Não deve ser entendida como hesitação nem timidez, mas como um equilíbrio entre ação e reflexão no exercício de uma responsabilidade que requer muito compromisso e coragem.

Que influência têm as personalidades e sensibilidades dos vários Pontífices sobre os critérios de escolha?

A sensibilidade de um pontificado tem certamente uma influência notável sobre as escolhas. Cada Papa recebe do Espírito Santo uma “visão” particular sobre os problemas da Igreja e as prioridades a considerar. Aqueles que colaboram com ele são chamados a entrar na perspetiva do “primeiro Pastor” com um espírito de fé e não de cálculo.

As visitas «ad limina» que o episcopado do mundo inteiro realiza de cinco em cinco anos são um momento importante de partilha entre as Igrejas locais, o Papa e a Cúria romana. Como podem ser valorizadas para que se tornem também uma ocasião de conhecimento e enriquecimento para os fiéis leigos e comunidades paroquiais?

As visitas «ad limina» são um momento de sinodalidade concreta que os episcopados de todo o mundo vivem com o Papa e os dicastérios que coadjuvam o seu trabalho. As “apresentações” que as Conferências episcopais fazem dos seus territórios constituem um mosaico fascinante no qual se vislumbra a ação de Deus em todas as latitudes. Cada bispo deveria ouvir, antes da visita, o seu povo e depois regressar à sua diocese após esta densa série de encontros, que culminam com a celebração da Eucaristia com o Santo Padre no túmulo de Pedro, para contar a experiência vivida, a fim de que todos tomem conhecimento do que foi recebido.

Vossa Eminência é também Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, criada por Pio XII em 1958. Por que foi incluída na Congregação para os bispos e que papel desempenha hoje no contexto do pontificado do primeiro Papa latino-americano da história?

A Pontifícia Comissão para a América Latina (c.a.l.) nasceu historicamente como um organismo destinado a facilitar o envio de missionários da Europa para a América do Sul. Ao longo dos anos, a sua fisionomia foi-se alterando com a mudança da face da Igreja. Atualmente o fluxo missionário tem também uma direção inversa, de modo que os sacerdotes do continente latino-americano percorrem ao contrário as estradas dos primeiros missionários para trazer o anúncio do Evangelho a muitos países europeus. Hoje a c.a.l. é uma entidade dinâmica, que promove o conhecimento do continente na Cúria e vice-versa, e sobretudo o encontro com as necessidades daquelas terras com a oferta de disponibilidade; também segue em primeira pessoa e promove pequenas intervenções diretas. Nos últimos anos, a Comissão concentra-se especialmente no diálogo e na promoção, para estimular a reflexão sobre as prioridades e o futuro do continente católico sob o impulso do Papa Francisco.

Colabora com a c.a.l. uma assembleia de 20 membros que participam em sessões plenárias de reflexão e orientação sobre o futuro da área. Gostaria de recordar especialmente a assembleia plenária de 2018 com o tema: «A mulher: pilar na edificação da Igreja e da sociedade na América Latina». Foi um momento muito bonito, uma passagem do Espírito Santo.

Benedetta Capelli