A tutela da vida vem antes
Para sair da crise provocada pela pandemia é necessário «unir os esforços para criar um novo horizonte de expetativas, em que o principal objetivo não seja o benefício económico, mas a tutela da vida humana», escreveu o Papa Francisco numa carta enviada aos participantes na xxvii Conferência ibero-americana, que teve lugar de 20 a 21 de abril em Andorra.
A Sua Excelência Senhora
Rebeca Grynspan Mayufis
Secretária-Geral da Secretaria
Geral Ibero-Americana
Enquanto a saúdo atenciosamente, Senhora Secretária-Geral, através desta carta quero transmitir a minha saudação a todos os Chefes de Estado e de Governo que participam na xxvii Conferência Ibero-Americana, num contexto particularmente difícil devido aos terríveis efeitos da pandemia de Covid-19 em todos os âmbitos da vida quotidiana, que exigiram enormes sacrifícios de todas as Nações e dos seus cidadãos, convidando toda a comunidade internacional a comprometer-se, unida, com espírito de responsabilidade e fraternidade, para enfrentar os numerosos desafios já em curso, e aqueles que hão de vir.
Em primeiro lugar, desejo recordar os milhões de vítimas e de doentes. Rezo por eles e pelas suas famílias. A pandemia não fez distinções e atingiu pessoas de todas as culturas, credos, camadas sociais e económicas. Todos nós sabemos e já experimentamos a perda de um ente querido que morreu por causa do coronavírus, ou que foi atingido pelo contágio. Todos estamos conscientes de como é difícil para as famílias não poder estar ao lado dos seus amigos ou parentes para lhes oferecer proximidade e consolação durante estes momentos. Todos vimos o impacto que os efeitos desta trágica situação têm sobre tantas crianças e jovens, e acompanhamos com preocupação as consequências que ela pode ter para o seu futuro. É digno de louvor o trabalho árduo dos médicos, enfermeiros, pessoal de saúde, capelães e voluntários que, nestes momentos difíceis, além de cuidar dos doentes, com o risco da própria vida, foram o familiar e o amigo que lhes faltava.
Enquanto reconheço os esforços envidados na busca de uma vacina eficaz contra a Covid-19 num prazo tão curto, desejo reiterar que a imunização extensiva deveria ser considerada um «bem comum universal», noção que exige gestos concretos que inspirem todo o processo de investigação, produção e distribuição das vacinas.
Neste âmbito, são particularmente louváveis as iniciativas que procuram criar novas formas de solidariedade a nível internacional, com mecanismos destinados a garantir uma distribuição equitativa das vacinas, não baseada em critérios puramente económicos, mas tendo em consideração as necessidades de todos, especialmente dos mais vulneráveis e carentes.
Em várias ocasiões salientei que devemos sair desta pandemia “melhores”, pois a crise atual é uma oportunidade propícia para reconsiderar a relação entre a pessoa e a economia, de tal modo que possa ajudar a superar o curto-circuito «da morte que vive em cada lugar e em cada época». Tendo em vista esta finalidade, devemos unir os esforços para criar um novo horizonte de expetativas em que o principal objetivo não seja o benefício económico, mas a tutela da vida humana. Neste sentido, é urgente considerar um modelo de retoma capaz de gerar novas soluções, mais inclusivas e sustentáveis, em vista do bem comum universal, cumprindo a promessa de Deus para todos os homens.
É preciso prestar atenção especial à necessidade de reformar a “arquitetura” da dívida internacional, como parte integrante da nossa resposta conjunta à pandemia, pois a renegociação do peso da dívida dos países mais necessitados constitui um gesto que ajudará as pessoas a desenvolver-se, a ter acesso às vacinas, à saúde, à educação e ao emprego. Este gesto deve ser acompanhado pela implementação de sólidas políticas económicas e de uma boa administração que alcance os mais pobres.
Ressalto a urgência de tomar medidas que permitam o acesso ao financiamento externo, através de uma nova emissão de Direitos de Saque Especiais, convidando a uma maior solidariedade entre os países, que permita que os fundos sejam destinados a dar impulso e a encorajar o desenvolvimento económico e produtivo, de tal modo que todos possam sair da situação atual com as melhores possibilidades de retomada.
Nada disto será possível, sem uma vigorosa vontade política que tenha a coragem de decidir mudar as coisas, especialmente as prioridades, a fim de que não sejam os pobres a pagar o preço mais alto por estes dramas que atingem a nossa família humana.
Desejando o melhor êxito à xxvii Conferência Ibero-Americana, asseguro-vos a minha oração para que este encontro seja frutuoso, e invoco abundantes Bênçãos divinas sobre todos os participantes e os povos que eles representam.
Vaticano, 21 de abril de 2021
Francisco