O espírito do documento pontifício encarnado pela emissora Sol Mansi na Guiné-Bissau

Uma rádio que dá voz
a muçulmanos e cristãos

 Uma rádio que dá voz a muçulmanos e cristãos  POR-012
23 março 2021

Se há uma estação de rádio que encarna o espírito da encíclica Fratelli tutti, é a Sol Mansi (“O sol nasce”, na língua local), uma emissora que o Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras (Pime) promove há vinte anos na Guiné-Bissau, hoje gerida quase inteiramente por pessoal local. O fundador, padre Davide Sciocco, explica: «A nossa rádio é caraterizada pela colaboração diária entre pessoas de vários grupos étnicos e religiões. Desde o início quase metade dos operadores são muçulmanos: um sinal importante numa nação perenemente exposta ao risco do extremismo religioso e das derivas étnicas. As pessoas apreciam que uma rádio iniciada como católica esteja aberta a todos e dê voz a todos».

Os números confirmam-no. A pesquisa realizada entre 2018 e 2020 pela Universidade católica de Lisboa estabeleceu que a Rádio Sol Mansi, sobretudo graças à autoridade da informação imparcial, é claramente a mais ouvida das 50 emissoras radiofónicas ativas na Guiné-Bissau, onde a taxa de analfabetismo se aproxima de 60%. Num país onde os animistas constituem mais de 50% da população, os muçulmanos 36% e os cristãos cerca de 15%, 42% do público escolhe Sol Mansi. Um resultado significativo, também em termos de evangelização.

Uma das chaves do sucesso é o profissionalismo que carateriza o projeto. Iniciada em 1991 a partir de uma intuição do padre Davide («no período da guerra civil os meios de comunicação social desempenharam um papel decisivo na instigação ao ódio»), a rádio nasceu como meio de paz e instrumento de reconstrução nacional. Outros missionários do Pime (padre Alberto Zamberletti e irmã Alessandra Bonfanti) alternaram-se ao serviço da rádio, mas desde o início havia a preocupação de a confiar à Igreja local, o que hoje é uma realidade, para formar o pessoal local à altura do desafio e oferecer à rádio os meios técnicos adequados. O padre Davide diz: «Após um período em que confiamos sobretudo no trabalho voluntário, desde 2007 os empregados da estação de rádio, quase quarenta, têm contratos de trabalho permanentes. E ainda são apoiados por uma vasta rede de colaboradores no território. Desde 2015, o diretor é um leigo guineense, Jorge Casimiro Cajucam. O pessoal é constituído quase inteiramente por jovens que cresceram no âmbito da rádio; vários deles, no entanto, seguiram cursos de formação noutros países: Brasil, Portugal, Angola e Burkina Faso. Um técnico italiano esteve connosco três vezes para treinar os nossos técnicos de estúdio. Agora as nossas notícias e programas já são reconhecidos como os mais profissionais do país. Prestamos grande atenção à valorização das mulheres: responsáveis dos estúdios em Bissau e Mansôa são duas jovens com anos de estudo no Brasil. Quanto à parte técnica, a rádio, que desde 2016 tem uma nova sede, pode contar com 3 estúdios e muitas antenas, de modo a cobrir todo o país».

Mas o segredo do sucesso não consiste apenas nisto. A razão de ser da rádio é estar perto do povo e dar voz aos últimos: afinal, a Guiné-Bissau está entre os 6 países mais pobres do mundo, 88% da população vive com menos de dois dólares por dia e a expetativa de vida é de 47 anos. É por isso que a programação da rádio dá muito espaço aos problemas da vida quotidiana das pessoas, combinando informação, entretenimento e formação, desde a educação alimentar até à luta contra a sida, passando pela promoção das mulheres, com sugestões para a agricultura. «Neste período trabalhamos muito na sensibilização sobre a Covid-19, de modo a alcançar o segmento mais simples e menos informado da população», comenta o padre Sciocco.

Uma estação de rádio tão agradável entre a população pode ser desconfortável, num país frequentemente dilacerado por lutas pelo poder, a tal ponto que houve quem, em 2012, procurou silenciá-la, depois de mais um golpe de estado militar. Não obstante, a Rádio Sol Mansi nunca deixou de acreditar no diálogo. Entre os programas mais populares encontram-se os de natureza inter-religiosa; além disso, os representantes das Igrejas reformadas e do Islão têm cada um espaços “ad hoc” na agenda da emissora. O padre Davide conclui com estas expressões: «Dizem-me que muitos muçulmanos gostam do programa que apresento diariamente, intitulado “Dez minutos com Deus”. Neste programa proponho reflexões que têm a ver com a vida quotidiana, vista sob a perspetiva da fé. Uma maneira simples, mas eficaz de anunciar o Evangelho a todos».

Gerolamo Fazzini