Mensagem do cardeal secretário de Estado
Publicamos o texto da mensagem vídeo que o cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin enviou a 22 de março — em nome do Papa Francisco — ao diretor-geral da Fao, Qu Dongyu, à diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, e aos participantes no evento virtual que teve lugar por ocasião do Dia mundial da água de 2021.
Excelências!
É uma honra saudar-vos cordialmente, também em nome do Santo Padre, por ocasião do Dia mundial da água de 2021.
O tema escolhido para este ano, «Valorizar a água», convida-nos a ser mais responsáveis na tutela e utilização deste elemento tão fundamental para a preservação do nosso planeta. Com efeito, sem água não haveria vida, nem centros urbanos, nem produtividade agrícola, florestal ou pecuária. No entanto, este recurso não tem sido tratado com o zelo e a atenção que merece. Desperdiçá-lo, negligenciá-lo ou poluí-lo é um erro que continua a repetir-se inclusive nos dias de hoje.
Não só, mas até no século
Para além desta triste realidade, hoje acrescentam-se os efeitos nocivos das mudanças climáticas: inundações, secas, aumento da temperatura, alterações repentinas e imprevisíveis de pluviosidade, degelos, redução das correntes dos rios e esgotamento das águas subterrâneas. Todos estes fenómenos prejudicam e diminuem a qualidade da água e, consequentemente, impedem uma vida pacífica e frutuosa. Também contribuem para esta situação a difusão da cultura do desperdício e a globalização da indiferença, que leva o homem a sentir-se autorizado a saquear e a despojar a criação. Sem esquecer a atual crise sanitária, que aumentou as desigualdades sociais e económicas existentes, salientando os danos causados pela ausência ou ineficiência dos serviços hídricos entre os mais necessitados.
Pensando naqueles que hoje estão privados de um bem tão essencial como a água, assim como nas gerações vindouras, convido todos a trabalhar para pôr fim à poluição dos mares e rios, dos cursos de água subterrâneos e das nascentes, através de um trabalho educativo que promova uma mudança no nosso estilo de vida, a procura do bem, da verdade, da beleza e da comunhão com outras pessoas, tendo em vista o bem comum. Que estes sejam os elementos determinantes das escolhas de consumo, poupança e investimento (cf. São João Paulo ii, Encíclica Centesimus annus, 36).
Portanto, «Valorizar a água», como afirma o tema deste ano, significa mudar a nossa própria linguagem. Em vez de falar do seu “consumo”, devemos referir-nos ao seu “uso” sensato, de acordo com as nossas necessidades reais e respeitando as dos outros. «Se alguém tem água de sobra, mas poupa-a pensando na humanidade», diz-nos o Santo Padre, «é porque atingiu um nível moral que lhe permite transcender-se a si mesmo» (Encíclica Fratelli tutti, 117). Se vivermos sobriamente e colocarmos a solidariedade no centro dos nossos critérios, utilizaremos a água racionalmente, sem a desperdiçar de modo inútil, e poderemos partilhá-la com quantos dela mais precisam. Por exemplo, se protegermos os pântanos, se reduzirmos as emissões de gases com efeito de estufa, se permitirmos a irrigação aos pequenos agricultores e melhorarmos a resiliência nas áreas rurais, as comunidades de baixo rendimento, que são as mais vulneráveis em termos de abastecimento de água, beneficiarão e emergirão do seu estado de prostração e abandono.
«Valorizar a água» também pode significar reconhecer que a segurança alimentar e a qualidade da água estão intimamente interligadas. Com efeito, este recurso desempenha um papel essencial em todas as fases dos sistemas alimentares: na produção, transformação, preparação, consumo e, em parte, até na distribuição de alimentos. O acesso à água potável e saneamento adequado reduz o risco de poluição alimentar e a propagação de doenças infeciosas, que afetam o estado nutricional e a saúde das pessoas. Muitas, talvez a maioria, das doenças causadas pelos alimentos têm efetivamente origem na má qualidade da água utilizada na sua produção, transformação e preparação.
A fim de garantir o acesso justo à água, é de vital urgência agir sem demora, para pôr fim de uma vez por todas ao seu desperdício, à sua comercialização e à sua poluição. A colaboração entre Estados, entre os setores público e privado, e a multiplicação de iniciativas de organismos intergovernamentais são mais necessárias do que nunca. São também urgentes a cobertura jurídica vinculativa, o apoio sistemático e eficaz para assegurar que a água potável chegue, em quantidade e qualidade, a todas as áreas do planeta.
Portanto, apressemo-nos a dar de beber aos sedentos. Vamos corrigir o nosso estilo de vida, de modo a não esbanjar nem poluir. Tornemo-nos protagonistas da bondade que levou São Francisco de Assis a definir a água como irmã «que é muito útil, humilde, preciosa e casta» (Cântico das criaturas: