No ano do distanciamento
O ano de 2020 do Papa Francisco, assim como de cada um de nós, foi profundamente marcado pela pandemia. Nenhuma viagem, poucas audiências gerais com a presença limitada de pessoas no final do verão, depois novamente interrompidas com a chegada da segunda vaga de contágios, celebrações públicas de forma reduzida, com a participação de pequenos grupos de fiéis. Faltaram a proximidade diária das pessoas, o contacto físico feito de abraços, apertos de mão, palavras sussurradas com lágrimas nos olhos, bênçãos na testa, olhares que se cruzam e se encontram. Também Francisco, à sua maneira, teve que desempenhar a sua missão à distância, permanecendo em casa, conectando-se de modo virtual, multiplicando os contactos telefónicos.
O ano do Papa Francisco foi marcado pelas palavras da exortação Querida Amazonia, que reuniu o discernimento do Sínodo de outubro de 2019 e foi publicada nas vésperas do surto da pandemia: uma vigorosa exortação a olhar para quanto acontece naquela região esquecida. A indicação de caminhos concretos para uma ecologia humana, que tenha em consideração os pobres, para a valorização das culturas e para uma Igreja missionária com um rosto amazónico. Quando parecia que a Covid-19 concedia uma trégua, pelo menos na Itália, Francisco retomou as audiências gerais com os fiéis, propondo-lhes um ciclo de catequeses sobre o futuro que queremos construir depois da pandemia. Por fim, no passado mês de outubro, o dom de uma nova encíclica, Fratelli tutti, que indicou a fraternidade e a amizade social como resposta às sombras do ódio, da violência e do egoísmo, que às vezes parecem prevalecer no nosso mundo desfigurado não só pelo coronavírus, mas por guerras, injustiças, pobrezas e mudanças climáticas.
Na memória de todos, o acontecimento simbólico do ano que findou permanece o do dia 27 de março, com a Statio Orbis, a súplica a Deus para intervir e ajudar a humanidade atingida pela pandemia: Francisco sozinho, debaixo da chuva, numa praça de São Pedro desoladamente vazia, como nunca, e ao mesmo tempo nunca tão cheia, graças a milhões de pessoas do mundo inteiro, ligadas em mundovisão para rezar em silêncio. O Papa que sobe lentamente os largos degraus para chegar ao adro, recordando-nos que estamos todos no mesmo barco, impossibilitados de nos salvar sozinhos; o Papa que beija os pés do Crucifixo de São Marcelo, levado em procissão pelos romanos contra a peste; o Papa que abençoa a cidade e o mundo com o Santíssimo, enquanto no fundo se ouvem as sirenes numa Roma paralisada pelo confinamento.
Mas houve outro acontecimento do dia a dia, menos impressionante e contudo mais importante, que permitiu que Francisco acompanhasse milhões de pessoas do mundo inteiro na primeira parte do ano de 2020, durante o tempo do medo e da desorientação. Foi a Missa do dia, celebrada na capela da Casa Santa Marta às 7h da manhã: durante três meses o Sucessor de Pedro bateu suavemente às portas das nossas casas, convidando-nos a não ouvir grandes discursos nem longas catequeses, mas sobretudo a prestar atenção às palavras das Escrituras, comentadas com breves homilias improvisadas e seguidas, depois da celebração eucarística, por alguns minutos de adoração silenciosa diante do Santíssimo. Cada manhã, cada meio-dia ou cada tarde, segundo o fuso horário, numerosas pessoas, até não praticantes e não crentes, se sintonizavam através da rádio, da televisão, em streaming, para ouvir a mensagem do Evangelho e a voz do Bispo de Roma, que se tornou pároco do mundo. E se as imagens do Papa sozinho na praça, a 27 de março impressionaram, comoveram ainda mais aquelas dos numerosos fiéis ajoelhados durante a consagração diante de um ecrã ou de um smartphone, das Américas à Europa, da China à África. A sobriedade essencial daquelas celebrações, precedidas por breves preces pelas categorias mais atingidas pela Covid-19, fez companhia, ofereceu vislumbres de esperança, ajudou a rezar, levando a sentir-nos menos sozinhos, isolados, abandonados. A proximidade ao povo de Deus, o acompanhamento alcançado com aquelas missas partilhadas nos ecrãs do mundo inteiro, tornou evidente o que significa, para o Papa, ser pastor da Igreja universal, intercessor a favor da humanidade ferida, testemunha do Evangelho em ação em toda a família humana, de muitas maneiras frequentemente imprevisíveis e escondidas.
Andrea Tornielli