Consistório ordinário público
Publicamos a homilia do Pontífice proferida dirante o consistório ordinário público para a criação de treze cardeais, presidido na tarde de sábado, 28 de novembro na basílica de São Pedro.
Jesus e os discípulos «iam a caminho...». A cena descrita pelo evangelista Marcos (10, 32-45) passa-se no caminho. E, no mesmo ambiente, se desenrola o percurso da Igreja: o caminho da vida, da história, que é história de salvação na medida em que o percorrermos com Cristo, rumo ao seu Mistério Pascal. À nossa frente, sempre temos Jerusalém. A Cruz e a Ressurreição pertencem à nossa história: são o nosso hoje, mas constituem sempre também a meta do nosso caminho.
Este texto do Evangelho já várias vezes acompanhou os Consistórios para a criação de novos Cardeais. Não é apenas o «pano de fundo», mas uma «indicação de percurso» para nós, que hoje estamos a caminho juntos com Jesus. Ele avança à nossa frente; é a força e o sentido da nossa vida e do nosso ministério.
Assim, amados irmãos, hoje cabe a nós medir-nos com esta Palavra evangélica.
Marcos destaca que, ao longo do caminho, os discípulos «estavam espantados (...) estavam cheios de medo» (10, 32). Mas porquê? Porque sabiam aquilo que os esperava em Jerusalém; intuíam-no; melhor, sabiam-no porque Jesus já lhes falara disso, abertamente, mais do que uma vez. O Senhor conhece o estado de ânimo daqueles que O seguem, e isso não O deixa indiferente. Jesus nunca abandona os seus amigos; jamais os transcura. Mesmo quando parece cortar a direito pelo seu caminho, sempre o faz por nós: tudo o que faz, fá-lo por nós, pela nossa salvação. E, neste caso específico dos Doze, fá-lo para os preparar para a provação, a fim de conseguirem estar com Ele agora e sobretudo depois, quando Jesus já não estiver no meio deles. Para que estejam sempre com Ele e sigam pelo seu caminho.
Sabendo que o coração dos discípulos está turbado, Jesus chama à parte os Doze e diz-lhes «de novo (…) o que Lhe ia acontecer» (10, 32). Foi o que ouvimos: é o terceiro anúncio da sua paixão, morte e ressurreição. Este é o caminho do Filho de Deus, o caminho do Servo do Senhor. E Jesus identifica-Se de tal modo com esse caminho, que Ele próprio é este caminho: «Eu sou o caminho» (Jo 14, 6). Este caminho; e não outro.
E, neste ponto, sucede um imprevisto que agita a situação, permitindo a Jesus revelar a Tiago e a João — na realidade, porém, a todos os Apóstolos e a nós todos — o destino que os espera. Imaginemos a cena: depois de voltar a explicar o que Lhe deve acontecer em Jerusalém, Jesus fixa bem os Doze, olhos nos olhos, como se dissesse: «Está claro?». Em seguida, retoma o caminho à cabeça do grupo. Mas, do grupo, separam-se dois: Tiago e João. Aproximam-se de Jesus e exprimem-Lhe um desejo: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda» (10, 37). E este é outro caminho. Não é o caminho de Jesus; é outro. É o caminho de quem, talvez sem se dar conta sequer, se aproveita do Senhor para se promover a si mesmo; o caminho de quem — como diz São Paulo — procura os próprios interesses, e não os de Cristo (cf. Fp 2, 21). A propósito disto compôs Santo Agostinho aquele Discurso estupendo sobre os pastores (n. 46), que sempre nos faz bem reler no Ofício de Leituras.
Depois de ter ouvido Tiago e João, Jesus não Se descompõe, nem Se zanga; a sua paciência é verdadeiramente infinita! Também connosco, teve paciência, tem e terá… E responde: vós «não sabeis o que pedis» (10, 38). De certo modo desculpa-os, mas ao mesmo tempo censura-os: «Não vos dais conta de que estais fora do caminho». Com efeito, imediatamente depois serão os outros dez apóstolos a demonstrar, com a sua reação indignada contra os filhos de Zebedeu, como todos estivessem tentados a seguir fora do caminho.
Queridos irmãos, todos nós amamos Jesus, todos queremos segui-Lo, mas devemos estar sempre vigilantes para permanecer no seu caminho. Pois com os pés, com o corpo, podemos estar com Ele, mas o nosso coração pode estar longe e levar-nos para fora do caminho. Pensemos em tantos géneros de corrupção na vida sacerdotal. Assim, por exemplo, o vermelho purpúreo das vestes cardinalícias, que é a cor do sangue, pode tornar-se, para o espírito mundano, a cor duma distinção eminente. E deixarás de ser o pastor próximo do povo; sentir-te-ás apenas «a eminência». Quando sentires isto, estás fora do caminho.
Nesta narração evangélica, sempre impressiona o contraste nítido entre Jesus e os discípulos. Jesus sabe-o, conhece-o e suporta-o. Mas o contraste permanece: Ele, no caminho; os discípulos, fora do caminho. Dois percursos inconciliáveis. Na realidade, só o Senhor pode salvar os seus amigos desvairados, em risco de se perderem. Só a sua Cruz e a sua Ressurreição... Por eles, e por todos, Jesus sobe a Jerusalém. Por eles, e por todos, dividirá em pedaços o seu corpo e derramará o seu sangue. Por eles, e por todos, ressuscitará dos mortos e, com o dom do Espírito, perdoar-lhes-á e transformá-los-á. Enfim encaminhá-los-á pelo seu caminho.
São Marcos — como aliás São Mateus e São Lucas — inseriram esta narração no próprio Evangelho, porque é uma Palavra que salva, uma Palavra necessária à Igreja de todos os tempos. Apesar da má figura que nela fazem os Doze, a mesma entrou no Cânon, porque mostra a verdade acerca de Jesus e de nós próprios. É uma palavra salutar também para nós hoje. Também nós, Papa e Cardeais, devemos espelhar-nos sempre nesta Palavra de verdade. É uma espada afiada: corta, é dolorosa, mas ao mesmo tempo cura-nos, liberta-nos, converte-nos. A conversão é precisamente isto: sair de fora do caminho, ir para o caminho de Deus.
Que o Espírito Santo nos dê, hoje e sempre, esta graça!