Não obstante o próprio Dostoievski, tendo passado ali os anos da juventude, tenha chegado a defini-la como «a cidade mais abstrata e premeditada de todo o globo terrestre», não se pode negar que São Petersburgo é fascinante, e mais do que nunca durante o verão, graças ao conhecido evento natural das chamadas “noites brancas”, um espetáculo cuja beleza pode ser apreciada de modo admirável quando o sol, propenso à generosidade, concede a sua luz além do limite, prolongando-se na sua luminosidade até à noite e tornando o seu crepúsculo interminável. E não somente naquela cidade, a única metrópole do mundo onde tal particularidade é visível, mas em todo o território situado na linha ideal do 60º paralelo norte, que nesta estação se torna fabuloso, mergulhado na variabilidade das cores e no encanto da atmosfera que se cria.
Esta especial luz noturna, que torna mágicos e extraordinariamente sugestivos a cidade e os seus arredores, foi escolhida como cenário para um dos primeiros inspirados contos juvenis de Fiódor Dostoievski, precisamente As noites brancas, talvez uma das obras mais líricas da literatura russa, publicada originalmente numa revista em 1848, com o subtítulo Das memórias de um sonhador, pouco antes da deportação do autor para a Sibéria, acusado de filiação a uma sociedade secreta subversiva. A narração entrou imediatamente no coração dos leitores, em virtude dos temas universais tratados, tais como o amor, a intrínseca aspiração à felicidade, a busca do outro, a necessidade irresistível do confronto e da escuta.
Deslumbrado também por esta atmosfera enigmática, o protagonista e narrador, um jovem escritor introvertido e sonhador, vive num mundo de fantasias, em busca de um sentido para a vida, praticamente de uma existência ideal, mas fá-lo de maneira bastante inerte e, além disso, afastado da sociedade e da realidade, que para ele não tem significado algum, enquanto vagueia como um fantasma, sem rumo certo sob a luz suave e inebriante da noite, ao longo das margens românticas dos canais do Neva e das ruelas adjacentes à majestosa avenida Nevsky da então Petersburgo, que o czar Pedro, o Grande, fundou e fez resplandecer.
Durante um dos seus passeios noturnos, perdido nos próprios pensamentos, absorto e melancólico, conhece uma moça misteriosa e tímida, mas cheia de sentimentos nobres, Nastenka, por quem se apaixona perdidamente. «Era uma noite maravilhosa, uma daquelas noites que talvez só sejam possíveis quando somos jovens», recitam as primeiras linhas da narração, levando-o a «questionar-se se sob um céu como este possam viver homens irritados e caprichosos». De repente, a sua vida parece prodigiosamente destinada a uma mudança radical, ao conhecimento do amor, parece-lhe que chegou o momento de experimentar pessoalmente o que na realidade significa ser amado.
Os dois personagens têm somente quatro encontros noturnos, que ele interpreta como a oportunidade de manifestar o ardor há muito tempo sufocado no peito, mas desde o início a jovem fá-lo compreender que só está pronta para a amizade, visto que se encontra à espera do seu amado, que regressou após uma longa ausência. Não obstante a sua boa índole, o jovem compreende que, à deriva da solidão, sem amigos, lhe falta a emoção real, à qual tinha aprendido a preferir unicamente os sentimentos imaginários. A imaturidade sentimental que o aflige representa um obstáculo aparentemente intransponível. Mas não se deixa desanimar. E sente que o enamoramento, contra o qual não há remédio algum, tem o poder de fazer desvanecer até o sonho mais lindo. Sabe que a fantasia não dispõe de armas para competir com a vida real. Assim, a paixão avança de modo prepotente, enchendo de nova linfa as suas veias, os seus pensamentos, a sua própria respiração, substituindo-se à sensaboria do abandono em que há muito tempo é obrigado a viver.
A jovem, por sua vez, uma pessoa frágil e atormentada, sente-se esquecida pelo mundo e passa os seus dias no tédio e na indecisão sobre o que fazer. Leva uma vida modesta, com a avó cega e superprotetora que, para controlar os seus movimentos, cose a própria roupa à dela com um alfinete. Mas é alimentada pela esperança concreta de reencontrar o amor perdido.
Os longos diálogos entre as duas almas solitárias e os fervorosos monólogos do narrador servem de fio condutor para esta breve história, na realidade desprovida de acontecimentos salientes, feita unicamente de sentimentos. O encontro fortuito leva o rapaz, prisioneiro de medos irracionais, a compreender que fora da sua interioridade existe um mundo que vale a pena viver. Mas dos sonhos de olhos abertos às deplorações, o passo é curto. Lamúrias pela amizade recém-nascida que nunca desabrochará em amor, portanto destinada a dissolver-se em nada, pela ilusão e fugacidade do tempo, pela ideia de voltar a deslizar na penumbra da solidão, pelos anos desperdiçados a devanear, enquanto a vida passa diante dos seus olhos.
Apesar de lhe ter aberto o coração, a donzela não se deixa encantar pelas lisonjas do jovem sonhador e encontra a coragem de seguir o próprio caminho, que a levará para os braços do seu amado. Fia-se da própria razão, embora não seja fácil dizer adeus ao amigo, a quem contudo permanece ligada, mas apenas mediante um sentimento ideal. Sabe que depois da frivolidade do verão, especialmente num lugar onde «o sol é um hóspede tão raro», o outono chegará a galope. Espontaneamente, interroga-se: quem se contentaria com a amizade, se aspirasse também ao amor?
Nesta história não se procura demonizar “a arte de sonhar”. Pelo contrário, quem de nós pode dizer que nunca sonhou? O sonho é a experiência fascinante de uma forma de realidade que diz respeito a todos, uma dinâmica que não conhece fronteiras e une todas as latitudes, especialmente no mundo dos jovens, que na frenética busca da verdade se deixam levar mais voluntariamente pela efervescência das suas emoções. Ao contrário, talvez se queira alertar para o risco concreto de sobrepor a fantasia à realidade, de antepor uma caricatura da existência à própria vida.
Introspetiva, sentimental mas também jocosa, a narração não apenas antecipou de certa maneira o mais complexo e estruturado romance Humilhados e ofendidos, no qual as misérias humanas são descritas com realismo amargo, mas ajudou a despertar a consciência a respeito do direito à felicidade de todos os seres humanos, até do sonhador mais distraído, perdido na sua alienação, um fenómeno presente em todas as épocas. Mas no entrelaçamento dos sentimentos, num certo momento da vida, todos são chamados a dar o salto qualitativo na busca do confronto com o outro, abandonando o espaço exíguo da própria intimidade, da projeção obstinada do próprio ego, para conseguir apreciar a beleza do que é autêntico, e não apenas para sentir a consolação de ter vivido «um instante inteiro de felicidade». Com efeito, talvez seja preciso algo mais para sermos verdadeiramente felizes.
Sérgio Suchodolak