Testemunho do arcebispo da Beira em Moçambique

Os vírus da pobreza e da guerra são mais assustadores do que a pandemia

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28 julho 2020

Em Moçambique, o impacto social e económico da Covid-19 é mais assustador do que a própria pandemia. Com 30 milhões de habitantes e uma pobreza generalizada, desde o início da emergência houve poucos casos de contágios e mortes, talvez em parte porque mais de metade da população tem menos de 20 anos e vive em áreas rurais isoladas.

No entanto, as consequências serão muito graves. O fechamento das escolas corre o risco de prejudicar o nível de educação de uma geração inteira. Dezenas de milhares de migrantes moçambicanos que trabalham nas minas da África do Sul tiveram que regressar. Agora estão desempregados e não poderão continuar a sustentar as respetivas famílias. No norte, na província de Cabo Delgado, grupos armados que há anos perpetram ataques violentos aproveitam-se da crise para consternar a população.

Esta é a situação descrita por D. Claudio Dalla Zuanna, arcebispo da Beira em Moçambique. Natural de Vicenza (Itália), mas nascido na Argentina, pertence à Congregação dos sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus. Ele conhece bem o país africano: depois de um período como jovem missionário, de 1985 a 2003, regressou ao país como bispo em 2012. A sua ordenação episcopal foi singular: no estádio de basquetebol do clube ferroviário da Beira. Governa uma diocese de 550.000 habitantes, e entre os seus sacerdotes há também três fidei donum vicentinos. No ano passado tiveram que enfrentar a emergência causada pelo furacão Idai, que causou 1.000 mortes e dezenas de milhares de deslocados.

E agora a Covid-19. «O impacto aqui foi muito diferente — diz em ligação  vídeo da Beira — a propagação do vírus foi mais lenta porque 60% da população vive da agricultura de subsistência em áreas muito isoladas. Em cidades como a Beira e Maputo os efeitos foram mais evidentes». Em Moçambique era impossível aplicar um lockdown rígido, como na vizinha África do Sul. Nos acampamentos não há água corrente nem serviços de saúde, as pessoas têm que se dedicar ao comércio informal para sobreviver e, portanto, necessariamente são obrigadas a sair. Poucas pessoas recebem o salário no fim do mês porque muitas pequenas empresas tiveram que reduzir o número de trabalhadores ou fechar. «Sem o salário, muitos já não compram no mercado informal — explica o arcebispo da Beira — por isso, em cadeia, há um empobrecimento geral».

No sul de Moçambique, o impacto foi mais forte devido à falta de remessas de dezenas de milhares de mineiros. Foram obrigados a regressar da vizinha África do Sul por causa do fechamento de todas as atividades económicas, e esta situação durará muito tempo, pois ainda enfrentam uma enorme emergência.

Um país jovem, com as escolas fechadas há três meses — o ano letivo tinha começado há pouco, em meados de fevereiro — será fortemente afetado no campo da educação. Na Beira, por exemplo, já no ano passado os estudantes perderam importantes meses de estudo por causa do furacão. Muitas famílias ainda vivem nos acampamentos: «À distância de um ano, muitos edifícios públicos ainda não foram recuperados, vai-se à escola ao ar livre, com chuva ou sol». «O governo estuda medidas para reabrir as escolas», relata o bispo, «mas a desinfeção e o espaçamento são inaplicáveis em turmas de 60/90 alunos. Das 600 escolas secundárias, 300 não dispõem de água corrente e nas outras as instalações sanitárias são precárias. Não há bastantes salas de aula nem professores. O ano letivo já está comprometido».

A situação mais preocupante diz respeito à área de Cabo Delgado, no norte do país, desestabilizada fortemente (e talvez de modo intencional). É a província mais pobre, onde foram assinados contratos bilionários para a extração de gás e matérias-primas. Nos últimos meses, em Pemba, capital da região, há mais de 200.000 deslocados, que enfrentam enormes dificuldades de sobrevivência.

Aqui, onde a cólera é endémica, agora chegou também o coronavírus. «A partir de março, as ações militares aumentaram — o bispo lança o alarme — e os grupos armados revelam uma capacidade de organização muito elevada. Ocuparam cidades inteiras e em abril as primeiras reivindicações começaram a ser feitas pelo Ei, que procura aproveitar-se do mal-estar da população. Muitos jovens não veem perspetivas para o futuro e deixam-se aliciar facilmente».

Por todos estes motivos, conclui D. Claudio Dalla Zuanna, os moçambicanos resumem a sua posição diante da pandemia com uma frase simples mas eficaz: «O velho vírus da pobreza e da guerra preocupa-nos mais do que o novo vírus».

Patrizia Caiffa